A presença de todos: singular, não plural
Por M. T. Piacentini Em: 28/09/2011, às 08H20
[M. T. Piacentini]
--- Gostaria de saber se está correta a palavra REDAÇÕES na frase: "Ficam alterados o artigo e o parágrafo da LC 294/88, que passam a constar com as seguintes redações:..." Juscelino Silva, Porto Alegre/RS
--- Talvez seja opção do autor dizer “João e Maria devem cuidar de suas vidas”. Para mim, “vidas” só quando significa “pessoas, almas, viventes”: Foram salvas muitas vidas. Agora: Eles que cuidem de sua vida. Comente, por favor. João Reguffe, Rio Grande/RS
Fala-se da redação dos artigos e dos parágrafos, ou seja, da maneira de redigi-los. Assim, o correto é dizer que eles “passam a constar com a seguinte redação”.
Observa-se que na língua portuguesa é comum o uso do singular com força de plural, como por exemplo “o brasileiro é bonzinho” em vez de “os brasileiros são bonzinhos”. Da mesma forma, o procedimento sintático no português é usar no singular a coisa possuída quando cada um tem a sua:
Faremos o que for necessário para fortalecer nosso espírito.
Tenhamos a mente livre de preconceitos.
Ao ver Nova Orleans destruída, ficamos com o coração dilacerado.
Todos estão lutando por seus direitos; enfim, por sua vida.
O coração deles saltou pela boca.
Mesmo os idosos faziam fila para verificar seu pulso.
Não metam o nariz onde não são chamados.
Devemos seguir nossa cabeça, sempre.
Em princípio o correto é deixar no singular porque cada pessoa tem somente uma vida, um espírito, uma mente; somente um coração, boca, pulso, nariz, cabeça. Não se diz, portanto, *vamos seguir nossas cabeças. Não importa que em inglês se use “our heads, our lives, your noses”. Por outro lado, é certo falar “mantenham os olhos atentos e os ouvidos puros” e “meteram os pés pelas mãos”, uma vez que cada indivíduo tem dois olhos, dois ouvidos, duas mãos, dois pés.
Já em latim o procedimento era diferente do português: usava-se o plural em todas essas situações. Conforme o gramático e latinista Napoleão Mendes de Almeida, porém, “mais do que estranheza, causaria dó ver per capita traduzido por por cabeças” (Dic. de Questões Vernáculas, 1981, p. 299).
Está claro, então, que propriedades da alma e partes únicas do corpo devem ficar no singular mesmo quando se referem a mais pessoas. Entretanto, parece haver pouca clareza para algumas pessoas em casos menos específicos, pois se veem frases assim:
*Agradecemos as presenças de todos.
*Tais deputados foram convocados pela CPI para que apresentem suas defesas.
*Comentou Dalai Lama: “O Papa João Paulo II era um homem por quem eu tinha muita estima. A experiências que ele teve na Polônia, quando o país era comunista, e minhas experiências com o comunismo aproximam nossos passados”.
*Isso interfere nas nossas vidas.
Também nesses casos deve prevalecer o singular, pois cada ser humano tem uma presença, um passado... O correto então é agradecer a presença de todos. Ademais, a noção de pluralidade, quando o sujeito é “nós”, já se encontra no pronome “nosso”. Por fim, é oportuno lembrar o Hino Nacional: “Nossos bosques têm mais vida, nossa vida mais amores”.