SIMONE, 60 ANOS

RIO - Aos 60 anos e caminhando para quatro décadas de carreira, Simone já trilhou muitas estradas na MPB - foi a cantora mais popular do Brasil, um ícone da mulher emancipada, a voz desejada por todos os compositores do país, a artista que se perdeu em escolhas popularescas, a sofisticada intérprete de autores densos como Sueli Costa e Milton Nascimento. Agora, lançando - hoje e amanhã, no teatro João Caetano - o DVD e CD duplo "Em boa companhia" (Biscoito Fino), registro do show homônimo gravado em abril deste ano, ela parece harmonizar suas diferentes faces.

O show - que une canções antigas de seu repertório ("Tô que tô", "Paixão" e "Face a face") com outras que ela apresentou em seu último CD de estúdio, como "Certas noites" (Adriana Calcanhotto/ Dé Palmeira), "Migalhas" (Erasmo Carlos) e a faixa-título "Na veia" (Martinho da Vila) - consolida um movimento que vem da última década. Desde "Seda pura" (2001), ela tem buscado se renovar sem se violentar. Retomando, talvez (guardadas as diferenças entre uma cantora em ascensão na casa dos 20 até pouco mais de 30 e uma artista consagrada de 60), a trilha de sua fase áurea, nos anos 1970 e início dos 1980.

- Comecei aos 23 anos, não sabia nada. Me pescaram, fui escolhida e até hoje tento aprender muitas coisas. A verdade é que nunca sabemos nada. Cada disco é um, cada momento é um - afirma Simone. - Nunca tive barreiras para cantar nada. Errei muito, mas acertei mais do que errei.

Seus acertos (e erros) como intérprete passaram pela escolha do que gravar. Sua história pode ser contada pelos autores que aparecem em seus discos: Gonzaguinha, Milton e os mineiros do Clube da Esquina, Ivan Lins, Roberto & Erasmo, João & Aldir... Escolhas que obedeciam critérios que não se prendiam a gêneros.

- Isso vem da minha família. Ouvíamos ópera, Maysa, Cauby... - lembra. - Por isso eu cantava "Cais" com caixa, tamborim e surdo. E era lindo. Acho que fui a primeira a gravar com o Olodum. Não tenho medo de fazer. Pode ficar uma porcaria, pode ficar ótimo. Mas tem que experimentar. Vou continuar experimentando.

Do outro lado, os compositores atestam sua versatilidade e sua facilidade em transitar por diferentes estratos da MPB. Hermínio Bello de Carvalho, que já produziu discos e shows da cantora e foi gravado por ela, chama a atenção para sua "voz lindíssima e com timbre bastante raro, aliada a uma percepção muito boa do mercado". Ivan Lins ressalva que houve um momento "em que ela se distanciou um pouco (da música de qualidade), como aconteceu com muitos na década de 80", mas afirma que a cantora preencheu uma lacuna deixada por Elis como porta-voz dos compositores. Erasmo Carlos explica com simplicidade as muitas faces de Simone:

- Seus sentimentos são livres e ela expõe as emoções de acordo com seu estado de espírito. Vejo Simone intocável no primeiríssimo time da MPB.

Zélia Duncan, que dividiu um CD com Simone em 2008, ecoa o discurso da própria cantora ("Não tenho medo"):

- Todas suas fases distintas foram intensamente vividas, com coragem e dignidade, sem medo dos riscos que sempre rondam nossas carreiras.

Simone ainda deseja viver riscos, mesmo que calculados sobre a segurança de seu terreno atual:

- Tenho um sonho de lançar um CD só com compositores novos e desconhecidos.