[Paulo Ghiraldelli Júnior]
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As ditaduras são vistas como regimes de ódio. Mas a pior ditadura é a ditadura do amor. Entre as ditaduras do amor, a mais perversa é a que abocanha a mulher, condenada a amar sua prole.

Uma mulher que cai na prisão por qualquer crime só é unanimemente molestada pelas outras caso sua falta seja a de abandonar um filho. Jogadas ao azar da vida, as mulheres na prisão, barbarizadas, enxergam que devem fazer justiça com as próprias mãos se uma outra mulher não cumprir sua “função de mãe”. A sociedade fora das grades faz a mesma coisa. A mãe que mostra qualquer gesto visto como o do não-amor ao filho só tem equivalente em monstruosidade ao homem que é acusado de pedofilia. Essa moral das cavernas é reproduzida no lar, na manicure, no trabalho e na universidade. A mulher pode não mais saber cozinhar e pode falar com gosto que “cuidar do marido” é coisa do passado. Mas, ser mãe e amar os filhos, ou ela faz isso e, mais importante, diz que faz, ou será posta para escanteio. A mulher não perdoa a mulher por não viver a ditadura do amor à prole.

 

Não são poucos os filósofos que, quando buscam a essência do que seria o amor verdadeiro, querem encontrá-lo na relação mãe-filho. (1) Talvez eles até tenham alguma razão nisso. Mas a contrapartida aparentemente lógica dessa idéia não é nada boa. Diz-se então, numa falácia, que se a mulher não mostra que ama seu filho, então ela não ama nada. Um homem que não ama nada é um homem frio. Uma mulher que não ama nada é um alienígena perverso que merece a morte – mas não sem antes uma boa tortura.  Sabe-se muito bem que bruxas não têm filhos.

Essa ditadura é aceita pelas mulheres e incentivada antes por elas mesmas que pelos homens. Na história do Ocidente só mesmo o movimento anarquista, em algum momento, conseguiu falar em “greve de útero”. Foi esmagado talvez antes por isso que pelas supostas greves no trabalho. Atualmente, qualquer atividade que possa aparecer como a negação da atividade materna, antes em teoria que de fato (!), é vista com maus olhos. A maioria das mulheres que defendem o direito ao aborto são as primeiras a ficarem horrorizadas com algumas de suas colegas que, antes do direito ao aborto, querem ter o direito de não ter de gastar o amor com filhos.

A ditadura do amor, porém, não tem só defensores explícitos. São dezenas de profissionais os que estão a serviço dela, trabalhando dioturnamente para que a lei da maternidade seja cúmplice e incentivadora, subrepticiamente, do que se pode chamar de lei do amor a todo custo. Li esses dias na nossa imprensa uma dessas sutis incursões a favor da ditadura do amor. (2) Psicólogos, terapeutas, pedagogos e outros dessa linha falando do “movimento pelo brincar”. Esses inventores da roda e descobridores de Américas dizem que as crianças precisam brincar. Falam (vagamente, é claro) sobre as distorções causadas pela falta da brincadeira tradicional na vida de meninos e meninas. Rousseauístas inconscientes e acríticos, eles insinuam que os adultos não serão boas pessoas caso não brinquem. Tentam apavorar as mães com as estatísticas, mostrando o quanto as crianças do mundo todo estão deixando de brincar, optando pela “abominável TV”, a Internet e atividades programadas em escolas ou atividades extra-curriculares. A classe média se apavora com o futuro de seus rebentos. A conclusão é óbvia: de um lado, as escolas interessadas no dinheiro, podem voltar ao lúdico, caso a classe média engula essa “novidade”; de outro, as mães devem, por amor, voltar a brincar mais com seus filhos. Nesse caso, toda e qualquer mãe! E até não mães! Haja mulher para agarrar e botar nessa senzala.

Não! Não adianta as mães contratarem babás. Nem adianta a Gelol querer dizer que “não basta ser pai, tem de participar”, porque a sociedade nossa não é movida familiarmente pelo macho e, sim, pela fêmea. A mãe é trazida para dentro de casa, amarrada com bola de ferro aos filhos, infantilizada pela brincadeira das crianças, separada de sua vida sexual e, então, ou se transforma em bola de puro amor ou deve ser jogada no poço do desprezo. É claro que as mulheres, diante disso, entram em depressão.

A raiva das mulheres contras os que denunciam a ditadura do amor é tamanha que não espante o leitor inteligente quando ler os comentários a este texto, de mulheres gritando contra mim: “eu sou feliz por brincar com meus filhos, sou feliz, sou feliz, sou feliz”. Vão esgoelar – duvidam? Outras dirão que não sei de nada, e que elas arrumam tempo para não só cuidar dos filhos como também brincar com eles. Outras falarão do quanto é importante não só para os filhos, mas também para os adultos, aprenderem a brincar com seus próprios filhos – aliás, já há profissionais da psicologia dizendo isso por aí. O romantismo disseminado pelo filósofo que Nietzsche chamava de “a tarântula moral”, Rousseau, sempre teve algo de malévolo, ditatorial e, enfim, como todos sabem, conservador.

É claro que do ponto de vista dos sociólogos, o mundo nunca tem problema. Entendendo pouco dos componentes subjetivos da vida, uns vão dizer que a questão se resolve com creches, através de uma política social democrata, outros vão dizer que o socialismo, criando uma nova sociedade, também disporá dos meios de fazer a criança brincar na escola. Ou seja, que se arrumem mães em algum lugar! O que não pode parar é a ditadura do amor.

Mas nós filósofos, que não temos como solucionar os problemas com tanta facilidade assim, iremos desconfiar de que essas medidas não trarão senão a libertação da mulher para que ela entre em outra prisão do amor – talvez a mesma! A ditadura do amor é a mais perversa invenção nossa, o que começou a partir do momento em que começamos a criar a possibilidade de reservar a mulher livre para o sexo – que acabamos nem fazendo direito –, prendendo as restantes a uma forma de amor que é o da relação com o mundo infantil.

Essa ditadura do amor foi uma invenção nossa, de homens e mulheres, mas não tem trazido felicidade real para nenhum de nós, embora suas verdades sejam mostradas como verdades para todo o sempre, certezas tão certas que… banais.