1984 de Orwell
Por Bráulio Tavares Em: 28/03/2014, às 15H12
[Bráulio Tavares]
Reli agora este livro que eu tinha lido apenas uma vez, em 1971, e fiquei pasmo: era exatamente o mesmo livro que eu lembrava. Claro que durante esse período o cinema (Michael Radford) e o rock (Rick Wakeman) reavivaram a memória, mas não é qualquer livro que grava as coisas assim na memória da gente, como cinzel no metal. Nineteen Eighty-Four (o título original é por extenso) já foi apontado como o livro mais depressivo, ou mais pessimista, de toda a literatura, e até como “o livro que matou George Orwell”, pois o autor, trabalhando em condições difíceis, viu sua tuberculose piorar ao longo de 1948, quando concluiu o livro, publicado em junho de 1949. Ele morreu em janeiro de 1950.
Para muita gente a obra de Orwell foi profética ao criar conceitos como o do Big Brother, que deixou de ser simplesmente a pessoa do ditador paternal, tipo Stálin ou Getúlio, e tornou-se sinônimo da sociedade supervigiada, com uma câmara-tela espiã em cada aposento. (Não literalmente – mas hoje sabemos que qualquer atividade eletrônica nossa é tão sujeita a espia quanto o diário manuscrito que Winston Smith escondia em seu apartamento, na esperança de que ninguém o revistasse.) O reality show que adotou esse nome acabou dando-lhe uma curiosa e atual conotação. O Big Brother não é apenas alguém que vigia você. É alguém que faz você querer vigiá-lo o dia inteiro, passar o dia pensando nele, na programação dele, e se viciar nas imagens oferecidas por ele 24 horas por dia.
Criação de Orwell, a palavra “duplipensar” (doublethink) é muito citada mas não se incorporou à nossa linguagem, se bem que o hábito do duplipensamento seja cada vez mais generalizado. Sem duplipensar ninguém sobrevive. Políticos que mudam de lado e de credo com a maior das convicções, e num estalar de dedos “trocam o sinal” de seus aliados e adversários. Senhoras e senhoras respeitáveis que às escondidas mantêm vícios proibidos (drogas, sexo, etc.). Funcionários públicos trabalhando para um governo que desaprovam. Casais que traem e escondem. Amigos que mentem e escondem. Pais e filhos que mentem e escondem uns dos outros. Isso é invenção dos tempos modernos? Não: é da natureza humana, e volta em qualquer sociedade decadente, ou sob pressão. Por um lado, é a hipocrisia (e a cautela) de quem não pode revelar o que pensa. Por outro, é a disponibilidade permanente que se induz na população para que abrigue na mente idéias opostas. O povo tem que estar pronto para achar que “X” é bom e que “X” é ruim. Nunca se sabe de qual das duas opiniões o Big Brother vai precisar para seus objetivos, que, de qualquer modo, ninguém jamais saberá quais são.