A arte de escrever

A Arte de Escrever: Entre o pensar e o ordenar

[*Marcelo Martins Eulálio]

 

Escrever não é tarefa fácil, ao menos, não para todos. De acordo com Edivaldo Boaventura em Como ordenar as ideias, a verdadeira arte de expressar-se com clareza reside na capacidade de ordenar o pensamento. A ordem, nesse contexto, não é mero capricho formal, mas condição essencial para tornar inteligível qualquer comunicação.

 

O primeiro passo nesse processo é a reflexão sobre o tema. Antes de colocar as palavras no papel, é preciso deter-se no conteúdo que se pretende transmitir. A escrita começa, assim, no silêncio da mente, onde as ideias ainda não têm forma, mas já pedem estrutura. É a partir dessa reflexão inicial que se elabora o plano: um itinerário entre o ponto de partida — aquilo que se quer dizer — e o ponto de chegada — o que se pretende concluir. Entre esses dois extremos, distribuem-se as partes que darão corpo à composição. Boaventura é categórico ao afirmar: construir o plano é estabelecer as divisões.

 

Tal estrutura, porém, não deve ser encarada como camisa de força. O plano é de todos, pois é técnica comunicativa, mas também é de cada um, porque guarda o traço pessoal de quem escreve. Ele cumpre função pedagógica ao disciplinar a mente, mas também favorece a clareza da mensagem ao tornar o pensamento mais eficaz.

 

Com o plano definido, está pronta a arquitetura da exposição. Ainda falta, no entanto, o conteúdo — o “recheio”, como lembra Boaventura. Nesse momento, a introdução tem papel crucial: é ali que se anuncia o tema e se apresenta, de forma implícita, a proposta da obra. A introdução, além de funcional, deve ser instigante. Ela é convite: deve atrair e manter o leitor. Cícero já alertava para a importância do exórdio: deve ser cuidadoso, engenhoso e ajustado à causa, pois dá a medida do que virá adiante.

 

O desenvolvimento do texto, por sua vez, requer precisão. Cada ideia deve ser apresentada em seu tempo e espaço. Parte por parte, seção por seção, parágrafo por parágrafo. É o momento de destrinchar o pensamento, de expor argumentos e explorar o tema com lógica e clareza. Embora o plano em duas partes seja considerado o mais seguro e acessível, a complexidade do assunto ou a segurança do autor podem justificar estruturas mais amplas.

 

A conclusão, finalmente, não é mero encerramento nem espaço para novidades. Trata-se de uma síntese — o ponto de chegada onde tudo o que foi dito encontra sua essência. Boaventura ensina que concluir é retomar o que foi dito, de forma breve, mas significativa.

 

Escrever, portanto, é arte, técnica e disciplina. Exige reflexão, planejamento e clareza. Não é tarefa fácil, sei bem disso, mas pode ser aprendida e aprimorada. E como toda arte, exige, antes de tudo, respeito pelo processo.

 

Referência:

 

Boaventura, Edivaldo M. Como ordenar as ideias. 9 ed. São Paulo: Ática, 2007.

 

*Marcelo Martins Eulálio é advogado, professor universitário e Mestre em Políticas Públicas pela Universidade Federal do Piauí.