INVENTÁRIO DA SAUDADE
Por Elmar Carvalho Em: 18/01/2014, às 07H43
ELMAR CARVALHO
Conforme anunciei no registro anterior, falarei de algumas de minhas perdas em 2013. Tentarei, tanto quanto possível, não ser melodramático e nem excessivamente saudosista e emocional. Não falarei sobre as mortes de minha mãe e de minhas cadelinhas Anita e Belinha, uma vez que já lhes dediquei espaço próprio no panteão de minha saudade, através de três crônicas, que podem ser encontradas nos mares da internet.
De forma inesperada, chegou-me no dia 27 de julho a notícia da morte do professor Neto Chuíba, ocorrida de forma tão trágica quanto precoce, o que comoveu a comunidade campomaiorense. Era ele um cidadão amigo, benquisto pelos seus alunos e conhecidos, prestativo sempre. Algumas vezes, em tardes agradáveis, estive no seu aprazível sítio Carajás, à sombra de copada árvore ou em seu alpendre, de onde se descortinava uma bela paisagem do tabuleiro e da pequenina Serra Grande de Campo Maior, a azular no horizonte infindo como um debrum celeste.
Em setembro, após vários exames, descobri que tinha um outro câncer (cujo tratamento radioterápico foi concluído no final de novembro); sobre esse CA me reportarei oportunamente. Fiz os exames solicitados, e hoje retornarei ao doutor José Andrade de Carvalho Melo, para que ele faça a avaliação do resultado da radioterapia. Do primeiro, em Deus, já me considero curado, uma vez que a cirurgia foi feita mais de oito anos atrás.
Em seguida, fui surpreendido com a morte do poeta RAL (Raimundo Nonato Alves de Lima). Eu o conhecia desde a minha juventude. Em certa tarde e noite memoráveis, em que conversamos a valer, de forma alegre e despojada, derrubamos um litro do velho pirata Ron Montilla. Publiquei vários poemas meus em sua página cultural, estampada dominicalmente no extinto jornal O Estado.
Esse espaço cultural prestou inestimável serviço à divulgação da literatura piauiense, numa época em que não havia internet, e em que a publicação de um livro era custosa e complicada, como ainda o é. RAL desenvolveu trabalho de pesquisa sobre o carnaval teresinense, tendo sido ele próprio um carnavalesco da Vila Operária, onde morou durante muitos anos. Li, com agrado e emoção, o seu livro de poemas Canção Permanente. Sem dúvida sua poesia merece permanecer na literatura piauiense.
Nessa sequência de perdas, soube da morte do jornalista e radialista parnaibano Cícero Evandro dos Santos, que conheci através de nosso amigo comum Bernardo Silva, também jornalista, e poeta em sua juventude, e que fez parte da obra coletiva Salada Seleta, de que fui um dos coautores, ao lado de Alcenor Candeira Filho, Paulo Couto, V. de Araújo e Ednólia Fontenele. Não tínhamos amizade antiga, mas sempre que ele me revia demonstrava contentamento, no que era por mim correspondido. De boa índole, cordato, sorridente e de muitas amizades, não sei por que tinha a “carinhosa” alcunha de Holyfield; talvez por ser a mais perfeita tradução antitética do belicoso lutador.
Em seu périplo macabro, a “indesejada das gentes” ceifou a vida de Rubem da Páscoa Freitas, mais precisamente no dia 14 de novembro. Aos 81 anos de idade, era ele o “papa” do jornalismo social em Parnaíba. Era o decano dos jornalistas e radialistas do litoral piauiense, em atividade ininterrupta há várias décadas. Conheci-o em 1975, na redação do jornal Folha do Litoral, do qual fui colaborador.
Uma vez por outra, eu ia até a redação desse periódico, para entreter rápida conversa com os amigos Bernardo Silva e professor Antônio Gallas Pimentel (seu conterrâneo tutoiense), e também com o “compositor” tipográfico Xixinó, sempre alegre e irreverente, a destilar sutis ironias, e lá encontrava Rubem Freitas a redigir ou a revisar a sua coluna Carnet Social, que manteve por vários anos. Mesmo nas notas mais despojadas e sintéticas, a sua linguagem era límpida e castiça, e disso ele parecia ter saudável orgulho. Organizou o livro Pedro Alelaf – Lição de Vida (2001), no qual foi inserto o meu trabalho Craques do Futebol Parnaibano, que depois, devidamente revisado, inseri em meu livro O Pé e a Bola. Era meu confrade na Academia Parnaibana de Letras – APAL.
Neste rosário de vidas ceifadas, que vou debulhando em forma de singelas homenagens, não poderia esquecer o passamento de José João Siqueira. Conheci-o no final da década de 70, quando ele estava prestes a concluir o seu curso de Economia, feito em Belém do Pará. Em seus melhores momentos, isto é, quase sempre, era carismático e alegre. Era um homem bom, amigo do bem e do belo. Fez importante dissertação sobre a extração, industrialização e comercialização da cera de carnaúba. Creio que esse trabalho ainda se mantenha inédito.
Com bom domínio da palavra e do conteúdo que porventura desejasse explanar, era um bom conferencista e talentoso professor da Universidade Federal do Piauí – Campus Ministro Reis Velloso. Sem apego aos metais, preferiu continuar, na qualidade de empresário, a vender tecidos, quando poderia ter migrado para outro ramo comercial mais rentável e menos trabalhoso, talvez por fidelidade à tradição e ao empreendedorismo de seu pai. Acredito que sua loja fosse a mais antiga na comercialização de tecidos em Parnaíba, numa época em que já quase não existem costureiras nem alfaiates, mas apenas a indústria e o comércio varejista massificados de confecções ou roupas feitas.
No dia 19 de novembro fui impactado pela notícia do falecimento de Otaviano Furtado do Vale, também conhecido como Tavico, sobre o qual desejo escrever um registro próprio, bem mais extenso. Foi meu amigo desde o início de nossa adolescência, ambos nascidos no ano de 1956. Ainda bem jovem, creio que aos vinte e poucos anos, foi morar em Brasília, não tendo mais voltado a residir no Piauí.
Por tal motivo, poucas vezes nos revíamos, mas quando isso acontecia a amizade permanecia a mesma, como se nunca nos tivéssemos alongado do convívio fraterno, que sempre tivemos, sem rusgas, mágoas ou queixas. Fomos camaradas de futebol, de alegres libações juvenis, de festas e na conquista de namoradas. Fomos colegas de turma do 3º e do 4º ano do antigo ginásio (no início da década de 70), concluído no Colégio Estadual de Campo Maior. Com a sua morte, rápida e quase diria extemporânea, perdi um de meus melhores amigos e uma das maiores referências de minha vida. Guardarei para sempre a sua lembrança, escoimada de qualquer senão que ele pudesse ter.
Na madrugada do dia 30 de dezembro faleceu a nossa cadelinha Anita, sobre a qual escrevi uma sentida crônica, em que pranteei sua morte. Foi o coroamento de espinhos desse ano de muitas perdas e infaustas notícias. Espero que 2014 me seja mais leve, mais ameno. Assim seja. Amém.