Turistas
Por Raphael Cerqueira Silva Em: 08/05/2025, às 13H18

No brequefeste, entre uma broinha e o suco de cajá, se apresentou como Xandra. E quis saber aonde eu ia pela manhã. Ao Porto.
— Vamo dividir táxi?
Topei. E cá estamos, a caminho da praia, trocando impressões sobre a ilha, comentando sobre os passeios feitos e os ainda por fazer.
Nosso carro para diante do letreiro colorido — NORONHA — onde a turistada posa para selfies. Passo os quarenta e dois reais no cartão, Xandra fica de pagar a volta. Uma fila começa a se formar. Dois rapazes, camisas estampadas e barbas cerradas, conversam animadamente com o carinha com pinta de fotógrafo profissional.
— Se nossos pais e avós soubessem o que ia virar o mundo, tinham exterminado essa gente naquela época.
Como os outros, finjo não ouvir o comentário de Xandra. O casal se abraça, o fotógrafo pede "um sorrisão de lua-de-mel".
— Nossa, o mundo ficou gay mesmo.
A careta que segue à sentença consegue ser pior que o comentário.
Ainda bem que o mundo é gay, chega da caretice hétero. Xandra me olha de cima a baixo e, num muxoxo, diz que não gosta, mas respeita. Respeita? A simpática fragata que sobrevoa o mirante leva meu questionamento para além-mar.
— Prefiro ser hétero. Depois que uma sapatona cismou comigo numa viagem aí, peguei ranço. Que nojo! Amigo gay ainda vai, amiga lésbica não quero perto de mim.
Mais um click, agora os fotografados trocam beijos mais calientes que o sol ilhéu. Comento que cada um vive como quer. Frase nada original, reconheço, porém é a que me vem à cabeça.
— Todos meus amigos praticamente são gays. Respeito, mas não gosto não. Preferia o mundo como era antes. Anos 80, 90 era muito melhor.
Mas nos anos 80 e 90 eles também existiam. Aliás, sempre existiram, pondero.
— Se nossos pais e avós soubessem que ia virar isso que virou, ia extintar essa gente... Porque olha o que virou, uma marmotagem.
Não sei o que me incomoda mais: a gargalhada, o neologismo, o tom... Aliás, por que ainda estou aqui, dando ouvidos a esta criatura?
— Vai pra minha cidade, vai. Lá é cheio de gays. Muuuuito mesmo. Fico até enojada, um monte de bicha velha. Por isso nem saio lá, pra ver essas marmotas. Só marmotas mesmo.
Agachado, o fotógrafo capta outro ângulo do casal. Senhorinhas tagarelas desembarcam duma van, chapéus e saídas-de-praia colorindo a manhã. A fragata volta a sobrevoar o mirante. Aqui, no asfalto, invejo sua liberdade.
— Por mim, matava. Mas matava os outros, meus amigos não. O Ju, o Renatinho, o Marcelo, esse pessoal que é gay e são meus amigos não quero que mata não... você, eu não sei se é homem ou se é gay, mas também não quero que matem. Se você for gay tem problema não.
Me afasto, busco refúgio sob uns coqueiros. O silêncio, aprendi já há algum tempo, vale mais que palavras. Xandra quer saber quem vai tirar suas fotos. Não é problema meu, resmungo.
"Até no paraíso a gente encontra sombra", sussurra a brisa do mar enquanto perscruto o horizonte.