[Bráulio Tavares]

 


Li essa história há muitos anos, na extinta revistaTempo Brasileiro, e gostaria de descobrir o título e o autor. São dois irmãos sertanejos que brigam por algum motivo e ficam intrigados pro resto da vida. Envelhecem, moram perto um do outro, mas não se falam, sequer se olham. Um deles se mete numa complicação grossa e vem um grupo de jagunços (ou de soldados) para matá-lo. Quando começa o tiroteio, o irmão vê aquilo de longe, pega as armas, corre para a casa do outro. Durante horas trocam tiros, lado a lado, jogam munição um pro outro, salvam-se mutuamente mais de uma vez, e por fim matam alguns dos inimigos e afugentam os outros. Quando tudo sossega, o irmão que tinha vindo ajudar o outro recolhe sua arma e volta para casa, e o conto termina dizendo: “E nunca mais se falaram”.

Isto revela um pouco da ética dos sertanejos brabos. Claro que o conto contém muitas coisas mais, mas o recado mais óbvio é de que a lealdade sertaneja se amplia em círculos concêntricos. Vi uma vez, acho que na Guerra Irã-Iraque, um beduíno tentando explicar a um jornalista brasileiro o complicado sistema de lealdades e inimizades tribais do Oriente: “Eu brigo com meu irmão. Mas eu e meu irmão nos juntamos, se for preciso brigar com nosso primo. E eu, meu irmão e nosso primo nos juntamos, se for para brigar com alguém da tribo vizinha. E nós três e a tribo vizinha nos juntamos para brigar contra um estrangeiro. E assim por diante”.

A ética dos brabos é um capítulo interessante na Ética geral, porque um brabo é por definição um sujeito que não tem medo de nada, não recua diante de nada, não se deixa domesticar. Vale a pena investigar qual é o princípio ético capaz de manobrar e direcionar um cara assim, o princípio capaz de fazê-lo optar por A ou B, de fazê-lo dizer: “Não, não, isto eu não posso, isto eu não devo”. O personagem do conto (de quem será esse conto?) detestava o irmão, mas não podia ficar de braços cruzados vendo o irmão enfrentar sozinho um bando de estranhos. A lealdade do sangue falava mais alto que a rixa pessoal. 

Uma outra interpretação pode dizer que o sujeito brabo é um sujeito que gosta de missões impossíveis. Ele não foi ajudar o outro por ser seu irmão, e sim porque o viu em desvantagem numérica. Teria ido ajudar do mesmo jeito o bodegueiro da esquina. O brabo gosta de ver brabeza, gosta de ver heroísmo, gente que enfrenta forças maiores sem se amedrontar. Existe nele algo de quixotesco, algo que lhe diz que só vale a pena entrar numa briga se for em desvantagem, porque em briga equilibrada ou em briga com vantagem qualquer almofadinha se mete, não precisa ser brabo para isso.