A dimensão estético-existencial em Lêdo Ivo

ENTREVISTADO:

Assis Brasil


Assis Brasil

A dimensão estético-existencial em Lêdo Ivo

Entrevista concedida a Francigelda Ribeiro*

 O piauiense Assis Brasil, um dos autores mais expressivos da atualidade, lança mais um título que só vem aquilatar sua vasta produção. O ensaio A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade marca o encontro de dois escritores nordestinos e não coadunou senão em mais um trabalho ousado no concernente à crítica produzida por Assis Brasil. A acuidade do texto corrobora o tônus renovador que Assis Brasil já vem imprimindo não só na área da ficção, como também no ensaio. A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade, o 114º da sua criação, traz uma peculiaridade metodológica: cada capítulo alude a um livro de Lêdo Ivo, considerando a ordem cronológica da publicação, ao passo que acrescenta, sistematicamente, dados biográficos do poeta. Dessa forma, Assis Brasil entrelaça com mestria, aspectos estéticos e biográficos do poeta, remetendo a uma dimensão maior: a estético-existencial. Trata-se de uma contribuição indispensável aos que buscam compreender com maior profundidade a poética do alagoano Lêdo Ivo, consagrado também como ensaísta, romancista, contista e memorialista.

FR – Como você fundamenta, na sua vida de romancista e ensaísta, a pesquisa dedicada à poesia?
 AB – Na realidade, curiosamente, sempre li mais poetas do que romancistas. Na verdade, meu primeiro prêmio literário foi com um poema, O fantasma, lido em programa da Rádio Ministério de Educação (1951) do poeta Geir Campos. Lá se vão mais de 50 anos e a paixão pela poesia continuou, sem que eu tenha publicado livro algum de poesia. Tenho um longo poema inédito, pensei até em editá-lo para comemorar meu 100° livro, mas cedi o lugar ao livro de ficção O sol crucificado, com lançamento em 1998.

FR – Que razão o levou a escolher a poética de Lêdo Ivo como objeto de estudo?
AB – Antes já publicara estudos sobre a obra de Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, sem falar nos inúmeros romancistas e nos livros sobre Joyce e Faulkner. Lêdo Ivo, como afirmo no livro, mostra-se preocupado com a realidade, com o cotidiano, com o sexo, mas tudo fecundado pela linguagem poética, alguns momentos do seu estar no mundo servem de esteio para sua criação estética genuína.

FR – Esse trabalho, de certo modo, alia-se ao que você desenvolve ao longo de suas antologias poéticas dos Estados brasileiros, projeto homérico e inédito.
AB – Fazendo o levantamento poético dos escritores das províncias brasileiras, não só dei oportunidade a muitos poetas bons desconhecidos do grande público, porque marginalizados, em grande parte, pelos discursos oficiais que molduram o cânone brasileiro. Ademais, aprendi bastante sobre a nossa literatura, por vezes ofuscada nos centros acadêmicos por força dos nomes internacionais.

FR – O conhecimento adquirido pela prática dessas leituras trouxe-lhe certamente uma visão mais ampla e aprofundada da produção poética nacional. Com todo esse cabedal de informação e aprendizado, como foi a experiência de escrever sobre a especificidade poética de Lêdo Ivo?
AB – Com o cabedal, como você fala, e o apoio do próprio Lêdo Ivo, que me abriu os seus arquivos, ricos em informações e análises literárias sobre sua poética. Este acervo se encontra hoje no Instituto Moreira Sales, para quem queira consultá-lo. Vale ressaltar que tais leituras concorreram para convicção com que me expresso nos comentários feitos no livro.

FR – Esse ensaio sobre a poesia de Lêdo Ivo, ao que se sabe era para comemorar os 80 anos do poeta, em 2004. Por que só veio ao público agora?
AB – De fato, o meu estudo era para sair em 2004, mas houve uma série de contratempos editoriais. Foi até bom que tal acontecesse, pois um bom tempo tive para rever algumas passagens, fazendo algumas revisões e facultando ao próprio poeta algumas observações pertinentes quanto ao desenrolar do estudo.

FR – Você considera que o ensaio contribui para reforçar o reconhecimento – pelo inquestionável mérito – já alcançado pelo poeta?
AB – Possivelmente, visto que saliento também nele o aspecto historiográfico, mostrando todo o périplo poético de Lêdo Ivo, indicado sempre como partícipe da Geração de 45, que, cronologicamente, seria uma espécie de terceiro tempo do nosso Modernismo. Por passar incólume pela dita Vanguarda da Poesia Concreta, quando até poetas veteranos foram influenciados, Lêdo Ivo sempre se mostrou independente e transgressor. Na linguagem de uma poesia emblemática, inventivamente metafórica na sua expressividade, rica de significações sintáticas e estilísticas, Lêdo Ivo, como poeta, pode ser apontado dentro de uma rica “tradição da imagem” (Pound), que é da poesia de todos os tempos. Ele respeita, assim, os poetas mortos, para se integrar aos poetas vivos e atuantes. Aqui, pensamos em T.S. Eliot, que disse: “os poetas mortos deixam de ter qualquer utilidade para nós, a menos que tenhamos também poetas vivos”.

FR – No ensaio, Lêdo Ivo é concebido, então, em acepções mais amplas, para além do homem-inventor?
AB – Sem dúvida. Dos ensaios que escrevi sobre escritores brasileiros, acho que consegui, neste, A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade, um ganho do melhor e maior nível na área da estética, e isso, posso acrescentar, graças às sugestões e observações do próprio poeta, também um esteta e conhecedor, teoricamente, dos segredos da poesia. Assim foi que ao longo de sua trajetória poética, conscientemente (o outro lado da sensibilidade), primou pela construção da forma e da composição, e isso, sabia e sabe ele: “A poesia terminou por se impor em mim como uma operação verbal destinada a ocultar a vida pessoal, gerando uma mitologia particular que substitui a verdade trivial da existência”. Isso demonstra a poesia como arrimo para a estetização da realidade pessoal do poeta – uma experiência humana intrinsecamente ligada à experiência artística.

FR – Que tipo de adversidades você encontrou para a feitura de um ensaio com tal nível de profundidade?
AB – Nenhuma, significativamente. Eram duas cabeças pensantes. A minha e a do próprio Lêdo Ivo. Você falou no cabedal, eu falo em mètier. Tínhamos o conhecimento e os “bens intelectuais” para tal empreendimento. Fiquei satisfeito com o resultado, e incorporo A trajetória poética de Lêdo Ivo: transgressão e modernidade no “patrimônio” de minha obra.

 

*Francigelda Ribeiro é poetisa e mestranda em Estudos Literários pela Universidade Federal do Piauí. Sua dissertação que tem como objeto romances de Assis Brasil e traz como título: “Tetralogia piauiense: interface entre o literário e o social”.