Cunha e Silva Filho

Certeza não tenho, mas esta é a primeira vez que a Cidade Maravilhosa pára por causa do mau tempo. Hoje é dia 6 de abril. Está chovendo no Rio desde ontem. Chuva que veio forte, depois abrandou, voltou, durante a madrugada, pesada, a cântaros (lembrando um filme a que assisti há muito tempo chamado “As chuvas de Ranchipur”, de 1955, com Richard Burton e Lana Turner)), alagando a cidade inexoravelmente, sem dó nem piedade. Todas as partes do espaço urbano carioca foram açoitadas pela água em abundância, que desce das nuvens, que desce dos morros, causando estragos no asfalto, nas ruas calçadas ou nas ruas de chão batido dos bairros humildes, modificando a paisagem e o quotidiano das pessoas, paralisando parte das atividades da população que, de longe, se move em direção ao trabalho. A cidade parou mesmo. Poucos carros nas ruas. Pouco movimento humano. Um deserto urbano.


O prefeito pediu que as pessoas permanecessem em casa, que não houvesse aulas nas escolas públicas municipais. Alguns bancos fecharam as portas. Houve vítimas de deslizamentos de terra nas encostas dos morros. São setenta as vítimas fatais, em geral, pessoas humildes que se obrigaram a morar nas favelas ou, para ser politicamente correto, nas comunidades, cheias tanto de pessoas dignas quanto de bandidos, de traficantes e outras mazelas.


A cidade do Rio de Janeiro, como outras do país, não está preparada para chuvas torrenciais. Quando vejo o traçado do Rio, me vem à tona a figura do romancista Lima Barreto(1881-1922) Analogia que não deixa de ter sua lógica, não a formal, mas a da força da observação arguta do narrador e da ironia. Sendo uma cidade suja, com bueiros entupidos, com muita sujeira por toda a parte, nos tempos de chuvas, o fluxo da água encontra obstáculos e o resultado são os alagamentos com todas as suas sequelas.


Olho, agora, para fora do apartamento e vejo que a chuva deu uma colher de chá . Mas, o tempo, as nuvens dão sinais de que a água do céu pode retornar. Rezemos para que, se vier mais chuva, que venha fraca e só faça o bem. Chega de tragédias. Gosto de ficar em casa quando chove, gosto do vento mais frio que sopra suave e nos faz respirar mais livremente. Esta é a chuva de que gosto.


Olhava pra rua há pouco, e na rua só havia lama por toda a parte de sua extensão. Minha rua é uma pequena travessa, entre a Barão de Mesquita e a Av. Maracanã. Está merecendo que um abaixo-assinado seja dirigido ao alcaide a fim de que o calçamento nela seja substituído por asfalto e que, lá no meio dela, se coloque um quebra-mola, para evitar que motoristas violentos a atravessem com maior velocidade 


Um porteiro nordestino de andar trôpego, com uma pá, muito cuidadoso com seu ofício, estava retirando da calçada do prédio em que trabalha, a lama que borrava parte da calçada, uma calçada feita de ladrilhos com bolinhas pretas. Outro porteiro, mais adiante, usando uma mangueira, indolentemente esguichava água, que é um produto caro hoje, para retirar detritos da calçada do seu prédio, trazidos pela água e lama vindos do transbordamento do vizinho rio Maracanã.


De vez em quando, passava um carro atravessando a minha pequena rua. Neste instante, a chuva recomeça, a indicar que será intermitente. Que não se torne num aguaceiro. Paro aqui meus comentários. Até um próximo encontro pelos caminhos ou descaminhos da escrita, leitor.