[Dílson Lages Monteiro]

É comum, em encontros de Leitura e Produção de Textos, alunos exigirem de si construções não apenas convenientes às demandas. Muitos esperam escrever textos expressivos, resultantes não somente da apreensão de esquemas mentais e de discursos. Por isso, há quem pergunte: "Como faço, por exemplo, professor, para construir uma argumentação capaz de envolver, uma argumentação que fale em profundidade? Basta que eu tenha ideias e domínio das superestruturas?

A escritura de textos, cujas palavras atraem como uma canção harmoniosa, vai além das descrições de como se organiza o pensamento para convencer, persuadir ou qualquer que seja o ato de fala. Muitas vezes, além do domínio das marcas de autoria e dos jogos intertextuais. Ela pede, dentre outras ações, a disciplina da percepção - a valorização sistemática das sensações e dos sentidos. Por quê?

Fernando Pessoa, em seu Livro do desassossego, esclarece: "A única maneira de teres sensações novas é construíres-te uma alma nova. Baldado esforço o teu se queres sentir outras coisas sem sentires de outra maneira, e sentires-te de outra maneira sem mudares de alma. Porque as coisas são como nós a sentimos - há quanto tempo sabes tu isto sem o saberes? - e o único modo de haver coisas novas é haver novidade no senti-las" (p.94)

Como ter sensações novas é tão fundamental à absorção da realidade, conforme prega o poeta, acredita-se constituir o exercício "de sentir" uma eficaz forma de fuga dos jargões na elaboração de textos. Afinal, ele abre as janelas do imaginário ("os fantasmas, as sombras e vivencias imaginadas") Ele gera fluidez na comunicação, porque agiliza as operações de pensamento. Com efeito, facilita as pontes entre o abstrato e o concreto e vice-versa. Escrever, por exemplo, sobre "a caneta" ultrapassa, para o habituado à disciplina da percepção, a simples função escolar.

O "senhor em sentir" visualiza a caneta que toma decisões, boas ou más; a força ou o vagar com que ela se move, a extensão do íntimo de quem a usa... O "senhor em sentir" perscruta a caneta de decoração, a tinta ressequida, o toque de quem a admira, inveja ou rejeita... O "senhor em sentir" voa para adiante das cores e formas, porque cores e formas dizem pouco. O "senhor em sentir" conhece o sentido do olhar. O "senhor em sentir" sabe ou intui a pregação sábia de Ângelo Gaiarsa : "O olhar capta o concreto, o instante e o geral (o quadro todo do momento), do qual a palavra, depois, passo a passo, abstrai generalizando ou eternizando cada fragmento da situação" (O Olhar, Editora Gente, p.26)

De que modo, objetivamente, é possível ampliar a percepção, tendo em vista o fortalecimento da expressão escrita? Muitos são os caminhos, recursos e, também, as situações anotadas em livros. A esse propósito, O escritor Alexandre Raposo, por exemplo, desafiado a orientar vestibulandos para a prova de Redação, resumiu essa experiência em "Escrever é fácil! - um método infalível para melhorar sua redação" e conta que iniciou a "batalha", trabalhando a percepção. Passo importante, porque, explica o escritor-professor em tom coloquial: "Para escrever qualquer coisa, vocês antes precisam ter o que dizer. Para fazê-lo, precisam analisar o objeto de seu texto, enumerar os seus elementos de modo metódico e tê-los muito claros em sua mente antes de começarem a redigir o texto final" (p. 30). Partindo desse pressuposto, convidou os "alunos" a visitarem o Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro, e eles, indiferentes e desacreditados inicialmente, surpreenderam com leituras interessantes, transformadas, em seguida, em textos.

Em síntese, assim agiu para ver brotar a percepção, o silêncio e as operações de pensamento. Escolhida uma obra de arte para a realização da atividade, sugeriu o professor que os alunos enumerassem todos os objetos que conseguissem ver no quadro (do fundo para a frente, da direita para a esquerda, de baixo para cima ou de outro modo que o observador julgasse pertinente à visualização de "todos" os componentes da obra). Pediu posteriormente aos co-ouvintes o registro dos detalhes do quadro pela utilização exclusiva de substantivos.

Logo após, orientou aos alunos que qualificassem os objetos listados. Para isso, solicitou o uso de "todas aquelas palavras e conceitos que se referem à natureza, ao estado ou que complementam a descrição das coisas já enumeradas" e não somente adjetivos. Finalmente, os observadores registraram as ações presentes no quadro. E partiram para a produção do texto, fundamentando-se "nas palavras-coisa, nas palavras que dão qualidades às coisas e nas palavras-ação". O resultado foi o fascínio pela descoberta, a verbalização da escritura expressiva.

Experiências como essa e, também, com a utilização da fotografia, da dança, da música, do teatro - quando o objetivo é produzir imagens e instigar os sons do inconsciente, para acordar a percepção - revelam que o lugar da arte é a escola. Experiências como essa provam que instituições de ensino disseminadoras da beleza artística em seu cotidiano ensejam melhores condições para o "sabor em aprender".

O emprego desses mesmos recursos também vale para quem, como o inquieto aluno, deseja escrever textos que comuniquem, e envolvam, e emocionem.