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A barca cheia de almas

 

 NEUZA MACHADO

 

A narrativa, O Amante das Amazonas, é uma singular barca “carregada de almas”, e, a cada página, o seu timoneiro-narrador pós-moderno/pós-modernista de Segunda Geração se percebe na iminência do enfrentamento de infinitos perigos. Nela viajam todos os antigos “mortos” atestados pelos reais relatos, “almas culpadas” dos inúmeros genocídios que marcaram a verdadeira história de dominação silvícola, naquele Estado Federativo do Brasil. Nela viajam todos os “mortos” brasileiros e/ou universais de um passado bélico, de dominação, de miséria e tortura, os inesquecíveis “mortos”, inomináveis “mortos” neo-reconhecidos; principalmente, os desassombrados “mortos”, dignatários, poderosos, replenos de culpas históricas, gerenciadores de um rico passado de prosperidade e magnificência, e “mortes”. Eles, os “mortos”, reconhecidos ou não, repletos de indeléveis culpas patriarcais.

 

 

“A morte é uma viagem que nunca acaba, é uma perspectiva infinita de perigos. Se o peso que sobrecarrega a barca é tão grande, é porque as almas são culpadas”, diz Gaston Bachelard. É verdade. Há culpas político-patriarcais nesta terra histórico-ficcional (na destruição sem retorno vital e espiritual da flora e da fauna), no fogo sócio-ficcional e/ou mítico-ficcional (que devastou/devasta a floresta), no ar e nos rios do Seringal Manixi verdadeiro (poluídos pelos males do capitalismo sócio-substancial, dilatado, sem limites, impessoal, o capitalismo selvagem das grandes indústrias multinacionais), além dos perigos reais e irreais que estão por ali, insólitos, a inspecionar preconceituosamente a mítica e intrépida nação Numa.