[Flávio Bittencourt]

O Encouraçado Potemkin

Comentário de Júlio Pereira a respeito do filme clássico Bromenosets Potyomkin (URSS, 1925)

 

 

 

 

 

 

11.1.2013 - Comentário de Júlio Pereira a respeito do filme clássico Bronenosets Potyomkin (URSS, 1925) - O Encouraçado Potemkin (filme).

 

 

"Terça-feira, 20 de novembro de 2012

 

RELEMBRANDO... O Encouraçado Potemkin

Bronenosets Potyomkin/RÚSSIA
Ano: 1925
Dirigido por: Sergei M. Eisenstein
Uma das obras-primas cinematográficas mais relevantes da história, configurando seu nome ao lado de peixes grandes feito “O Nascimento de uma Nação” e “Metrópolis”, O Encouraçado Potemkin é um marco na montagem e na linguagem cinematográfica. Considerado por muitos mera propaganda soviética, a obra foi concebida, realmente, pela antiga URSS, com o intuito didático de promover a filosofia comunista e disseminá-la mundialmente (Lenin, aliás, dizia que, entre as artes, o Cinema era a mais importante). Para isso, nada mais eficiente que o Cinema, arte democrática que, na época do cinema mudo, obtinha um alcance gigantesco até mesmo entre analfabetos. O russo Sergei M. Eisenstein, jovem empolgado pelas revoluções ocorridas na Rússia, foi convidado para a realização do projeto, tendo dirigido somente “A Greve” (bem mais propagandista, diga-se de passagem) anteriormente.
 
Absolutamente idealista, politicamente e cinematograficamente, Eisenstein conseguiu experimentar a linguagem cinematográfica apesar das limitações importas pelo governo e criou um filme que, embora rejeitado por muitas pessoas no início por acharem que a forma se sobrepunha ao conteúdo (o que, de forma alguma, beira a realidade), fez um sucesso mundial estrondoso. Bastou isso para tornar o cineasta famoso e merecedor da confiança da União Soviética. Há quem acuse o longa de ser propagandista, resumindo-se a isso. É claro: a ideologia comunista chega ao utópico, mas há que se analisar o contexto em que o filme foi realizado. É um equivoco imperdoável, portanto, negativar O Encouraçado Potemkin por esse motivo, desmerecendo a grandiosidade técnica e emocional do filme.

Escrito a oito mãos, o roteiro conta a história de trabalhadores do Encouraçado Potemkin que se insurgem contra seus comandantes e provocam uma rebelião, tomando o poder do barco. Desde o início, Eisenstein estabelece o local onde os trabalhadores dormem como inóspito, realçado pela fotografia escura. Não bastasse isso, eles sofrem violência física e moral gratuitas, além de receberem comida com larvas, sendo tratados como animais. Está tecido, assim, o ambiente perfeito para justificar a eclosão da revolta no barco. Dessa forma, o diretor vale-se duma montagem furiosa para alternar os processos de trabalho no estabelecimento e o homem quebrando o prato, elevando aos poucos a tensão entre os confinados. Quando tomam o poder, há uma inversão: agora quem está na condição de verme (larva) são os antigos comandantes.
 
Reforçando a ideia das autoridades e militares como figuras arbitrárias e absolutamente hostis, na quarta parte presenciamos uma barbárie absurda. Com a repressão da polícia, uma criança é pisoteada em frente à mãe, que, impotente à ação, resigna-se a apenas sofrer, assim como o espectador. E quando ela busca algum tipo de comoção dos brutais assassinos, num plano aberto em que se encontra solitária no meio deles (desolada, portanto), é friamente morta pelas balas cruéis disparadas por tais pessoas. Acentuando mais ainda essa ideia, uma mãe, quando ferida, acaba deixando seu filho cair escada abaixo, sequência que, de tão emblemática, foi reproduzida por Brian De Palma, em “Os Intocáveis” - curiosamente, a sequência da escadaria não estava presente originalmente no roteiro do Encouraçado Potemkin. Somos comovidos, então, pela dor emocional dessas mulheres. E Eisenstein é oportuno ao trazer os revolucionários como figuras heroicas que livram a cidade desse mal.

Grande entusiasta da dita “montagem rei”, escrevendo inclusive livros teóricos inteiramente voltados ao tema, o cineasta russo constrói uma tensão crescente em diversos momentos através da montagem dialética, que consiste em imagens cujo impacto, isoladas, talvez seria diminuto, mas que, quando utilizadas em paralelo ou colocadas em choque, provocam um efeito estarrecedor no público. Como exemplo, podemos citar algumas sequências incríveis: a punição pela rebelião dos trabalhadores, logo no início, a qual, sem trilha e repleta de momentos de silêncio, alterna cenas como o rosto do “feiticeiro” e dos comandantes, criando uma angustiante tensão; as já comentadas cenas da escadaria valem-se da mesma técnica, sendo que a primeira encontra sua força na variação de close, traçando um contraste entre as reações, além de revelar o sentimento de horror presente nas personagens, enquanto a segunda busca tensão no carrinho do bebê descendo a escada (atenção especial às rodas do veículo), em encontro com imagens das reações tensas das pessoas em relação à situação. Conseguindo entender o ritmo perfeito das cenas, o montador emprega um ritmo frenético em um momento de revolta, além duma angustiante apreensão causada pelo paralelo das imagens do maquinário, marcador de velocidade, personagens (e seus olhares), chaminé e com uma trilha sonora crescente e extremamente eficaz durante o clímax. A trilha sonora, inclusive, exerce um papel fundamental, obtendo momentos geniais, como a repentina mudança da música na recepção na cidade, ou adotando rufares de tambores para aumentar o clima de suspense.
 
Como ideal da obra, Eisenstein adota a ideia da coletividade, sendo esta maior que o próprio indivíduo. O poder, portanto, reside na união de seres. Inteligentemente, não há nenhum protagonista, com o intuito de não individualizar o drama. Pode-se dizer, assim, que o personagem principal é o próprio espírito revolucionário. Há inúmeros planos abertos com o propósito de acentuar essa idéia. E os antagonistas da obra são filmados em planos fechados, dando a impressão de que estão sozinhos e, consequentemente, mais enfraquecidos. Ainda assim, o diretor sabe os momentos de individualidade dos seres, focando no rosto das pessoas chorando ao presenciarem o trabalhador morto, por exemplo. E os relâmpagos de genialidade só provam que o filme é um marco, como a bandeira vermelha do comunismo destacada no preto e branco e os planos-detalhe nas mãos dos indivíduos furiosos pela morte de um companheiro.

Podemos dizer que, assim como o Encouraçado Potemkin (navio) é na revolução pela classe dos trabalhadores, Sergei Eisenstein é também um vanguardista no Cinema, enriquecendo esta obra-prima com simbolismos, tais como o abandono da igreja e da religião ao ignorar a cruz em dado momento, e um senso utópico jovial que encanta qualquer espectador. Muito além de mero filme propaganda, O Encouraçado Potemkin é superficialmente um entretenimento de primeira e profundamente uma obra de extrema complexidade e de relevância inegável.

Comentário por Júlio Pereira"
 
(http://www.lumi7.com.br/2012/11/relembrando-o-encouracado-potemkin.html)