Que país é este?
Por Raphael Cerqueira Silva Em: 21/10/2025, às 20H28
— Opa.
— Opa.
— Tudo bem?
— Tudo.
— O que cê vai fazer sábado?
— O que faço todos os sábados: nada.
— Vamo no encontro do sindicato?
— Onde?
— Em BH. Cê não viu no Instagram?
— Não.
— Cê não segue o sindicato?
— Seguir, eu sigo. Mas o algoritmo não me entrega essas postagens.
— Vamo?
— Vamos.
— O Butico vai também.
— Tá.
— Tô querendo ir na madrugadinha. Pode ser?
— Pode.
— Depois então a gente marca direitinho a hora.
—Tá.
Ele sai — mãos e olhos grudados no celular.
Enfim, posso mijar em paz.
***
Deixamos a cidade quando a noite se desmanchava em púrpura e lilás nas curvas da estrada.
Retornamos no domingo, depois do brequefeste — menos o Butico, que, como sempre, quis aproveitar um pouco mais das alterosas.
Agora estou aqui: preenchendo burocraticamente o formulário de reembolso, depois de escanear os comprovantes de alimentação — o sanduíche e a limonada suíça comprados no caminho, o cheeseburguer com fritas e os dois abstêmios drinques da noite de sábado.
— Opa.
— Opa.
— Já enviou isso aí?
— Ainda não.
— Deixa pra eu preencher os campos de baixo.
— Hein?
— Percurso, placa e nomes dos acompanhantes é comigo.
— Por quê?
— Porque é o dono do carro que preenche, entendeu?
— Tá.
— Ó, o Butico arrumou cupom fiscal do almoço pra gente.
— Mas... se não almoçamos no domingo…
— E o sindicato precisa saber? Não. Então toma o seu; o meu já escaneei.
— Quando depositarem o dinheiro, é pra repassar esse valor pro Butico?
— Claro que não, cara. É todo seu.
— Tá.
Ele sai — mãos e olhos grudados no celular.
Eu encaro novamente a papelada à minha frente.
Recordo aquele poema do Affonso Romano de Sant’Anna que me fizeram decorar na sétima série.
E, murmurando sua clássica pergunta, pego novamente a Compactor Economic.

