A biblioteca de J. G. Rosa
Em: 17/01/2011, às 22H32
Bráulio Tavares
Qualquer conjunto de informações pode ser interpretado de modos diferentes, desde que essa interpretação não seja contraditória e se atenha aos fatos. Interpretar não é o mesmo que provar; é ficar no simples terreno da conjetura. Minha conjetura de hoje é que Guimarães Rosa tinha uma razoável familiaridade com a literatura de gênero (fantasia, ficção científica, terror, policial, faroeste, etc.), e isso se refletiu em sua obra. Como suporte da minha conjetura usarei os livros que havia na biblioteca pessoal de Rosa quando de sua morte em 1967. Esses livros foram listados por Suzi Frankl Sperber em seu ensaio Caos e Cosmos (Editora Duas Cidades).
Rosa, leitor de obras fantásticas? Bem, ele tinha em casa o Manual de Zoologia Fantástica de Borges (também publicado como O livro dos seres imaginários), o Aura de Carlos Fuentes, além de obras de Garcia Márquez e Juan Rulfo. Não me surpreendi nem um pouco ao ver que os livros de Alice de Lewis Carroll também estavam presentes em sua estante. Os precursores da ficção científica também estavam por lá, como é o caso das obras completas de Luciano de Samosata, das Viagens de Gulliver de Swift e de O Golem de Gustav Meyrink. Ele tinha também a versão francesa de uma obra de H. G. Wells, L’île de l’Aepyonnis, que não estou conseguindo identificar. (Estou em viagem, e sem acesso a minha própria biblioteca. Não me venham com esse papo de Google. Mais de 90% do que tenho nas minhas estantes não está no Google.)
Outros clássicos do fantástico que Rosa possuía são Peter Schlemihl de Adelbert von Chamisso (a história do homem que perdeu a própria sombra), Rashomon de Akutagawa (que deu origem ao filme famoso de Kurosawa), além de leituras místicas como Encontros com Homens Notáveis de Gurdjieff e Nothing dies de J. W. Dunne. Rosa também lia clássicos do gênero de aventuras, como As Minas de Salomão de H. Rider Haggard e a antologia Western Award Stories organizada por Zane Grey.
O Mistério Magazine de Ellery Queen, a famosa revista de contos policiais, era uma leitura que Rosa apreciava para relaxar, conforme confessa numa carta a seu tradutor italiano Edoardo Bizarri; e sua filha Agnes lembra numa entrevista à Revista do Livro que o pai a levou à banca de revista, comprou o EQMM e lhe aconselhou a leitura do conto clássico de mistério “A Dama e o Tigre” de Frank R. Stockton.
Claro que ter os livros na estante não prova que Rosa os tivesse lido, ou os tivesse apreciado, ou sido influenciado por eles. Mas prova que pelo menos ele os conhecia o bastante para tê-los em casa, levando-se em conta que numerosas mudanças de país o obrigaram a se desfazer de uma quantidade apreciável de obras. José Mindlin (Uma vida entre livros) conta que quando encontrou Rosa em Paris este lhe ofereceu à venda uma coleção de obras eróticas, porque suas filhas estavam ficando mocinhas e ele não queria manter aqueles livros em casa.