ELMAR CARVALHO

 

Em registro do dia 4 de setembro de 1928, leio, no Diário Secreto de Humberto de Campos, publicado pelo Instituto Geia em 2010, que um dos grandes desejos do grande poeta Gonçalves Dias, quando criança, era possuir um exemplar do livro História do Imperador Carlos Magno e dos doze pares de França. Seu pai, o comerciante João Manuel, português, atendeu-lhe esse anseio. O imenso encantamento do futuro poeta era pensar que todas as narrativas da obra fossem verdadeiras. Acrescenta o diarista que foi um dia de grande tristeza para o menino “aquele em que o pai lhe arrancou essa ilusão”.

 

Humberto de Campos revela que leu essa obra quando tinha dez ou onze anos, na cidade de Parnaíba. Diz que ela exerceu sobre a sua imaginação infantil ingênua influência. Faz-lhe uma síntese dos relatos mais importantes. De minha parte, afirmo que li essa História, aproximadamente, quando tinha a mesma idade de HC, porém como nunca mais o reli ou mesmo o folheei, já que o exemplar foi logo devolvido, uma vez que não era propriedade de meu pai, pouco recordo de seus episódios, lutas e conquistas.

 

Entretanto, com relação ao Mártir do Gólgota, de Perez Escrich, que li mais ou menos nessa faixa etária, guardei muitas de suas várias narrativas, exatamente porque reli as suas páginas que eu maltratara, quando tinha de dois para três anos, sob o olhar indulgente de minha avó paterna. Ficava um tanto frustrado quando não podia acompanhar o desfecho do episódio narrado, por causa das folhas perdidas, mas mesmo assim essa vida romanceada de Jesus acendeu a minha imaginação em meus dias de menino.

 

Mais adiante, Humberto de Campos confessa que, aos trinta anos de idade, tentou reler novamente a História do Imperador Carlos Magno, mas que não chegou à quinta página, porque, segundo seu entendimento, a beleza do poema de cavalaria não estava, “evidentemente, nos seus capítulos, mas na minha imaginação infantil”. Encerra melancolicamente a nota afirmando que é um livro que não irá reler, porquanto, ao fechar suas páginas, teria saudades de si mesmo. Conforme já tive oportunidade de contar, a partir de meus vinte e poucos anos tentei reler O Mártir do Gólgota, que já fora completamente extraviado nas mudanças residenciais de minha família, inclusive com a ajuda de meu pai, que apelou para amigos seus, à procura de antigo exemplar desse romance histórico, que há várias décadas não mais foi editado no Brasil, inclusive para o monsenhor Antônio Monteiro de Sampaio, que fora meu professor na UFPI – Campus Ministro Reis Velloso. Essa busca foi inútil.

 

Quando eu já me aproximava dos 40 anos de vida, consegui adquirir um velho exemplar de O Mártir do Gólgota, em negócio que me saiu um tanto caro, pois ainda não havia os sebos internéticos. Após relê-lo, emprestei-o a meu pai, que também desejava reapreciá-lo. Felizmente, não tive a decepção experimentada por Humberto de Campos em relação à História do Imperador Carlos Magno, porquanto o reli com prazer e vívido interesse. É verdade que não senti o mesmo encantamento de quando era garoto, em que as personagens pareciam ganhar vida em minha imaginação, em que eu parecia ver as cenas narradas saltarem das páginas do velho livro para uma tela de cinema, como se fora um filme épico, arte que sempre admirei, desde os meus tempos de criança.