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 “A COISA” de Stephen King

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance de terror “A Coisa” (It) de Stephen King. Editora Schwarcz, Rio de Janeiro-RJ, 2018. Tradução de Regiane Winarski. Imagem da capa: Glen Orbich. Capa de Rodrigo Rodrigues sobre “layout” original. “Copyright” de Stephen King, 1986.

Stephen King tem boas ideias mas a sua adesão à contracultura acaba tornando os seus livros repelentes em maior ou menor grau. Sob esse aspecto o pior de King revela-se nesse tijolaço de 1.100 páginas onde um argumento interessante — um ser maligno assombrando uma cidade e matando pessoas, em sua maioria crianças — é estragado com a quantidade inacreditável de palavrões, frases sujas, violências bárbaras (não apenas do monstro), vulgaridades escatológicas e anormalidades diversas.

Nem os supostos heróis do livro, sete crianças de seus onze anos (seis meninos e uma menina) escapam: fumam, têm a boca suja e chegam a executar uma sessão de sexo global e incipiente (os seis com ela). Os garotos maus, à frente o tal de Henry, ainda são muito piores: cruéis, violentos, pervertidos, Henry já um assassino. E os adultos, inclusive os pais das crianças, também não tem um que escape. O pai de Beverly tenta matar a menina (sic). Os pais do gago Bill passam a ignorá-lo depois da morte do caçula George, morto pela Coisa. Depois tem a mãe de Eddie, o garoto da bombinha de asma, superprotetora até a loucura.

King não lida com pessoas normais. Seus personagens são viciados, desbocados, psicóticos. Os relacionamentos familiares também costumam ser anormais. E nem se diga que ele expõe a realidade social (abstraindo o irrealismo fundamental de seus livros) pois evidentemente a sociedade não é só isso. Além do mais as obras dos grandes autores de terror — Edgar Allan Poe, Robert Louis Stevenson, Algernon Blackwood, Robert Howard, H.P. Lovecraft e outros — possuem uma elevação e finura que as coloca a anos-luz da vulgaridade de King.

A história de “A Coisa” porém é complexa e com certeza deu um trabalhão desenvolvê-la, tantos são os seus detalhes e personagens. Mas a explicação da “Coisa” — ser transmorfo, perverso e vindo de algum ligar do infinito cósmico — se torna inadequada ao tentar desvendar o mistério. Além disso existe a morte estúpida de Stan, uma das sete crianças que conseguem vencer a Coisa em 1958 mas ela sobrevive e retorna em 1985. Mesmo tendo sido Stan quem comandou o juramento de sangue com a garrafa quebrada (outra estupidez, que poderia gerar um tétano) — juramento de se reunirem os sete quando e se a Coisa voltasse, para tornar a enfrentá-la — é ele quem trai o juramento, suicidando-se para não cumpri-lo.

Como a trama apresenta revelações de enredo, indo e vindo pelas duas épocas, este suicídio ocorre perto do início. Então, cada vez que a narrativa volta ao passado e Stan reaparece como menino, sente-se pena dele. Acho que não foi boa ideia; todos os sete deveriam se reunir para o confronto final.

E as pontas soltas são muitas. Que aconteceu com o pai de Beverly depois que tentou matá-la? E depois da catástrofe em Derby como os cinco sobreviventes do grupo inicial escaparam sem dar explicações? A amnésia dos protagonistas também é ruim  de aceitar.

Em suma, “A Coisa” é um prato cheio de mau gosto.

 

Rio de Janeiro, 6 de junho de 2018.