Centro de Teresina em registo do IBGE, em 1957
Centro de Teresina em registo do IBGE, em 1957

[*Carlos Evandro Martins Eulálio]

Cheguei à Baixa da Égua em 1952, aos seis anos de idade, quando meu pai adquiriu uma casa na rua Benjamim Constant 877, no trecho entre a rua Firmino Pires e a rua Riachuelo, a pouca distância do rio Parnaíba. Exatamente no local mais acidentado da rua. Por ali não circulavam carros, bicicletas e carroças.   

Baixa da Égua, assim chamada, porque na rua havia um extenso grotão. Diz-se que pelos idos dos anos 40 uma égua que pastava nesse grotão fora perseguida por um cavalo. Ela tropeçou num barranco e, após ter seu pescoço quebrado, morreu horas depois. A égua apodreceu no local. Nessa época não havia serviço de limpeza pública nem coleta de lixo. Quando as pessoas passavam sentiam o mau cheiro e muitos diziam que era por causa da égua que ali tinha morrido. Anos mais tarde, os moradores da Baixa da Égua não sentiriam o mau cheiro da égua, mas a ameaça de lascas de pedras em suas cabeças provenientes do bombardeio para limpeza da área onde seria construída a Praça Landri Sales (Praça do Liceu), na gestão do prefeito Agenor Barbosa de Almeida (1955-1959). Soube de algumas pessoas atingidas em suas cabeças por essas pedras quando se encontravam nos quintais de suas casas.  

Na rua da Baixa da Égua e no seu entorno, vivi os melhores dias da infância e parte de minha adolescência. Cenário de inesquecíveis brincadeiras e de fatos surpreendentes. Nas proximidades de minha casa, na esquina da rua Firmino Pires, havia a Quinta-Velha, um terreno baldio, não se sabia de quem. Ali a criançada jogava bola, triângulo e peteca. Havia também o campo da Fiação como segunda alternativa, próximo à antiga Cia. de Fiação e Tecidos Piauiense. Posteriormente, a Quinta Velha abrigou os ensaios da Escola de Samba Sambão lá pelos idos dos anos 70. E a Cia. de Fiação é sede de uma das lojas do Armazém Paraíba. Outros divertimentos faziam parte do dia a dia da meninada da Baixa da Égua: os banhos na coroa do Paranaíba, visitas à cadeia pública, que ficava nas proximidades do atual Verdão, próxima ao antigo Hospital Psiquiátrico de Teresina. Num desses passeios à Cadeia Pública conheci o presidiário Catanã, que se misturava às crianças e aos visitantes, contando sua história de vida.

Deslocava-me a pé para a Escola Modelo Artur Pedreira, localizado após o Parque da Bandeia, onde aos 7 anos ingressei no Jardim da Infância e prossegui os estudos primários, sendo aluno nos anos seguintes da professora Elza Marques. E para cursar o ginásio no Liceu Piauiense, onde assisti a memoráveis aulas dos professores A. Tito Filho, Edgar Tito, Lizandro Tito, Cristina Leite entre outros. Meus passeios consistiam de casa para a praça Rio Branco e Praça Pedro II onde havia retreta nas tardes de domingo. Fazia lanche no bar Carvalho: empada de carne com guaraná tufi. Mais adiante, na praça Saraiva predominavam as garapeiras que serviam caldo de cana com pão de massa fina.

Todos os dias pela manhã acompanhava meu pai ao Mercado Velho para comprar carne, frutas e verduras. A Baixa da Égua ficava perto de tudo. Vez por outra seus moradores eram surpreendidos com alguma novidade que deixava os meninos exultantes, como a visita da gaúcha Maria José Cardoso, miss Brasil 1956, à casa do carcamano Abdala Cury, levada pelo irmão, jornalista Karan Jorge Cury. Este não pôde conter a curiosidade das crianças que sem permissão invadiram a residência do anfitrião para ver de perto a miss Brasil.  A Baixa da Égua também teve a sua Miss Piauí, Vera Zorina, em 1959, nossa vizinha na Benjamim Constant. Próximo a minha casa, morava um sanfoneiro de nome Sinhô. Foi lá que conheci Luiz Gonzaga. Diz-se que Gonzaga em cada cidade aonde chegava gostava de visitar os sanfoneiros da terra.

Na Igreja do Amparo assistia às missas celebradas em latim pelo admirável e querido Monsenhor Chaves. Duravam em média 20 minutos. Anos mais tarde, Monsenhor Chaves celebraria meu casamento, num dia de sábado, após a missa das 6h. Na tarde do dia anterior, estive com ele para a confissão de praxe, ocasião em que me disse em tom de advertência: esteja na igreja pontualmente após a missa, às 6h20 da manhã, pois às 7h tenho compromisso com D. Avelar no Palácio Episcopal. Em menos de 20 minutos estava casado. Assisti também no adro da Igreja de São Benedito a algumas solenidades religiosas do I Congresso Eucarístico de Teresina, no ano de 1960.  

Não muito longe de casa, na praça Pedro II, presenciei nos braços de meu pai os desfiles de estudantes e de militares em comemoração ao centenário de Teresina, em 1952. Recordo-me ainda do arco triunfal de madeira, erguido na Praça Pedro II, como peça decorativa do evento. Na minha adolescência, assistia aos sábados e domingos nossos filmes de cawboy nos cines Rex e Teatro 4 de Setembro. Inesquecíveis. Ainda me lembro: O Cofre Enterrado com Roy Rogers e Fúria no Alaska, com John Weine, dirigido por John Ford.  Assistia também à série do Zorro, que nos emocionava a cada capítulo semanal. Na praça Pedro II havia quase todos os anos o show Vigorelli com apresentação de cantores do rádio da velha guarda, Roberto Luna, Caubi Peixoto, Ângela Maria, Sivuca, Nelson Gonçalves, Luiz Gonzaga, Jorge Goulart, Nora Ney entre outros que se exibiam numa carroceria de caminhão improvisada como palco. Tudo de graça para divertimento de multidões. No auditório da Rádio Difusora assistia nas manhãs de domingo aos programas dos radialistas Rodrigues Filho e Al Lebre. Foi lá que conheci Alcides Gerardi e uma cantora baixinha de nome Claudete Soares. Mais tarde tornar-se-ia famosa. Havia também os comícios da UDN na praça Rio Branco e os do PSD e PTB na praça Pedro II. Nesses comícios vi de perto o Marechal Lott e Jânio Quadros, além dos candidatos a vice na época, Jango e o deputado Fernando Ferrari. Também na praça Rio Branco assistia ao corso nas tardes de carnaval e pelas manhãs aos matinés do Clube dos Diários exclusivamente para as crianças. No Estádio Lindolfo Monteiro vi a miss Piauí Teresinha Alcântara dar o chute inicial no amistoso entre Ríver e o Botafogo do Rio de Janeiro. Era sempre uma alegria renovada ver o Ríver jogar. Ter tudo isso ao seu alcance, só mesmo morando na Baixa da Égua, na zona norte de Teresina, próximo ao coração do centro antigo de nossa cidade.   

*Carlos Evandro Martins Eulálio é crítico literário e membro da Academia Piauiense de Letras