Capa da obra "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa
Capa da obra "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa

Rosa numinosa” é o mais recente trabalho poético de Diego Mendes Sousa, esse piauiense de Parnaíba, que além de poeta, jornalista e advogado, é indigenista especializado da Fundação Nacional do Índio, com atuação em Cruzeiro do Sul-AC, no Vale do Juruá.

Diego é poeta de projeção nacional, cujo talento se afirma como um dos mais robustos e proeminentes. Sua presença em Cruzeiro do Sul faz-me recordar do também grande poeta paulista Martins Fontes, que, ali, esteve na primeira década do século XX, como médico, deixando, inclusive, um trabalho escrito, “O Acre, estudos de higiene rural” (1908).

“Rosa numinosa” foi gestado quase todo no Acre, e publicado sob os auspícios do Instituto Amostragem, de Teresina-PI. É um livro surgido no contexto pandêmico, e das novas premências da humanidade; e, de modo mais específico, da realidade amazônica vivida e sentida pelo poeta, ele que é, marcadamente um poeta de “alma litorânea”.

Um dos mais belos trabalhos do poeta, “Rosa numinosa” traz, ainda, as belíssimas ilustrações e capa do artista Paulo Moura. O livro é um lume, uma luz nesses tempos trevosos, uma rosa de esperanças frente uma realidade marcada pela constante ameaça e desrespeito pela vida, sobretudo, a amazônica, com seus povos e sua imensurável biodiversidade. É uma obra que engrandece a poesia brasileira.

Diego Mendes Sousa é, ainda, autor de Divagações (2006); Metafísica do Encanto (2008); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2010); Fogo de Alabastro (2011); Candelabro de Álamo (2012); Alma Litorânea (2014); Coração Costeiro (2016); O Viajor de Altaíba (2019); Gravidade das Xananas (2019); Tinteiros da Casa e do Coração Desertos (2019); Velas Náufragas (2019); Fanais dos Verdes Luzeiros (2019) e Rosa Numinosa (2022).

“Rosa numinosa” pode ser adquirida diretamente com o autor.

As demais obras estão disponíveis no site da Editora Penalux:

https://www.editorapenalux.com.br/.../Diego_Mendes_Sousa

 

 

GESTA DO PANTEMPO

 

“Quero é perder-me no mundo

Para fugir do mundo.”.

Augusto Frederico Schmidt

 

 

 

No fundo,

é tédio.

O desespero

como companheiro,

a tarde desata

os seus tons

de róseo

e cinza.

 

Morre

dentro de mim,

o velho poeta passadista,

que padece

da dor

dos precipícios amargos

e demasiadamente

violentos.

 

A vertigem

do tempo

é uma

sombra

paralítica

a rir dos frágeis

gestos

da testemunha

irrevelada.

 

Trago nos olhos,

a tristeza

das voragens,

uma certa melancolia

acesa,

travada

nos arreios adormecidos

da infância,

que ultrapassa

a existência,

por ser repositório

de saudades

e eternidades

infindas.

 

O sonho

é uma bile negra,

o rastro das descobertas

sem propósitos aparentes.

 

Digo muito

das telhas

despencadas,

dos mistérios

que dormem

nos anseios

dos pássaros

insulares.

Comovo-me

com palavras felizes:

girassol, campo, andorinha,

céu, riacho, relva,

cavalo, boi, arado…

E mais alguma

procela

de pantempo

que move

o presságio.

 

O corcel

do universo

é amarelo

e vagueia

em seu abismo

de imagens.

 

O que tenho?

 

Miro a fonte

dos segredos.

 

A poesia é fuga…

Um partir desorientado

a seguir o rumo

do desencontro…

 

Correm fantasmas

nas noites

que clareiam

a alma

pé ante pé

na arribação

do cosmos

na agonia

que transcende

as velas

espantadas

do passado…

 

Cruzeiro do Sul (AC), Amazônia, 05 de abril de 2020.

 

 

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ISOLAMENTO

 

“vamos dar vazão a toda essa dor,

porque se o fizermos juntos,

poderemos suportá-la.”

Concita de Gregorio

 

 

palavra nenhuma

suporta

a dor da solidão.

 

declaro o nome

dos meus mortos

no tempo

e trago para mim

a sílaba etérea

dos seus sonhos.

 

isolo os cravos

no crepúsculo,

porque sei

da porta

escura

da hora

seguinte.

 

só morrerei

na noite

em que estacado,

o meu coração

desistir de mim.

 

não posso

coexistir

mitigado

e desprovido

de amor.

 

quem poderá?

quem sobreviverá

ao fogo solitário

da vida

que preserva

o mistério

e a ironia

do não ser?

 

à distância,

prego o que sofro,

já que

no sofrimento

posso alegrar

o meu próprio fim.

 

ao norte do mar

da minha vida,

longe das areias

que perfuraram

os meus pés,

choro às escondidas.

 

poeta, pretérito do futuro,

o futuro no passado largo,

quem poderá

unir a alma

aos sussurros inaudíveis

do tempo?

 

quem poderá

escutar a beleza de um poema

quando tudo

for escuridão?

quem ainda terá rosto

para exprimir o atônito

negrume de uma

desesperança?

 

Cruzeiro do Sul (AC), Amazônia, 31 de março de 2020.

 

=

 

CINZA

Para Jorge Tufic (1930-2018)

 

Terminei esta manhã

de quarta-feira de cinzas

como a natureza do tempo

apresenta-se agora.

 

O vento espalha-se frio

é chuva que vem

dizer

que a saudade é

um murmurar melancólico.

 

Deus começa a chorar, Tufic!

Depois do reinado festivo

do momo

gota a gota, fico a relembrar

os seus versos a uísque

doze anos.

 

Guardanapos, pássaros, retratos,

noites, varandas, fraturas do Líbano...

Seu ócio secreto!

Os espantos amazônicos!

Vou lendo a tarde extrema

da sua floresta interior

e o coração hermético

dos seus mistérios,

a memória não espera.

 

A vida ainda é dor,

onde deuses abrigam

lágrimas e lembranças.

 

Velho amigo boêmio,

Jorge Tufic – derradeiro

Poeta de antanho –

na ressaca deste

e de outros milhentos

silêncios.

 

Parnaíba, costa do Piauí,

14 de fevereiro de 2018.

 

Poemas extraídos do livro "Rosa numinosa" (2022), de Diego Mendes Sousa.

 

Ensaio de Isaac Melo, poeta, professor, licenciado e especializado em Filosofia pela PUC-PR. Editor do blog Alma Acreana.