ELMAR CARVALHO

 

Na semana passada, quando eu iniciava minha caminhada na Raul Lopes, deparei-me com Carlos Rubem, eminente Promotor de Justiça e proeminente promotor cultural. No decorrer da conversa, falei-lhe sobre o meu livro Bernardo de Carvalho, o Fundador de Bitorocara. Discorri sobre a personalidade e sobre as qualidades dessa ilustre figura do Piauí colonial, e sobre o seu injusto esquecimento, que tentei mitigar através de meu opúsculo.

 

Dei ênfase ao fato de que ele foi um amigo de Oeiras, tendo contribuído para a ereção da igreja erguida pelo padre Tomé de Carvalho, de quem ele era parente. Segundo as pesquisas do historiador padre Cláudio Melo, na verdade ele concorreu tanto para o soerguimento da velha como da menos vetusta igreja da velha capital, erigidas sob a invocação de N. S. da Vitória. Acrescentei que fora Bernardo quem doara a rica custódia de Oeiras, em ouro maciço e cravejada de várias pedras de diamante. Segundo os entendidos, essa linda peça sacra é um fino trabalho da ourivesaria portuguesa.

 

Carlos Rubem ficou um tanto surpreendido com minhas informações, frutos das pesquisas de Cláudio Melo, sobretudo nos arquivos de Lisboa, e me disse que a crônica histórica de Oeiras não registrava o nome do doador. Sabia-se apenas que essa magnífica e rica obra de arte fora doada por rico fazendeiro, cujo nome se perdera nas brumas do tempo. Sugeriu-me escrevesse uma crônica sobre a velha e bela custódia, passando-me, de memória, importantes informações, e indicando-me alguns textos, que eu poderia usar para enriquecimento de minha crônica. É o que estou tentando fazer agora.

 

Joca Oeiras, articulista de boa cepa, no belo texto denominado O roubo da Custódia, consigna que em 1926, quando a Coluna Prestes esteve na cidade de Oeiras, o tenente Siqueira Campos, tendo ouvido comentários de que na Igreja de N. S. da Vitória se encontrava a rica peça do ritualismo católico, ainda chegou a mandar que lhe trouxessem querosene para por fogo na porta do templo, a fim de arrebatá-la, e só não o fez porque o próprio Luiz Carlos Prestes, após áspera discussão com Siqueira, impediu que essa barbárie fosse cometida.

 

Em artigo do historiador Júnior Vianna, recolho a informação de que esse ostensório da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Vitória foi roubado em 12 de maio de 1809. Nesse texto consta que, pelos poucos escritos e pela história oral, a custódia fora doação de abastado fazendeiro de gado, no século XVIII. Embora o nome do doador não esteja consignado, a informação se harmoniza com as pesquisas de Cláudio Melo, relatadas no seu livro Bernardo de Carvalho.

 

A crônica histórica registra que o coronel Raimundo de Sousa Martins, nas proximidades da fazenda Canavieira, encontrou um caboclo já nas vascas da agonia, vítima de violenta infecção intestinal. Esse homem, talvez por remorso ou temendo tremendo castigo, quando passasse deste para o outro mundo, fato que já se avizinhava, revelou ao coronel o seu crime, e disse que a custódia se encontrava no surrão que conduzia. Terminou dizendo, no intuito talvez de diminuir a sua culpabilidade, que o mentor do crime fora o pernambucano Thomaz Vilarinho, a quem deveria entregar o objeto sagrado.

 

O escritor Expedito Rego, no capítulo XIII de seu notável romance Visconde e Vaqueiro, intitulado O roubo da custódia, que pode ser lido quase como se fosse um texto autônomo, trata desse assunto. Claro, nele a história se mistura com a imaginação do romancista, porquanto é uma obra de ficção, embora permeada pela verdade. No texto de Expedito Rego, quem encontra o ladrão é um vaqueiro e não o fazendeiro Raimundo de Sousa Martins. Todavia, a história é muito semelhante ao que foi narrado no parágrafo acima. Até o nome do autor intelectual é coincidente,bem como a circunstância em que o larápio revelou o seu crime.

 

Como uma homenagem a Bernardo de Carvalho e Aguiar e ao seu mais brilhante admirador e biógrafo, padre Cláudio Melo, transcrevo as lapidares palavras deste magistral e respeitado historiador, cuja obra completa, através da Academia Piauiense de Letras, com o apoio de seu operoso presidente, o historiador Reginaldo Miranda, venho porfiando em editar, em volume único:

 

Os heróis não morrem, senão na visão dos seus contemporâneos. Como sementes, são lançados sob o solo para que depois germinem, produzam frutos e muitas sementes que os perpetuam no multiplicar-se dos anos.

 

Bernardo de Carvalho na sua bondade e fé estará sempre lembrado nas pedras da Catedral de Oeiras e particularmente na belíssima Custódia de ouro e pedras preciosas que ele ofereceu ao seu Deus sacramentado, e hoje é expressão material da riqueza de seu coração fiel.

 

Para os que são inclinados à vida política, será sempre o modelo ímpar de homem público devotado, sem interesses nem concessões duvidosas, nobre no sangue, no caráter e nos feitos.”