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Eu me pergunto: se eu olhar a escuridão com uma lente, verei mais que a escuridão?
Clarice Lispector
De olhos bem abertos ela fitava o teto. Imagens dispersas deslizavam umas sobre as outras, enroscando-se numa massa caótica de energia desperdiçada. Os ponteiros do relógio, alheios ao seu sofrimento, moviam-se silenciosamente.
Enquanto isso, a criatura percorria, com dedos gelados, o corpo da mulher. Sua satisfação diante do desconforto que provocava era imensa. Essa tinha tudo para ser uma de suas melhores noites.
A mulher pensava em tudo e em nada. Pensava no trabalho, no ex-marido e nos filhos já adultos. Pensava no passado, no presente e no futuro. Pensava na vida e também na morte. No entanto, esses pensamentos não a deixavam mais tranquila. Ao contrário. A sensação de ansiedade tornava-se a cada minuto pior, parecia uma pedra gigantesca, colocada bem em cima do seu peito. Inquieta, mexeu-se na cama procurando uma nova posição.
A mão fria da criatura se deteve sobre o coração da mulher. Gostava de sentir as batidas irregulares daquela coisinha frágil e insignificante. Riu baixinho, divertindo-se com a ansiedade estampada no rosto de sua presa.
Instintivamente a mulher levou as mãos ao peito. A solidão nunca a assustara. Sua casa, seus livros sempre lhe deram a segurança de que tanto necessitava. Porém, nessa noite havia um sentimento de vazio, de não realização. Tudo lhe parecia incompleto e sem sentido. Era como se, no escuro, algo a estivesse vigiando. Com frio cobriu-se com o lençol.
Ao perceber os pensamentos da mulher, a criatura voltou a sorrir. O medo era como uma droga para ela. Quanto mais a vítima lutava, mais sua satisfação crescia. Sem se conter deslizou o dedo gelado pela face da mulher.
Com a mão quente ela esfregou o rosto, a estranheza daquela noite não permitia que relaxasse. Era como se o mundo tivesse se reduzido a um único e indecifrável ponto escuro. Ao longe, ouviu a sirene de uma ambulância e, perto, o bater de uma porta. E novamente o medo inexplicável.
“Mulher tola!”, pensou a criatura. Sua ignorância era tanta que chegava a enojá-la. Não havia sido por acaso que se sentira atraída por ela. Para torturá-la ainda mais soprou em seu ouvido palavras estranhas.
Pensamentos desconexos a invadiram com tanta força que sentiu a respiração lhe faltar. Quis sair da cama, acender a lâmpada do abajur, precisava que a claridade inundasse o quarto. Não conseguiu. O coração ameaçava saltar-lhe do peito. E dessa vez, teve a certeza de estar sendo vigiada.
“Enfim!”, comemorou a criatura. 
Ao virar a cabeça no travesseiro, a mulher viu, com pavor, uma figura escura deitada ao seu lado. As feições não eram claras, mas o sorriso era evidente. Com medo, quis fugir e, de novo, não conseguiu.
Revelar-se no final era um de seus maiores prazeres. Era da resistência de suas vítimas que ela retirava a energia para se manter viva. De nada lhe serviria uma presa que não esboçasse reação.
A mulher gritou. O silêncio se adensava em torno dela. A dor era insuportável. O sentimento de abandono terrível. Estava sozinha. No escuro. Sozinha.
A criatura afastou-se e sem olhar para o vulto largado na cama, saiu feliz, pensando na próxima noite.
Quando o dia amanheceu, a mulher ainda fitava o teto do quarto. O silêncio era quebrado apenas pelo barulho distante de uma sirene de ambulância e pelo bater próximo de uma porta.