A CONTRIBUIÇÃO DO Pe. JÚLIO ALBINO FERREIRA AO ENSINO DO INGLÊS
Por Cunha e Silva Filho Em: 02/09/2017, às 09H04
Cunha Silva Filho
Vim a saber sobre o Pe. Júlio Albino Correia ao entrar em contato com os livros da biblioteca de meu pai, a qual dispunha de um exemplar de uma das inúmeras obras didáticas para o ensino do inglês, An English method, daquele estudioso da língua inglesa. Essa era a única do autor que meu pai possuía na sua biblioteca. Ao vir para o Rio de Janeiro, trouxe o volume comigo. Porém, em Teresina, já o tinha lido quase por completo. Concluí a leitura aqui no Rio. O exemplar, em dois volumes num só tomo, que tenho data de 1939, 14ª edição, Imprensa moderna, Ltda, Porto, 408 p.
Aquele livro traz a assinatura de meu pai (quanta saudade ao olhar para a sua letra manual, ainda mais bonita e firme do que com um pouco de diferença que mostrava na velhice!Costumava assinar assim: F. Cunha e Silva. Naturalmente foi feita no tempo em que lecionava em Amarante, no seu conceituado colégio Ateneu Rui Barbosa.
Nas primeiras páginas da lições elementares, há marca nas páginas a lápis e umas a tinta, à página 18. Mesmo dando aulas para o nível primário e preparatório, ele ensinava aos alunos noções de inglês e francês. Não dominava o inglês como o fazia com o francês, o italiano, que estudara bem com os salesianos em Niterói e no Seminário da ordem salesiana em Lavrinhas São Paulo. Conhecia bem o latim, porém não tenho certeza se dominava o grego. Mas, voltemos a falar sobre o Pe. Júlio Albino Ferreira e seu English Method.
A grande novidade dessa obra era que, já nos anos 1930, o autor demonstrava boa atualização metodológica no ensino do inglês, tanto é que trazia a novidade do Alfabeto Fonético da International Phonetic Association. Logo no início da obra, o autor informa que os sinais do alfabeto fonético tinham sido gravados em disco gramafone pelo professor Mr. John Opie, professor de inglês da Universidade de Coimbra.
Era uma conquista para aqueles tempos o ensinar-se inglês com o recurso do aprendizado do valor dos símbolos fonéticos, tarefa que de se ocupa o Pe. Albino Ferreira a elucidar criteriosamente nas primeiras páginas da obra.
Nessas páginas explicadas em português, o autor inclui exercícios para os estudantes se familiarizarem com os símbolos que serão parte integral ao longo do livro, i.e., para cada texto de uma lição, ao lado direito aparece todo o texto escrito em símbolos fonéticos. No início, eu achava estranhos aqueles símbolos que só seriam proveitosos quando fossem dominados pelos seus valores falados em consonância com os sons do fonemas consonantais e vocálicos.
Não dispondo do disco em gramafone, seria muito difícil ler a parte dos textos em símbolos fonéticos. O curioso foi que nunca mais em outro livro didática compulsado por mim eu via aqueles símbolos da IFA. Só, na coleção da série de livros do professor A. J. Hald Madsen, revi o uso dos símbolos fonéticos. Por sinal, tive a honra de ter tido o Madsen como professor de fonética inglesa na Faculdade de Letras da UFRJ.
Já fiz referência a esse ilustre professor no meu livro Apenas memórias. Madsen era dinamarquês, e fora consultor de língua inglesa no Consulado Americano. Era baixo, atarracado, muito corado e irradiava simpatia. Anos depois, em escola municipal, trabalhei com outro livro dele mais atualizado às conquistas da linguística para o ensino de línguas modernas.
Já estávamos atravessando a época da introdução do estruturalismo, da gramática transformacional, da linguística aplicada ao ensino do inglês, de novos abordagens para o ensino de idiomas após a fase “translation method,” do “direct method” já bastante empregados por professores brasileiros, tendo à frente o Colégio Pedro II, o Colégio Militar do Rio de Janeiro e outros estabelecimentos de ensino privado de ponta.
O English method do Pe. Albino já se utilizava do direct method misturado, nas fases mais elementares, com o que se denominou de “semi-direct method.” Este último utilizava-se da gramática explicada em português enquanto o primeiro estudava a gramática explicada em inglês, quer dizer, a aulas eram ministradas em inglês, sem o recursos da tradução. A prática oral, da conversação era ainda reduzida.
O velho método da tradução-versão ia ficando para trás, embora muitas escolas , durante anos, ainda empregasse a tradução e o ensino de gramática feito em língua vernácula. Os cursos de idiomas de maior prestígio, IBEU, Cultura Inglesa, por muito tempo vinham usando a abordagem do “direct method.” Os livros didáticos escritos por brasileiros ou estrangeiros também seguiam esse método, se bem que de forma híbrida.
Os dois volumes, num único livro do An English method, compreendiam quatro partes, sendo as duas primeiras dedicadas ao primeiro volume e as duas últimas ao segundo volume. Somente a partir do segundo volume é que as lições são redigidas em inglês, ou seja, tanto os textos de leitura inicial quanto a gramática e os exercícios de gramática. As dificuldades quanto aos textos e ao estudo gramatical eram dosadas desde as mais elementares até as mais adiantadas.
Deve-se ressaltar a variedade de textos contidos na obra, que iam de textos dissertativos, narrativos, de conversação, até uma soma enorme de textos, sobretudo poéticos, assim como adivinhações, provérbios humor, abrangendo um amplo espectro de assuntos da vida cotidiana, culturais, históricos, geográficos, bíblicos (compreensível numa obra escrita por um sacerdote) incluindo orações cristãs mais conhecidas, como rezar o Pai Nosso, a Ave Maria, a Salve Rainha, o Sinal da Cruz.
A obra English method, ainda naquela época, marcou a presença de um grande cultor a língua inglesa, um estudioso alicerçado na leitura dos melhores foneticistas, estrangeiros e brasileiros, como Daniel Jones, H. E. Palmer, Dr, Isaías A. de Almeida, e Pe, Luiz Gonzaga Van Woesnik. Já nos anos 1930 sabia valorizar o conhecimento da fonética como da maior relevância a um professor de línguas, conforme podemos ver na epígrafe de H. E. Moore abrindo o prefácio do Pe, Júlio Albino à 14ª edição: “(...)_ and it can be said, without hesitation, that a non-phonetic teacher is out of date.”
Como lexicógrafo, seus dicionários receberam grandes elogios de eminentes professores de importantes universidades, como Raymond Weeks (Universidade de Colúmbia, Nova York), A.C.L Brown (Universidade de Illinois), Professor C. H. Grandgent (Harvard University, Cambridge, Mass), Professor Geddes ( (Boston), entre outros.
Observa-se, no entanto, que um volume espesso como o livro em análise ressente-se de maior e melhor organização na distribuição de uma gama de assuntos e mesmo de certa redundância no estudo da gramática que poderiam ser mais sistematizados e apresentados com maior economia.
Por outro lado, vale assinalar que obras didáticas da época em que foi escrito o An English method repetiam esse mesmo esquema assistemático e rebarbativo, assim como também me parecem exageros em alguns livros didáticos de línguas modernas atuais a profusão de matéria colorida na apresentação a dos textos, numa certa mistura e confusão visuais que atrapalham, de certa maneira, a alunos se professores. Isso é muito comum no material de livros didáticos estrangeiros que empregam o chamado “Communicative approach,” o qual hoje esta prevalecendo.
Por razões pedagógicas e para fins práticos, bons autores didáticos brasileiros escreveram obras práticas para o ensino do inglês e de outras línguas, à margem de approaches linguísticos de ponta. Preferiram ensinar idiomas, sobretudo, o inglês, usando do artifício da chamada “pronúncia figurada” ( marked pronunciation). Assim o fizeram, por exemplo, M. de Oliveira Malta, com o conhecido O inglês tal qual se fala no presente J. L. Campos Jr. no livro Como se aprende inglês, embora os outros livros deste último autor, já predomine o "direct metod."
Não os reprovo por isso, uma vez que eu mesmo fui beneficiado por eles, se bem que, por tais recursos menos científicos, o aluno saía falando com algum sotaque. Com o tempo e em contato com falantes nativos, iria, seguramente, melhorar o desempenho oral da língua estrangeira. Isso ocorria muito no ensino de línguas no interior, onde o contato com nativos era muito escasso, mesmo para o professor.
Hoje, com a difusão do emprego de CDs, vídeos, (antigamente eram os discos gravados, reproduzindo conversações da língua falada por nativos), tais deficiências são facilmente sanadas, até porque, com o desenvolvimento do computador e da internet, ainda mais fácil se tornou o ensino de idiomas para todos o que amam aprender mais de uma língua, além da possibilidade, à disposição do público, de canais de TV a cabo levando aos lares de outros países várias línguas ao vivo, filmes, programas diversos, notícias. Com tudo isso, tornou-se mais fácil melhorar o conhecimento de idiomas estrangeiros.
Ora, acredito que se os livros didáticos fossem mais simples na apresentação da matéria a ser aprendida, sem perder a profundidade e a importância da abordagem, lucrariam muito mais alunos e professores.
O Pe. Júlio Albino Ferreira nasceu em Portugal em 1868 e faleceu em 1934 ( breve informação biobliográfica do Pe. Albino colhida no Dicionário prático ilustrado, em 3 volumes, Lello & Irmão Editores, Porto, 1963). Além de autor sobre o ensino do inglês, contando-se 15 obras, foi escritor.
Suas obras foram sempre bem recebidas pela crítica especializada, nacional e internacional, inclusive os dicionários de inglês-português e português-inglês que produziu. Pe, Albino Ferreira morou muitos anos na Inglaterra e tornou-se, em Portugal, um emérito conhecedor do idioma de Shakespeare.
Na minha próxima postagem, farei uma tradução de um pequeno texto em inglês do Pe, Júlio Albino Ferreira. Por fim, na minha biblioteca, consegui adquirir mais algumas obras desse festejado autor. Sua validade atualmente serviria mais a pesquisas acadêmicas, com vistas a estabelecer comparações entre métodos antigos e modernos na história do livro didático para o ensino de idiomas no Brasil.