A desistência de ser escritor
Em: 07/09/2015, às 19H48
Cunha e Silva Filho
Um amigo, arguto ensaísta e leitor voraz (sou testemunha de sua grande capacidade de ler muito e continuadamente), nascido,na Bahia, conversando comigo pelo telefone sobre literatura, projetos de escritor, vida de escritor, subitamente comentou que um seu colega ou amigo havia desistido da literatura. Ficara decepcionado, desestimulado, triste, enfim, com os grandes espinhos que pontilham a travessia de quem se decide a ser escritor no Brasil.
O amigo antes tão entusiasmado com a vida literária, com toda a sua longa quilometragem de leituras, de dedicação à área, finalmente deu um adeus, não às armas, mas às letras. Adeus definitivo, não sei, mas adeus. Foi o que meu amigo ensaísta me contou.
Estranho essa atitude que, por vezes, ocorre a quem escreve e deixa a caminhada beletrista no meio do caminho ou até mesmo no início do caminho. As razões que o levaram a tomar esta decisão não sei quais foram.Tampouco sei se foram informadas ao meu amigo ensaísta.
Um ato extremo desses me leva a procurar os fundamentos da decisão drástica. Na história da literatura brasileira, não são muitos os que desistem da vida de escritor, ou seja, da vontade de continuar produzindo independente de ser ou não aceito pela crítica e pelo público. Tomemos o exemplo de Raduan Nassar, o consagrado autor de Lavoura arcaica (romance,1975), Um copo de cólera (novela,1978) eMenina a caminho (1994).
O escritor não mais escreveu.. Preferiu outra atividade alheia à criação artística. Ressalta encarecer que esse ficcionista foi muito premiado, traduzido para outras línguas, ou seja, tinha tudo para dar continuidade à sua produção. Preferiu, no entanto, abandonar a literatura, a celebridade, para morar num sítio de sua cidade natal, Pindoroma, São Paulo, onde nasceu em 1935 e, em seguida, fixar residência em Buri, interior de São Paulo.
Entretanto, o tema me instiga a aprofundar minhas reflexões, quer dizer, o que na realidade leva um escritor a mudar o rumo de uma atividade criativa, seja na poesia, seja na ficção, seja no teatro? Creio que isso mais acontece no campo da literatura, mas não tenho conhecimento de que essa ruptura com a arte da palavra se dê também em outros campos da vida artística, na escultura, pintura, na dança, na música, na arte cênica, no cinema.
Vou arriscar algumas razões de uma decisão deste porte. Uma delas seria o desestímulo de que se vê cercado o escritor, querendo afirmar com isso que este precisa, como qualquer outro artista ou mesmo indivíduos de outras profissões, de reconhecimento, de ter alguma certeza de que sua obra é válida, tem qualidades, merece ser lida. A não-constatação disso talvez seja um dos motivos básicos que conduzam o autor a desistir de si mesmo como personalidade artística, e a de seguir outro curso de vida produtiva.
Uma segunda razão é a competitividade que, hoje mais do que antigamente, enfrenta um escritor na sua área de produção. Competitividade - diga-se melhor -, em virtude de que no mundo de hoje o número de escritores em todos os gêneros, aumentou assombrosamente, com o agravante de que, no exemplo dos ficcionista, os ensaísta, críticos e teóricos, também se enveredam pelo universo ficcionistas. Ora, esta situação aumenta ainda mais o número de escritores não só no país mas no mundo inteiro.Tem-se a impressão de que todo mundo quer ser ficcionista, sobretudo os já possuem grande visibilidade no seu campo específico não-ficcional. Vasto é o mundo, diria Carlos Drummond de Andrade( 1902-1987)), e o escritor espantado com esse cenário regional, nacional e mundial se sente diminuto, impotente, como se fora um pingo de areia no oceano da imaginação criadora.
Em geral, pode-se adiantar, ensaísta e teóricos podem produzir obra ficcional que não vingam, porque, muitas vezes, não passam de projetos fertilizados com arcabouço teórico, numa estratégia bem diferente dos escritores de talento indiscutível. Há quem possa apresentar argumentos até fortes, como, por exemplo, Machado de Assis (1839-1908)).Contudo, se a crítica que escreveu Machado é boa, ele não se distinguiu soberanamente neste gênero, nem tampouco na grande poesia, mas na ficção apenas, que o consagrou até nosso dias.
Uma outra razão da desistência está vinculada diretamente ao mercado editorial, aos interesses do lucro, às acomodações que se obrigam a fazer os escritores sem público e sem nome. Diante disso, como enfrentar os obstáculos vários do mundo da publicação, das editoras que necessitam de vender seus estoques e, portanto, se sustentam e se mantêm com o indispensável sucesso dos livros que lhes passaram pelo crivo, quer subjetivo, quer objetivo, de seus editores?
Quem apostaria num desconhecido ainda que tivesse valor a sua obra? A não ser nos casos de autores consagrados nos seus diversos gêneros (aqui incluindo até os chamados grandes poetas), os quais têm ainda fácil acesso a republicações de suas obras, que espaço teriam os anônimos e numerosos escritores de todos os gêneros com seu livros encalhados e sem perspectivas de um salto para o reconhecimento.
É nesse ponto que vejo mais um motivo da desistência.Todavia, alguns teimosos, novos ou velhos, continuam resistindo aos solavancos da indiferença pela suas obras, pelos seus possíveis méritos.Na minha opinião, são verdadeiros heróis na adversidade de seus ideais. Não os reprovo por serem assim. Afinal, eles ainda acreditam que, a despeito de tudo, persistem como Sísifos na vida literária, ainda que de certa forma anônima.
A dificuldade de ser bem acolhido, os óbices para ser editado, o gigantismo da competição, a indiferença dos editores, o cansaço que faz parte da vida de quem escreve, os gastos com as compra de livros novos para atualização, entre outros fatores de desestímulos, concorrem seriamente para que alguns desistam da vida de escritor e se encaminhem para o isolamento coberto de frustrações e mágoa