A culpa é do mordomo, não de nós, brasileiros
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/02/2022, às 23H01
SESSÃO NOSTALGFIA:
NOTA AOS LEITORES:
o ATIGO ABAIXO FARÁ PARTE DO MEU LIVRO
POLIEDRO DE INSÂNIAS
A culpa é do mordomo? Não, de nós , eleitores brasileiros
Cunha e Silva Filho
Estamos bem próximos de mais uma festa de Carnaval. Que, no país, ser o maior espetáculo da Terra. Carnaval é sinônimo de muitas coisas, entre elas a de fantasiar a crueza do cotidiano brasileiro. Jamais poderia renegar festa tão engraçada, tão cheia de brincadeiras, de faz-de-conta.
Mas, caro leitor, “você há de convir”, expressão que servia como bordão de um parente próximo meu, o qual se esfalfava por parecer um usuário correto da língua portuguesa, que no carnaval tudo vale desde que seja motivo de parecer o que não é. Não quero, contudo, teorizar sobre o aspecto antropológico desta festa tão íntima do brasileiro, tão popular e querida quanto o futebol com todas as misérias da violência que o envolvem, principalmente nos dias de hoje e em todas as nações que o praticam, com exceção talvez do Japão, se não incorro em erro.
Os japoneses são disciplinados, organizados, inimigos da bagunça, comportamento social mais chegado aos nosso hábitos de mandriice, picardia, malandragem, de vida pícara. Deixemos a teorização do carnaval para um seu grande estudioso, o antropólogo Roberto DaMatta, que, de resto, tem um livro fundamental, Carnaval, malandros e heróis - para a sociologia do dilema brasileiro (6.ed. Rio de Janeiro>:Rocco, 19970), no qual um dos temas abordados é o carnaval, de resto, já anunciado no título da obra, estudado em todos os seus ângulos e eu diria em todos as suas funções benéficas e maléficas.
O que pretendo insinuar com as linhas precedentes é que a festa do carnaval guarda muitas semelhanças com o futebol e a política nacional. É só o eleitor botar a cabeça para pensar a fim de fazer várias analogias, comparações, divagações etc. Na realidade, aquele “mundo às avessas” serve mesmo de mote ao que nos circunda como sociedade inclinada aos jeitinhos, “ao todo mundo faz, por que não eu também?” e outras situações parecidas e mutáveis de acordo com as circunstâncias e as oportunidades ensejadas.
Vejam, leitor, o exemplo mais típico do que estamos tentando discutir sem as muletas do jargão acadêmico mas com a própria malícia e espírito de malandragem sendo esta praticamente inato em nós, queiramos ou não. O Senado há pouco realizou eleições para a escolha do seu presidente. Quem saiu vitorioso? Renan Calheiros, logo ele que tem um histórico político feito de dignidade e lisura, visto que, além disso, pertenceu a um dos governos mais sérios e tranquilos do país, o do ex-Presidente Collor de Melo. Dignidade e lisura que, no julgamento do STF(Supremo Tribunal Federal) lhe reservaram acusações comprometedoras, tanto é que há tempos teve que renunciar ao mandato para escapar a julgamentos mais complicadores para a sua “ficha política” pouco recomendável.
Deste tipo de político é que o país tem de sobra. Quando seus pares lhe sufragaram a vitória de agora para presidir o Senado Brasileiro é porque descemos aos mais baixos degraus da decência política.Quem lhe deu votos lhe é cúmplice porque coonesta toda a folha corrida deste político amigo do “caçador de marajás”. Viu-e, na tribuna do Senado, a voz raivosa de orador de segunda plana, de quem causou tantos males à democracia brasileira, direta e indiretamente, sobretudo quando recordamos sua política econômica desastrosa para tantos pequenos empresários que faliram, havendo mesmo um caso de suicídio de um deles, vítima das irresponsáveis alterações da vida financeira do pais, todas implementadas sob o jugo do chamado Plano Collor.
Como alguém como o Renan Calheiros pode ser vitorioso quando, no STF, seu nome faz parte de acusados por crimes de peculato ou de outros delitos de ordem financeira com consequências danosas ao Erário do Estado Brasileiro?
As eleições em nosso país se dão, em geral, em clima de de tranquilidade mas o grande entrave à representatividade de nossos legislativo é a completa ausência de eleitores escrupulosos e conscientes que poderiam mudar os destinos do país e o nível de moralidade e ética de nossos políticos. Não me venham com a história cediça e sem nenhum fundamento lógico de que precisamos de jovens para exercerem, em Brasília, os mandatos de deputados federais e, por vezes, de senadores que sejam fiéis representantes dos interesses da sociedade.
Ora, não é a idade que conta para que alguém seja honesto ou um patife. O fato é que os nossos representantes fazem uma opção pela política apenas para se darem bem financeiramente na vida, com mordomias cada vez mais repugnantes à moralidade do mandato político. Tem razão um jovem estudioso e observador da histórica política brasileira: “Os políticos do Planalto –e eu acrescentaria dos estados e municípios – são apenas o reflexo perfeito do caráter do povo brasileiro”. E por isso, para lá se abalançam oportunistas, homens da mídia de baixo nível cultural, membros de igrejas, carreiristas, enfim, a malandragem nacional que não se farta do melhor que um indivíduo tem da vida material: salários milionários, verbas para múltiplos usos: carros dispendiosos e novos, verba para aluguel de imóveis, transporte aéreo gratuito para o político e sua família. Esta última regalia foi agora proposta aos deputados com a eleição para o novo presidente da Câmara Federal. Ora, leitor, os parlamentares já ganham salários altíssimos para cobrir todas esta gastança, por que enfiar a mão mais fundo ainda no bolso dos contribuintes?
É um desatino, uma insensatez, um ato de desrespeito ao povo brasileiro. Estamos, então, no “mundo às avessas,” carnavalizado, usando as mais diversas máscaras de traição aos mais genuínos princípios da democracia moderna. A perpetuação de alguns políticos no poder em Brasília é uma confirmação que não avançamos em direção ao aperfeiçoamento de nossos hábitos e práticas políticas.
Não saímos do velho e surrado comportamento ético do coronelismo, do voto de cabresto, do voto comprado, das mais espúrias práticas políticas de esbulhar o nosso povo, o eleitor, que, em grande parte, é analfabeto, analfabeto funcional, inconsciente politicamente, alienado há séculos de sujeição aos senhores de terras e de gado, tanto quanto da exploração capitalista da mais valia.
A despeito da minha afirmação sobre o baixo nível de consciência do brasileiro, tenho minhas dúvidas quanto ao alheamento pleno da sociedade em relação à política e aos políticos, i.e., não é o grau de cultura mais elevado ou menos elevado ou mesmo nulo que seja fato determinante de escolhas melhores de candidatos ao executivo e ao legislativo. A questão é mais complexa e, no meu juízo, prende-se mais ao conjunto de classes de nossa sociedade, ela que é tão dividida econômica, social e culturalmente.
Não estou me reportando à chamada “ luta de classe” explícita, como forma de confronto ou batalha campal, dividindo a sociedade entre grupos inimigos, criando ódio entre os irmãos da mesma pátria, segundo costumo afirmar em muitos artigos publicados, mas a uma sociedade que, no seu todo, possa exercer o seu poder de barganha junto à classe política de maneira mais unificada, harmoniosa, sem preconceitos nem superposições em decisões e orientação aos menos favorecidos cultural e economicamente. Nesta direção, caberia jogar um papel de suma importância a melhoria, em médio prazo, do potencial de instrução dos mais pobres e ao mesmo tempo de um alto sentido de dignidade social a ser exercido democraticamente pela elite intelectual.
Sei das dificuldades e óbices para se chegar a este estágio de civilização e de compreensão para com os menos aquinhoados de nascimento. Porém, o caminho da educação é decisivo para aperfeiçoar o conhecimento político da nação e divisar novos horizontes de uma país livre da imoralidade e do oportunismo no terreno da prática política.