ROSA NUMINOSA (2022), de Diego Mendes Sousa - Ensaio de ISAAC MELO
Por Diego Mendes Sousa Em: 28/04/2022, às 16H12
“Rosa numinosa” é o mais recente trabalho poético de Diego Mendes Sousa, esse piauiense de Parnaíba, que além de poeta, jornalista e advogado, é indigenista especializado da Fundação Nacional do Índio, com atuação em Cruzeiro do Sul-AC, no Vale do Juruá.
Diego é poeta de projeção nacional, cujo talento se afirma como um dos mais robustos e proeminentes. Sua presença em Cruzeiro do Sul faz-me recordar do também grande poeta paulista Martins Fontes, que, ali, esteve na primeira década do século XX, como médico, deixando, inclusive, um trabalho escrito, “O Acre, estudos de higiene rural” (1908).
“Rosa numinosa” foi gestado quase todo no Acre, e publicado sob os auspícios do Instituto Amostragem, de Teresina-PI. É um livro surgido no contexto pandêmico, e das novas premências da humanidade; e, de modo mais específico, da realidade amazônica vivida e sentida pelo poeta, ele que é, marcadamente um poeta de “alma litorânea”.
Um dos mais belos trabalhos do poeta, “Rosa numinosa” traz, ainda, as belíssimas ilustrações e capa do artista Paulo Moura. O livro é um lume, uma luz nesses tempos trevosos, uma rosa de esperanças frente uma realidade marcada pela constante ameaça e desrespeito pela vida, sobretudo, a amazônica, com seus povos e sua imensurável biodiversidade. É uma obra que engrandece a poesia brasileira.
Diego Mendes Sousa é, ainda, autor de Divagações (2006); Metafísica do Encanto (2008); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2010); Fogo de Alabastro (2011); Candelabro de Álamo (2012); Alma Litorânea (2014); Coração Costeiro (2016); O Viajor de Altaíba (2019); Gravidade das Xananas (2019); Tinteiros da Casa e do Coração Desertos (2019); Velas Náufragas (2019); Fanais dos Verdes Luzeiros (2019) e Rosa Numinosa (2022).
“Rosa numinosa” pode ser adquirida diretamente com o autor.
As demais obras estão disponíveis no site da Editora Penalux:
https://www.editorapenalux.com.br/.../Diego_Mendes_Sousa
GESTA DO PANTEMPO
“Quero é perder-me no mundo
Para fugir do mundo.”.
Augusto Frederico Schmidt
No fundo,
é tédio.
O desespero
como companheiro,
a tarde desata
os seus tons
de róseo
e cinza.
Morre
dentro de mim,
o velho poeta passadista,
que padece
da dor
dos precipícios amargos
e demasiadamente
violentos.
A vertigem
do tempo
é uma
sombra
paralítica
a rir dos frágeis
gestos
da testemunha
irrevelada.
Trago nos olhos,
a tristeza
das voragens,
uma certa melancolia
acesa,
travada
nos arreios adormecidos
da infância,
que ultrapassa
a existência,
por ser repositório
de saudades
e eternidades
infindas.
O sonho
é uma bile negra,
o rastro das descobertas
sem propósitos aparentes.
Digo muito
das telhas
despencadas,
dos mistérios
que dormem
nos anseios
dos pássaros
insulares.
Comovo-me
com palavras felizes:
girassol, campo, andorinha,
céu, riacho, relva,
cavalo, boi, arado…
E mais alguma
procela
de pantempo
que move
o presságio.
O corcel
do universo
é amarelo
e vagueia
em seu abismo
de imagens.
O que tenho?
Miro a fonte
dos segredos.
A poesia é fuga…
Um partir desorientado
a seguir o rumo
do desencontro…
Correm fantasmas
nas noites
que clareiam
a alma
pé ante pé
na arribação
do cosmos
na agonia
que transcende
as velas
espantadas
do passado…
Cruzeiro do Sul (AC), Amazônia, 05 de abril de 2020.
==
ISOLAMENTO
“vamos dar vazão a toda essa dor,
porque se o fizermos juntos,
poderemos suportá-la.”
Concita de Gregorio
palavra nenhuma
suporta
a dor da solidão.
declaro o nome
dos meus mortos
no tempo
e trago para mim
a sílaba etérea
dos seus sonhos.
isolo os cravos
no crepúsculo,
porque sei
da porta
escura
da hora
seguinte.
só morrerei
na noite
em que estacado,
o meu coração
desistir de mim.
não posso
coexistir
mitigado
e desprovido
de amor.
quem poderá?
quem sobreviverá
ao fogo solitário
da vida
que preserva
o mistério
e a ironia
do não ser?
à distância,
prego o que sofro,
já que
no sofrimento
posso alegrar
o meu próprio fim.
ao norte do mar
da minha vida,
longe das areias
que perfuraram
os meus pés,
choro às escondidas.
poeta, pretérito do futuro,
o futuro no passado largo,
quem poderá
unir a alma
aos sussurros inaudíveis
do tempo?
quem poderá
escutar a beleza de um poema
quando tudo
for escuridão?
quem ainda terá rosto
para exprimir o atônito
negrume de uma
desesperança?
Cruzeiro do Sul (AC), Amazônia, 31 de março de 2020.
=
CINZA
Para Jorge Tufic (1930-2018)
Terminei esta manhã
de quarta-feira de cinzas
como a natureza do tempo
apresenta-se agora.
O vento espalha-se frio
é chuva que vem
dizer
que a saudade é
um murmurar melancólico.
Deus começa a chorar, Tufic!
Depois do reinado festivo
do momo
gota a gota, fico a relembrar
os seus versos a uísque
doze anos.
Guardanapos, pássaros, retratos,
noites, varandas, fraturas do Líbano...
Seu ócio secreto!
Os espantos amazônicos!
Vou lendo a tarde extrema
da sua floresta interior
e o coração hermético
dos seus mistérios,
a memória não espera.
A vida ainda é dor,
onde deuses abrigam
lágrimas e lembranças.
Velho amigo boêmio,
Jorge Tufic – derradeiro
Poeta de antanho –
na ressaca deste
e de outros milhentos
silêncios.
Parnaíba, costa do Piauí,
14 de fevereiro de 2018.
Poemas extraídos do livro "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa.
Ensaio de Isaac Melo, poeta, professor, licenciado e especializado em Filosofia pela PUC-PR. Editor do blog Alma Acreana.