A arte de contar filme

O romance “Roliúde”, de Homero Fonseca (Record, 2007) traz para o âmbito do cinema algo que conhecemos bem da cultura oral: a recriação de uma história em voz alta, diante de uma platéia.  Uma atividade que vem desde o folclore, vide a recente voga dos “Contadores de Histórias” que se apresentam profissionalmente, organizam-se em entidades, promovem Congressos, etc. O contador de histórias trabalha muitas vezes com o público infantil, e sua atividade é uma ampliação das atividades de mães, avós, babás, etc., que contam para as crianças, na hora de ir dormir, as aventuras dos Três Porquinhos ou as desditas de João e Maria.


Não é só o material folclórico que é repassado assim para as crianças.  Os clássicos da literatura também – pelo menos foi isto que Monteiro Lobato fez durante anos, reescrevendo (ou melhor, fazendo com que Dona Benta recontasse oralmente) clássicos literários como o “Dom Quixote”, lendas mitológicas como “Os 12 Trabalhos de Hércules”, livros infantis como “Peter Pan” ou livros de informação científica como a “História das Invenções” de Van Loon. 


Contar filme era prática habitual no Alto Branco da minha infância, ou no Colégio Estadual da Prata, onde na hora do recreio os “mais velhos” contavam com riqueza de detalhes explícitos (inventados, somente hoje percebo) alguns filmes franceses que a gente não tinha idade para ver.  Acho que somente quando me tornei cineclubista percebi que o cinema era também, além de veículo para uma história, uma arte das imagens luminosas em movimento.  Isto nunca tinha me ocorrido.   Para mim, até então, o Cinema era uma arte da narrativa, e até certo ponto tanto fazia ver o filme quanto ler sua novelização em prosa na “Filmelândia”.


Hollywood sabe da importância disto, tanto é assim que todo filme de sucesso acarreta sua novelização imediata, pela qual escritores de certo prestígio chegam a ganhar uma pequena fortuna.  Os franceses, sempre cartesianos, preferem publicar o roteiro original em coleções como “L’Avant-Scène do Cinéma”, mas os americanos sabem que melhor que a secura de uma decupagem é a recontação oral, dramatúrgica, onde se alternam a descrição visual dos ambientes e o acesso momentâneo aos pensamentos mais íntimos dos personagens.


Um filme é como um arco-íris, cada pessoa vê uma coisa diferente.  Cada pessoa que se meta a recontar o filme irá lembrar ou interpretar as coisas de uma maneira diferente.  Precisa ser artista para, sem tela cinemascope, sem imagens coloridas, sem Som Dolby Stereo, sem a presença de John Wayne ou de Ingrid Bergman, de Sean Penn ou de Michelle Pfeiffer, capturar a atenção de uma platéia.  Não precisa nem ser bom ator, ou ter a voz bonita.  Basta ter isso que tão poucos têm – a percepção da essência de uma narrativa, do que precisa ser contado, limando os excessos, mantendo a tensão seqüencial entre o antes, o agora e o depois.  É uma arte específica, e nenhum Aristóteles a codificou por inteiro.