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Para o entendimento de uma narrativa diferenciada, exige-se um pensamento interpretativo teoricamente não convencionado. Para a compreensão do ficcional Igarapé do Inferno, há a exigência de se “restituir ao seu nível primitivo todos os valores inconscientes acumulados em torno dos funerais pela imagem”, acoplados à “viagem pela água”, à moda mítica, transferindo energias múltiplas a cada dimensão espacial da história narrada. Assim, por um determinado ângulo interpretativo-reflexivo, a partir da História da região assinalada, nem sempre Oficial, há a exigência teórico-interpretativa de se descobrir, ao longo do romance, a origem desse povo mitificado. Logo, surge a pergunta: como surgiu esta designação, nesta obra ficcional extremamente criativa, se não há referências históricas oficiais de tribos com este nome genérico, mesmo de tribos desaparecidas, nos anais da geografia e da história amazonense? Por tal motivo, busquei sondar a lanugem que recobre as diversas grafias de denominações de tribos brasileiras, do passado e do presente, sobretudo as que se localizaram/localizam por ali nas imediações do Manixi narrado.

 

 

À vista disso, imponho-me declinar, por um ângulo extremo e interpretativo, a origem sócio-histórica e mítico-histórica dos Numas ficcionais, remexendo as nomenclaturas oficiais e não-oficiais que se referem aos nomes das diversas tribos indígenas do Brasil, incluindo algumas próximas às fronteiras do Peru e Bolívia, tribos estas historicamente misturadas com as tribos do lado brasileiro-amazonense, aquela superfície geográfica do Amazonas registrada algures por antigos cronistas. Assim, por via não-oficial, (o que se constataria como informação perigosa, se este diálogo com a obra ficcional rogeliana fosse exclusivamente científico), repito, assim por via não-oficial, uma vez que me movimentei por um ano naquelas paragens amazonenses e escutei muitas histórias interessantes, os Numas assinalados poderiam provir ficcionalmente de uma tribo afeita à guerra, possivelmente extinta desde o século XVIII, conhecida pelo nome de Náuas. Assim como os Numas/Numes desta narrativa pós-moderna, os lendários Náuas habitavam a região onde atualmente se localiza o Estado do Acre, nas imediações da planície do Rio Juruá, rio este assinalado, entre muitos outros rios da região, no romance O Amante das Amazonas.

 

 

Segundo informações locais, esses Náuas tornaram-se lendários, pois, aparentemente exterminados pelo branco colonizador, ao decorrer do tempo, os históricos aventureiros afirmaram, por via de oralidade, sem deixar registro escrito, que um grupo conseguira se refugiar em um lugar indeterminado da floresta e, dali, passara a exercitar o instinto da vingança contra os invasores de suas terras. De tal sorte, mesmo deixando de serem vistos historicamente, a fama guerreira dos Náuas continuou intacta, assombrando àqueles que se aventuravam nas imediações de sua antiga concentração geográfica. Os Náuas desaparecidos foram mitificados por intermédio das fábulas fantásticas da transmissão oral amazonense, representando alegoricamente a luta do homem primitivo e da natureza indômita contra os valores corrompidos do branco colonizador. Possivelmente, e informalmente, os índios Numas/Numes desta narrativa em particular - “imprevisíveis” -, sejam mítico-ficcionais “parentes” desses lendários Náuas guerreiros, pois, temidos, são nomeados também, no romance, como agentes da morte.