acervo do autor
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— Opa.

— Opa.

— Tudo bem?

— Tudo.

— O que cê vai fazer sábado?

— O que faço todos os sábados: nada.

— Vamo no encontro do sindicato?

— Onde?

— Em BH. Cê não viu no Instagram?

— Não.

— Cê não segue o sindicato?

— Seguir, eu sigo. Mas o algoritmo não me entrega essas postagens.

— Vamo?

— Vamos.

— O Butico vai também.

— Tá.

— Tô querendo ir na madrugadinha. Pode ser?

— Pode.

— Depois então a gente marca direitinho a hora.

—Tá.

Ele sai — mãos e olhos grudados no celular.

Enfim, posso mijar em paz.

***

Deixamos a cidade quando a noite se desmanchava em púrpura e lilás nas curvas da estrada.

Retornamos no domingo, depois do brequefeste — menos o Butico, que, como sempre, quis aproveitar um pouco mais das alterosas.

Agora estou aqui: preenchendo burocraticamente o formulário de reembolso, depois de escanear os comprovantes de alimentação — o sanduíche e a limonada suíça comprados no caminho, o cheeseburguer com fritas e os dois abstêmios drinques da noite de sábado.

— Opa.

— Opa.

— Já enviou isso aí?

— Ainda não.

— Deixa pra eu preencher os campos de baixo.

— Hein?

— Percurso, placa e nomes dos acompanhantes é comigo.

— Por quê?

— Porque é o dono do carro que preenche, entendeu?

— Tá.

— Ó, o Butico arrumou cupom fiscal do almoço pra gente.

— Mas... se não almoçamos no domingo…

— E o sindicato precisa saber? Não. Então toma o seu; o meu já escaneei.

— Quando depositarem o dinheiro, é pra repassar esse valor pro Butico?

— Claro que não, cara. É todo seu.

— Tá.

Ele sai — mãos e olhos grudados no celular.

Eu encaro novamente a papelada à minha frente.

 Recordo aquele poema do Affonso Romano de Sant’Anna que me fizeram decorar na sétima série.

E, murmurando sua clássica pergunta, pego novamente a Compactor Economic.