A CANDURA DE MIZAKI SUZUHARA

Miguel Carqueija

 

          A produção do grupo CLAMP — formado pelas mangakás Satsuki Igarashi, Ageha Ohkawa, Tsubaki Nekoi e Mokona Apapa — é profunda e imaginosa. Entre os seus maiores êxitos estão as “Guerreiras Mágicas de Rayearth”, “Sakura Card Captor” e “Crônicas de Tsubasa”. “Angelic Layer”, que ora resenhamos, é uma obra menor, incluindo cinco volumes de mangá e 26 episódios de anime. 

          Publicado no Brasil pela JBC, e originalmente no Japão por Kadokawa Shoten (de 1999 a 2001), o mangá apresenta, como de costume, algumas diferenças com relação ao anime, que foi todo produzido em 2001. Entretanto, a heroína Mizaki Suzuhara é substancialmente igual.

          Ela é uma inocente menina de doze anos que morava no interior do Japão, enquanto sua mãe há tempos viera residir em Tóquio. Mizaki, que mora com os avós, sente muito a falta da mãe, Shuuko, mas permanece uma garota alegre. Na sua opinião a mãe deve estar muito ocupada, mas Mizaki tem a firme esperança de reencontrá-la, agora que vai estudar na capital e viver em casa da tia, Shouko, uma apresentadora de tv.

          Entretanto, Mizaki logo trava conhecimento do jogo que tomou conta do imaginário popular: o Angelic Layer, que pode ser classificado como uma luta entre bonecos eletrônicos. O criador do jogo, um excêntrico que usa o apelido de Itchan, conhece Mizaki casualmente e a inicia nos princípios do novo esporte.

          Os condutores dos bonecos são apelidados “deuses” dos mesmos, que por sua vez são chamados “anjos” e conectados a seus mentores que os controlarão com seus pensamentos e emoções. Curiosamente, em sua maior parte os “deuses” são garotas e seus anjos, de tipo feminino. As lutas se dão em pequenas arenas, enquanto um histérico locutor efetua a transmissão.

          Mangás têm características bem peculiares, que os diferenciam dos quadrinhos ocidentais. A CLAMP, porém, infelizmente exagera em cacoetes gráficos nesta mini-série, com excesso de linhas cinéticas e muitas cenas onde os personagens são reduzidos a tiras de papel com forma humana ou coisa parecida (lembram dos soldados-cartas de baralho de “Alice no País das Maravilhas”?). Assim, entre os mangás da CLAMP este é um dos mais confusos no visual e mais desagradáveis à leitura.

          Todavia, abstraindo o confusionismo gráfico, a história é interessante apesar de envolver lutas. De fato, porém, não se trata de lutas entre seres vivos, por mais que Mizaki se afeiçoe à sua “anja” Luci (Hikaru no original, isto é, luz). Como avisa Itchan, são apenas brinquedos.      

          A CLAMP tem o hábito de interagir personagens de universos e seriados diferentes. Por exemplo, a Sakura (de “Sakura Card Captor”) reaparece em outra realidade: “As Crônicas de Tsubasa”. Assim é que a boneca Hikaru tem a mesma feição da Hikaru ou Luci de “Guerreiras Mágicas de Rayearth”. E o Itchan reaparecerá em “Chobbitis”.

          Um dado pitoresco é o dom da Mizaki que, a cada vitória, arregimenta para si mais fãs, a começar pelos adversários que ela derrota. Todos querem que ela vença. O carisma de Mizaki está na sua inocência e na sua determinação.

          Há um excesso de aspectos caricatos, como o relacionamento entre Tamayo e Kotarô ou as maluquices do Itchan e a maneira como trata um dos auxiliares como se fosse seu escravo. A idiossincrasia da mãe de Mizaki, na verdade o pivô da história, não consegue convencer. Shuuko entra em pânico quando está perto das pessoas a quem ama — e por isso se afastou da filha. Imagino que isso nem exista em psicologia e torna praticamente insustentável o argumento básico de “Angelic Layer”.

          Todavia é um mangá bastante inocente e as lutas são divertidas, sem caráter destrutivo.

          O ponto forte é a construção do carisma de Mizaki, capaz de empolgar as multidões, e que se baseia na doçura do seu caráter e na determinação com que se empenha no jogo. Assim, totalmente desconhecida no início do campeonato, em seu encerramento tornou-se uma celebridade nacional.

 

Rio de Janeiro, 23 a 29 de junho de 2013.