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Seringalistas ou coronéis da borracha

 

Lucilene Gomes Lima

 

       Nos deveres do extrator, é explicitada a sua exclusiva condição de trabalho: “[...] Deve ter em consideração que quando vem para os seringaes e se colloca como extractor, é para produzir borracha [...]”[1] e de negociação do produto de seu trabalho: “(e) fazer as suas transacções somente com o deposito onde trabalha para engrandecimento deste, e não o fazer com outro deposito, mesmo que seja da mesma firma, muito menos com pessoas extranhas à casa [...][2].

       Na visão do seringalista, a seringueira, fonte da riqueza, “hévea-ouro”, requer o carinho e o respeito do seringueiro pois, diferentemente do que parece explicitar o regulamento, ela o transforma em homem livre, apesar de sua ignorância o prender unicamente ao trabalho de extração:

 

[...] Portanto, devemos ter carinho para com a seringueira que nos proporciona tantos dias felizes e não sejaes ingratos, senhores extractores, para com a árvore bendita que vos proporciona um trabalho remunerador, que vos livra do chichote do capataz, que faz do extractor senhor de si proprio, dono de sua casa, sabendo a que horas que come e que dorme, vivendo em contacto diario com a sua familia, tendo o conceito de todos, merecendo a estima do patrão que trata o bom productor como um de seus melhores amigos. Pensem e reflictam que não há outro mister que favoreça ao homem inculto tantas vantagens, - digo inculto  porque para cortar seringa não precisa ser formado em cousa alguma, basta somente ter caracter e vergonha para ser um bom seringueiro.[3]

 

       Num regulamento como esse, que Benchimol ajuíza não ter sido determinado por um seringalista desumano, apesar de admitir que os tiranos existiam, é possível perceber que os seringueiros tinham mais deveres do que direitos. As situações que prenderam o seringueiro ao seringalista na condição de semi-escravo deram margem à expressão vilanesca da figura do seringalista na prosa de ficção, como adiante se verá.



[1] Samuel BENCHIMOL, p. 102.

[2] Ibid., p. 102.

[3] Ibid., p. 103-4