A cidade perdida nas águas

A cidade perdida nas águas

 

A cidade perdida nas águas
(“A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto)

Rogel Samuel

O livro é mágico, depois de sua leitura sonhei com ele, sonho muito nítido, simbólico, e antes ele desaparecera na minha casa, misteriosamente escondido, até que reapareceu entre alguns papéis velhos, mas no sonho estava numa estranha casa onde havia uma estranha festa com pessoas desconhecidas, mas num autêntico prédio de madeira amazônico, passava um igarapé por trás, que podia ser avistado de uma varanda, onde o livro estava, livro-portal, que fez autêntico contato com os seres que vivem sob as águas, os misteriosos seres dos lagos e dos rios, habitantes das cidades fantásticas existentes nas lendas dos rios, dos mares, as uiaras, os nagas, os botos, colecionadores de narrativas, de fatos fantásticos.

“A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto, é um romance, um autêntico romance, porque cria um mundo e nele se desenvolve, tece uma extraordinária estória, um mundo fantástico, o mundo submerso, e aponta para um desenlace inesperado, mas por isso mesmo parece uma fábula, um romance-fábula, um relato educativo – será um livro juvenil? – ou seu leitor somos nós mesmos, os velhos leitores, os calejados leitores, os viciados leitores dessa literatura amazônica?

“A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto, é um espelho, reflete a nossa sociedade corrompida por nossas ambições, por nossas contradições, por nossas competições, inimizades.

O ambiente aquático onde se desenvolve faz a exposição do temos de melhor na nossa natureza. Mito amazônico, moderno, ou pós-morderno, nele se podem ouvir as referências a Manaus, a São Paulo, seus Shoppings, suas Tvs, videogames. Tudo isso no meio dos seres do reino puro dos fantasmas aquáticos da mitologia selvagem.
O enredo é clássico e perfeito: introdução, complicação, clímax e desenlace. Zemaria Pinto domina a técnica narrativa, os diálogos são vivos, verossímeis, a prosa tem um estilo suave, a visibilidade é de mundo submerso, fosco. O narrador contorna e supera os temas que vão aparecendo, a guerra, a maldade, a esperteza, a “civilização”.

Zemaria Pinto se revela um mestre na crítica social. Na comparação desses dois mundos, o mundo mítico, o mundo utópico, e o nosso mundo cotidiano corrompido.
Seu personagem é a sociedade inteira dos seres aquáticos, seres abençoados por uma Mãe Velha que pode ser a Alma da Terra, a Mãe da Terra, dos índios, dos caboclos e dos meninos-peixes.

O livro supera a literatura infantil, todo grande livro infantil faz essa superação, para compor a parábola dos nossos dias, das nossas mazelas e misérias.
O universo mágico daqueles seres fantásticos revela-se muito mais humano do que o nosso mundo selvagem.

A literatura amazonense e brasileira ganha com “A cidade perdida dos meninos-peixes”, de Zemaria Pinto o seu livro clássico, que deve vencer o tempo, e entrará para a estante da nossa história literária como um marco.