ESPELHO
 
  Por que deixei que uma personagem minha, a indiana,
  tivesse atuado mais que "eu"?

  Timidez?
  Não.  Raiva.  Desgosto. 

  Que tinha eu para oferecer, que a indiana não tivesse mais?

  Que fez a indiana de artístico, a não ser dançar?
  Conhecia o bastante para escrever um poema?
  Uma observação?

  Desenhara na comprida rocha atrás do Templo, com uma
  lasca de pedra?

  Parei durante toda minha vida, contemplando na superficie
  de um comprido espelho encostado à parede, a imagem 
  risonha, satisfeita, da indiana.

  Durante um certo tempo, a indiana foi minha arte.
  Eu a coloquei em meus contos, poemas, meditações...
  Eu rendia tributo à ela, a incensava com elogios, nada
  que ela fizesse, teria erro.

  No entanto, cada momento de enlevo na personagem da
  indiana, era uma pá de terra enterrando minha 
  personalidade.

  Dos escombros de um monte de enterros, surgí na velhice.
  E foi no ápice da montanha que foi minha vida, que eu
  percebí que na verdade, durante todo esse tempo, fui
  a alma da indiana.