[Bráulio Tavares]


Novas tecnologias criam novas maneiras de manipular textos. Com sorte, podem produzir também novas dinâmicas internas: o modo de organizar as palavras; o modo de destacá-las; o modo de conduzir o olhar do leitor e o fluxo de leitura; o modo de alternar cenas; o modo de encadeá-las produzindo a impressão de continuidade ou sequência. Tudo isto faz parte da arte da narrativa, e o surgimento de novos suportes para a palavra escrita pode nos ajudar a contar histórias de uma maneira que não poderia ser contada num texto apresentado de modo convencional, como este aqui.

A escritora Jenifer Egan produziu um conto narrado em forma de apresentação de Power Point, este popularíssimo recurso que possibilita a conferencistas projetarem os parágrafos de sua conferência numa tela, em grandes letras coloridas, e lerem o texto em voz alta para uma plateia que lê ao mesmo tempo, movendo os lábios. Paulo Freire não teria concebido uma maneira melhor de alfabetizar professores e doutores!

O conto de Egan se intitula “Great Rock and Roll Pauses” e utiliza o sistema de “slides” sucessivos do Power Point, telas que se sucedem, cada uma com certa quantidade de texto organizada em torno de formas geométricas, induzindo diferentes fluxos de leitura. O conto foi incluído em seu livro A Visit from the Goon Squad (Knopf, 2010), e pode ser visto em sua forma original (quadros coloridos, sucessivos), aqui: 
http://www.slideshare.net/JenniferEgan/rockandroll97-2004cppt. 

O conto, aliás,tem como tema um garoto autista (irmão da narradora) cujo hobby é colecionar e analisar o que em música de chama de “pausas Clearmountain” – aquelas pausas bruscas no meio de uma canção, para logo em seguida a música voltar com força total. (Têm este nome por terem sido usadas e abusadas pelo produtor musical Bob Clearmountain). Talvez o estilo Power Point ajude a reproduzir a mentalidade precisa, ordenada e meio mecânica de um autista. 

Não se trata, como tanta gente repete, passivamente, de “destruir as formas arcaicas e superadas de literatura”. Nenhuma forma é tão arcaica e superada que não possa ser usada de maneira eficiente ou original. Trata-se de experimentar formas novas, não para “renovar a literatura”, coisa que nenhum escritor pode fazer sozinho, mas pelo espírito lúdico de se divertir com uma maneira diferente de contar. Se isto vai ser assimilado pelo chamado “corpus” literário, não depende de nenhum autor individual. É um processo coletivo e randômico. Melhor ir se preocupar com outra coisa. 

Alguém um belo dia teve a ideia de usar tipos de letras diferentes (que hoje chamamos de itálico e negrito) para destacar partes diferentes do texto – mudar de interlocutor, distinguir entre frases pensadas e frases ditas em voz alta, sugerir a presença de uma consciência externa à cena e que a contempla, etc. No começo isto pode ter parecido mero exibicionismo ou excentricidade; mas hoje é um recurso usado em qualquer best-seller.