Quadrinhos: de Jim das Selvas a Jim del Monaco

Jovens criadores portugueses conseguiram produzir uma série de estórias em quadrinhos não-colonialistas, ainda que, como nos casos de Tarzan e Jim das Selvas, ambientadas na África.


 

 

 

   

 

" Luís Louro [ILUSTRADOR PORTUGUÊS QUE, COM ANTÔNIO SIMÕES, CRIOU JIM DEL MONACO]
Luís Louro nasceu em Lisboa, em 1965 e estudou na Escola de Artes Decorativas António Arroio. Começou a fazer banda desenhada [HQ, ESTÓRIAS EM QUADRINHOS] em parceria com o argumentista António Simões em 1985, ano em que viram publicada a sua primeira história na revista Mundo de Aventuras. Foi no mesmo ano que surgiu o emblemático Jim Del Mónaco, no suplemento Tablóide do Diário Popular. No ano seguinte a dupla publicaria o primeiro álbum desta personagem, cujas aventuras se espraiaram por mais sete títulos, até 1994. Sensivelmente a meio deste percurso, entre 1989 e 1992, Louro e Simões publicariam ainda três títulos da série Roques & Folque, até que Louro passou a escrever os seus próprios argumentos". (...)"

(http://sergeicartoons.blogs.sapo.pt/arquivo/2005_06.html)

 

 

 

 

             SOBRE O GRANDE MESTRE DOS QUADRINHOS ALEX RAYMOND (1909 - 1956)

"Alexander Gillespie (Alex) Raymond was born in New Rochelle, New York, as the son of an engineer. Although he showed an early interest in drawing, he had his first job as an order clerk in Wall Street. When the economic crisis hit the USA in 1929, he enrolled in the Grand Central School of Art in New York City. A year later he started working with Russ Westover, the creator of 'Tilly the Toiler' and was introduced to King Features Syndicate. (...)".
(http://www.lambiek.net/artists/r/raymond.htm;)


 

http://www.lambiek.net/artists/r/raymond/raymond_flash.jpg

 

 

 

 

 

 

 

 

 

  

 

 

 

SOB O TRAÇO DO LENDÁRIO ALEX RAYMOND,

BEIJO AFETUOSO DE CASAL APAIXONADO

CONTRASTA COM FORMAÇÃO MILITAR

RÍGIDA MOSTRADA NO SEGUNDO PLANO DO QUADRO

(SÓ O QUADRINHO, SEM A LEGENDA ACIMA

REDIGIDA: http://www.lambiek.net/artists/r/raymond.htm;

A SEGUIR, DA MESMA PÁGINA DA WEB, DEDICADA

AO IMORTAL RAYMOND, OUTROS QUADROS ESTUPENDOS,

POR ELE DESENHADOS)

 

 

Flash Gordon by Alex Raymond
 

Jungle Jim, by Alex Raymond (1939)
Jungle Jim (1939)
 

Rip Kirby, by Alex Raymond 1949
Rip Kirby (11-5-1949)


Flash Gordon by Alex Raymond
Flash Gordon (1938)

 
Alex Raymond about his comic art:

"I decided honestly that comic art is an art form in itself. It reflects the life and times more accurately and actually is more artistic than magazine illustration - since it is entirely creative. An illustrator works with camera and models; a comic artist begins with a white sheet of paper and dreams up his own business - he is playwright, director, editor and artist at once." [O GRIFO NÃO ESTAVA NO ORIGINAL, Coluna "Recontando..."]


Raymond's mercedes is Rip Kirby, July 1956

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Alex Raymond often depicted his Mercedes SL300
in his comic strip, such as here from 2 July 1956,
only two months before he died in a car crash.

Flash Gordon at KingFeatures.com".

 

 

 

 

 

 
 
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CAPA DE ÁLBUM DE HQ Jim del Monaco, DOS AUTORES PORTUGUESES, MUITO JOVENS QUANDO DO LANÇAMENTO DESSE LIVRO, LOURO E SIMÕES

(http://www.misteriojuvenil.com/forum/viewtopic.php?p=30700&sid=f5d52d927d47a75b0fa00417352640c1)

 

 

 

 

11.10.2010 - Em matéria de estórias em quadrinhos, é possível o leitor ser, ao mesmo tempo, fã do clássico colonialista dos quadrinhos JIM DAS SELVAS e do inventivo não-colonialista (anticolonialista?) JIM DEL MONACO, dos jovens autores portugueses Louro e Simões - A explicação é simples: ambos os personagens são os resultados de esforços artístico-literário-criativos de profissonais de comprovado talento [ISSO PARA NÃO SE MENCIONAR QUE, INICIALMENTE, JIM DAS SELVAS FOI DESENHADO PELO LENDÁRIO ILUSTRADOR ALEX RAYMOND]. Se era de se esperar que, além de Tarzan, o homem-macaco, surgisse um herói que não tenha sido criado no meio da selva africana, por chimpanzés (JIM DAS SELVAS é uma espécie de TARZAN civilizado desde criancinha), várias décadas depois de JIM DAS SELVAS, algo como uma paródia da ideologia colonialista claramente marcada em JIM DAS SELVAS pedia aparição. Esse surgimento, em grande estilo (mas não precisando ser, necessariamente, EM CORES [AS CAPAS SÃO COLORIDAS]), aconteceu em Portugal, onde Louro e Simões criaram JIM DEL MONACO, para alegria de seus leitores, que continuaram a, felizmente, curtir aventuras NAS SELVAS, mas sem a expressão da ideologia colonialista sempre presente em JIM DAS SELVAS.  Para quem não conhece JIM DEL MONACO, alguns elementos informativos sobre essa formidável criação dos (naqueles anos 1980) recém-saídos da adolescência Louro e Simões são, com alegria, aqui apresentados. À memória dos autores do antigo Jim das Selva e do recente Jim del Monaco este esforço de internáutica apresentação é dedicado. Boa semana! F. A. L Bittencourt ([email protected])

 

 

 

 

VERBETE 'JIM DAS SELVAS', Wikipédia

 

"Jungle Jim

(traduzido como Jim das Selvas) é um personagem das  histórias em quadrinhos

que luta contra piratas, comerciante de escravos e um vilão chamado Cobra, além de enfrentar os perigos da selva. Ele pode ser considerado uma versão mais "civilizada" e "madura" de Tarzan. O nome do seu parceiro é Kolu [1].

.

"Jungle Jim" Bradley , o Jim das Selvas no Brasil, apareceu pela primeira vez como uma tira de histórias em quadrinhos em 1934, escrita por Don Moore e desenhada por Alex Raymond, famoso desenhista de personagens clássicos como o Flash Gordon e o Agente Secreto X-9.

Depois de Raymond, Jim das Selvas foi desenhado por John Mayo, Paul Norris (criador de Aquaman), e Don Moore. A tira acabou em 1954.

Índice

Revistas em quadrinhos

A Ace Comics republicou as tiras em forma de revistas (comic books). A Dell Comics publicou séries de 1953-1959. Em 1966-1967, a King Features Syndicate publicou a revista Jungle Jim, até o número 5. A Charlton Comics continuou as revistas por mais sete números, de 1969-1970.

No Brasil

No Brasil o personagem estreou no Suplemento Infantil do jornal A Nação criado por Adolfo Aizen.[2]

Adaptações

Referências

  1. Marcelo Naranjo. Jim das Selvas. Universo HQ.
  2. , Gonçalo Júnior Editora Companhia das Letras, A guerra dos gibis: a formação do mercado editorial brasileiro e a censura aos quadrinhos, 1933-1964, 2004. ISBN 8535905820, 9788535905823

Ligações externas

(http://pt.wikipedia.org/wiki/Jungle_Jim)

 

 

 

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"Sábado, 15 de agosto de 2009


JIM DAS SELVAS (JUNGLE JIM, JIM DE LA SELVA)

Ao término da série cinematográfica das antigas Matinês de Cinema com o personagem Tarzan, com o mais famoso ator que incorporou o rei das selvas, Johnny Weismuller, e apesar de um pouco mais gordo, principalmente ao redor da cintura, já estava na hora de fazer a transição de Tarzan para um outro personagem. Embora houvesse uma pobreza na produção, segundo os críticos da época, os espectadores, principalmente as crianças gostaram de ver essa mudança, embora os adultos ainda ficassem nostálgicos em ver Johnny como Tarzan. A primeira experiência de Weismuller como Jim das Selvas não foi tão ruim assim, principalmente para um filme dirigido principalmente as crianças e também porque era muito divertido aos adultos ver ele fora dos filmes de Tarzan. O personagem fez sua estréia no Cinema em 16 filmes longas, sempre com Johnny Weismuller no papel principal, entre 1948 e 1955.
 

De 1955 a 1956, a Screen Gems passou a produzir a série de TV de Jim das Selvas, num total de 26 episódios, mantendo Johnny Weissmuller como estrela principal. A série televisiva era muito inferior aos filmes, pois a produção era bem mais barata e os episódios preservavam uma tendência menos fantásticas que a dos filmes. A série da TV foi dirigida por Earle Bellamy e Don MacDougall. A produção da série para a TV, tem seu inicio em 1954, quando os filmes de Jim da Selvas passa para as mãos da subsidiária da Columbia, a Screem Gems, por determinação do produtor Harold Greene que achou uma boa oportunidade de trazer o filme para a televisão, exatamente o Sam Katzman havia feito do teatro um filme, e também porque o produtor achava que essa era a melhor forma de baixar o custo de produção. Quando Johnny Weissmuller completou o seu último filme para a Columbia, ele passou automaticamente a fazer a série de televisão para a Screen Gems, num acordo feito entre Sam Katzman´s Clover Productions e a William Morris Agency, reafirmada em janeiro de 1955. Donald Mcdougall dirigiu a maioria dos episódios, mas os primeiros quatro foram dirigidos por Earl Bellamy.
 

Para a série foi contratado também Norman Fredric para interpretar o amigo confidente, o hindu Kasseen. Norman mudou depois seu nome para Dean Frederic e posteriormente foi o protagonista principal de outra série "Steve Canyon", entre outros. Martin Huston para interpretar o filho de Jim e a volta de Tamba, o chipanzé, que era interpretado por alguns outros da Neal of the World Jungle Compound. O ator Paul Cavanagh também fez algumas participações como Comissário Morrison. Esta foi o primeiro aparecimento dele junto com Weissmuller, desde Tarzan e Sua companheira (Tarzan and His Mate). Ao contrário da maioria dos filmes de Jim das Selvas, a série de televisão usou bastante atores negros para retratar os africanos, embora Jim visitasse também outros continentes, principalmente a selva asiática. Cada episódio da série tinha aproximadamente 25 minutos e quase sempre Jim aparecia envolvido em algum mistério ou ajudando algum nativo contra os homens brancos, assim como era freqüente os temas envolvendo Jim ensinando uma lição ao seu filho. Para viajar Jim tinha um avião.



Algumas das cenas da série foram filmadas no estúdios da MGM que mantinha sua própria selva e rio. Ocasionalmente eram usadas pedaços dos antigos filmes como no episódio intitulado A Lagoa da Morte “Lagoon of Death” para as cenas de A Tribo Perdida "The Lost Tribe" e Fúria do Congo "Fury of the Congo" para ajudar a preencher os 25 minutos. Jim das Selvas foi apresentado originalmente nos Estados Unidos, pela syndication, de 26 de setembro de 1955 até 19 de março de 1956, num total de 26 capítulos de aproximadamente 25 minutos cada episódio. Quando a série de televisão terminou, infelizmente também acabava a carreira de Johnny Weissmuller. Johnny Weissmuller (nome verdadeiro János WeiBmüller), em 2 de junho de 1904, em Banat, na Romênia, veio juntamente com sua família para os Estados Unidos em 1911, quando Johnny tinha 7 anos. Teve uma carreira excepcional como desportista, conquistando cinco medalhas de ouro nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928, estabelecendo 67 recordes mundiais de natação e ganhando 52 campeonatos nacionais. Em 1931 entrou para o cinema e imortalizou-se pela sua interpretação de Tarzan. Depois fez Jim das Selvas, no cinema e para a televisão. Morreu em 20 de janeiro de 1984, em Acapulco, México, vítima de um edema pulmonar, ao lado de sua sexta mulher.
 
SEGUE ABAIXO, OS TÍTULOS DOS EPISÓDIOS DISPONÍVEIS NO ACERVO, DA SÉRIE DA TV, TELECINADOS DE PELÍCULAS DE 16MM, COM A DUBLAGEM ANTIGA DA ÉPOCA:
1.A Lagoa da Morte (The Lagoon of Death) episódio 4
2.O Tigre Assassino (Striped Fury) episódio 19
3.A Sombrinha Dourada (The Golden Parasol) episódio 14

 

2 comentários:

 


JAIRCLOPES disse...

Sou fã do Jim e tentei imitá-lo na minha infância e adolescência. Parabéns pelo texto.


TV A LENHA disse...

Caro amigo Jair, muito obrigado pela visita e pelo comentário, e espero que vc sempre esteja por aqui fazendo uma visita no blog, porque tenho certeza de que muitos outros títulos estão por vir ou já se encontram por aqui, para matar saudades desses bons tempos que não voltam mais, de um tempo da nossa infância e juventude!

Grande abraço

 ". (http://schmidttvalenha.blogspot.com/2009/08/jim-das-selvas-jungle-jim-jim-de-la.html)

 

(http://schmidttvalenha.blogspot.com/2009/08/jim-das-selvas-jungle-jim-jim-de-la.html)

 

 

 

 

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ARTIGO DOS PESQUISADORES DA

UNIVERSIDADE DO MINHO, PORTUGAL

(PROF. DR. LUÍS CUNHA e

PROF. DR. ROSA CABECINHAS),

NO QUAL A CRIAÇÃO DA NONA ARTE (HQ)

DE LOURO E SIMÕES (Jim del Monaco) É

CONSIDERADA RELEVANTE

 

 

A ESTÉTICA E O SENTIDO: MODOS DE REPRESENTAR O NEGRO NA BANDA DESENHADA PORTUGUESA
CONTEMPORÂNEA
Luís Cunha1
Rosa Cabecinhas2
1.
Antes mesmo de clarificar e definir a questão central de que aqui nos
ocuparemos, julgamos ser útil começar por duas breves notas. A primeira prende-se
com a autoria conjunta deste trabalho. Os seus autores, muito embora tenham como
ponto de partida perspectivas e tradições disciplinares diferentes, perceberam que nas
investigações que cada um vinha fazendo existiam pontes e linhas de cruzamento com o
trabalho do outro, sendo proveitoso para ambos aprofundar essa confluência3. Esta
comunicação deve, pois, ser balizada num projecto mais amplo de dinamização de
proximidade de interesses e temas de investigação, estando os autores bem conscientes,
todavia, da dificuldade de cerzir, coerentemente, contributos que assentam em matrizes
teóricas e metodológicas distintas. A segunda nota prévia que aqui queremos deixar,
decorre directamente do que acabámos de afirmar. Servimo-nos dela para assumirmos,
sem ambiguidade, a fase ainda incipiente e exploratória em que este projecto de trabalho
conjunto se encontra, o que significa dizer que o que aqui apresentamos deve ser
considerado mais como ponto de partida do que de chegada. Este carácter exploratório é
particularmente evidente em relação a alguns dos materiais usados nesta comunicação,
concretamente os que dizem respeito à banda desenhada (BD) portuguesa
contemporânea. Na verdade, se em relação a outras épocas históricas esse registo tão
específico foi tratado de forma que podemos considerar sistemática4, ainda que num
contexto e com motivações algo diferentes do que aqui nos move, em relação à época
contemporânea não passámos de uma abordagem inicial, que exige continuidade.
1 Secção de Antropologia, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho.
2 Departamento de Ciências da Comunicação, Instituto de Ciências Sociais, Universidade do Minho.
3 O primeiro resultado tangível dessa tentativa de aproximação foi um artigo publicado na revista Estudos
do Século XX (Cabecinhas & Cunha, 2003).
4 A imagem do negro na BD publicada durante o Estado Novo, constituiu o tema um relatório de aula
teórico-prática, apresentado em provas de Aptidão Pedagógica e Capacidade Científica (Cunha, 1994).
Esse trabalho constitui, por isso mesmo, uma abordagem muito particular, já que visou, em boa medida,
operacionalizar material ilustrativo para uma discussão de âmbito pedagógico.
2
2.
Parece existir uma franca unanimidade, ou pelo menos uma notória
confluência interpretativa, no universo de autores que nos últimos anos se vêm
debruçando sobre o modo como o negro foi entendido e representado durante períodos
marcantes da nossa presença em África, nomeadamente durante o Estado Novo. Esta
convergência ultrapassa as fronteiras disciplinares, expressando-se em objectos de
pesquisa tão diferentes como o modo de representação etnográfica registado na
Exposição Colonial do Porto em 1934 (Medeiros, 2003), as narrativas missionárias
(Valverde, 1997) ou a leitura do colonialismo tal como se expressa no cinema português
(Cunha, P., 2003), para referir apenas alguns exemplos.
Ainda que sem qualquer pretensão de exaustividade, permitimo-nos
esboçar aqui algumas linhas consensuais dessa representação de alteridade. Desde logo,
à cabeça e determinando tudo o resto, a convicção na inferioridade inata do africano, ou,
para sermos mais precisos, dos indivíduos de “raça negra”. Esta é uma convicção com
raízes bem profundas. Encontramo-la no século XIX, por exemplo nas sólidas certezas
de um autor como Oliveira Martins (1880), mas reencontramo-la ainda bem viva nos
anos 40 do século XX, bastando atentar na preocupação com os perigos da
miscigenação, bem evidente em académicos como Mendes Correia ou Pires de Lima5.
Esta crença numa inferioridade natural tem consequências a vários níveis, mas para o
que importa aqui, basta notar que é nela que se sustenta a infantilização do negro, do
mesmo modo que é por ela que se explica a sua resistência ao que se entende ser o
esforço civilizador da colonização. Tal como uma criança pode resistir,
espontaneamente, aos benefícios da educação formal, também a “alma selvagem” se
podia mostrar irredutível aos benefícios da civilização. Neste sentido, o esforço do
educador podia ser entendido como similar ao esforço civilizador, razão que ajuda a
explicar a retórica francamente paternalista assumida pela tutela colonial.
Esta representação do outro, aplicada essencialmente ao africano, muito
embora o colonialismo português não se restringisse a esse continente, sedimentou-se
de uma forma extremamente sólida e estruturada. Sendo certo que tem, como já
5 No que diz respeito ao primeiro veja-se a conclusão a que chega num estudo apresentado no Congresso
Nacional de Ciências da População: “A pureza do sangue português metropolitano é uma condição
essencial da continuidade histórica e moral da Nação” (cit. in Moutinho, 1980: 87). Quanto a Pires de
Lima, é também muito claro o alerta para “o perigo da mistura de raças” que deixa no mesmo Congresso
(1940ª).
3
dissemos, raízes mais remotas, ela povoa, de diferentes formas e a diversos níveis, o
imaginário do Estado Novo. Podemos encontrá-la tanto no discurso missionário a que já
aludimos (Valverde, 1997), como em muitas das comunicações apresentadas no I
Congresso Nacional de Antropologia Colonial (1934) ou ainda em lugares insuspeitos e
de fraca projecção, como é o caso das conferências proferidas a bordo do Cruzeiro de
Férias que em meados dos anos 30 levou um conjunto de jovens portugueses a visitar as
“nossas colónias”6. O que queremos sublinhar a partir destes exemplos dispersos e da
caracterização sumária de algumas das linhas de força do discurso colonial, é que, pelo
menos durante o Estado Novo, este discurso não deixou lugar a ambiguidades: o olhar
sobre os africanos assenta numa superioridade natural e que, por isso mesmo, não se
discute. É certo que essa superioridade não implica um registo uniforme na relação com
o outro. Entram, nas regras dessa relação, critérios de gradação de tolerância, que
conduzem a que a indiscutível superioridade tanto possa ser paternal e tolerante ante as
“criancices” dos negros, como de repulsa e rejeição ante a evocação de práticas
inaceitáveis como o canibalismo ou o desregramento sexual.
3.
Em trabalhos realizados há já alguns anos, e a cujo enquadramento já
atrás nos referimos, foi possível perceber a existência de uma forte convergência entre
os traços fundamentais do discurso colonial do Estado Novo e o modo como o negro era
representado num registo tão específico e singular como o da BD (Cunha, 1994, 1995)7.
Esta sobreposição entre um modelo de representação icónico do negro e o sentido
implícito ou explícito do discurso colonial, é ainda mais sugestiva se colocarmos a
questão numa dimensão temporal. É que a modificação do modelo dominante de
representação acompanha, de forma que julgamos clara, a mutação do discurso colonial.
De facto, o período subsequente ao final da II Guerra Mundial e o momento de eclosão
das guerras coloniais, funcionam como momentos charneira no modo de representação
do negro na BD publicada em Portugal. Muito embora seja possível, e até desejável,
6 Iniciativa da revista O Mundo Português, que também publicará algumas das palestras proferidas a
bordo, este cruzeiro realizou-se em 1935, tendo como director cultural Marcelo Caetano e como objectivo
explícito criar o “mais entranhado amor pelo nosso vasto império” (O Mundo Português, 1934: 308).
7 Nem nesses trabalhos, nem na abordagem que mais à frente faremos, se procurou discutir o estatuto da
BD no universo mais amplo da produção literária e artística portuguesa, nem sequer uma análise da
gramática da BD, ou seja, de elementos morfo-sintácticos e dos eixos sintácticos (Zink, 1999: 23 sgg.).
Procurámos apenas fazer uma leitura analítica do modo como as personagens negras aí são representadas,
quer do ponto de vista gráfico, quer do discurso verbal.
4
introduzir algumas nuances que matizem esta análise, nomeadamente uma certa
ambivalência que se pode observar nos momentos de transição, é possível definir, entre
a década de trinta e o começo da década de setenta, três modelos dominantes sucessivos
de representação do negro na BD.
Num primeiro período encontramos como traços fundamentais a
expressão de uma diferença irredutível, surgindo a agressividade como elemento
recorrente. O negro é naturalmente inferior, e dessa verdade indiscutível decorre um
conjunto de factos que enformam a representação: a participação em práticas inumanas,
como o canibalismo; a agressividade gratuita, que não nega, antes confirma, a cobardia;
uma infantilização evidente e desqualificadora, etc. Estes sinais de diferença, que são
fortes e consistentes, parecendo derivar da natureza, devem ser combatidos com o
esforço civilizador do homem branco, que, todavia, não é aceite pacificamente. A
resistência do africano surge-nos como decorrendo de uma espécie de aprisionamento
em que vivem. Seja pelo temor da natureza indómita, pejada de animais selvagens e de
outros perigos, seja pelo peso da superstição ou de outras amarras, o negro surge como
uma criança grande que não consegue libertar-se do seu viver incivilizado e selvagem. O
seu aspecto pode até ser ameaçador, mas essa é uma característica que serve
fundamentalmente para evidenciar a diferença, não obstando a manifestações frequentes
de cobardia, que contrastam, de forma bem clara e sublinhada, com a coragem dos
brancos.
No segundo período, que se define após o termo da II Guerra Mundial,
impõe-se o valor da assimilação, quer dizer, a crença na possibilidade de trazer o
africano para o universo “civilizado”, mas essa ascensão depende, em última instância,
da sua submissão aos valores que o colonialismo transporta. Na verdade, o que este
período revela de mais importante, é uma representação dúplice do africano: uma
positiva se existe aceitação da “civilização”, isto é, se existe submissão e lealdade ao
branco; outra negativa se o negro “insiste” em permanecer mergulhado na “selvageria”.
Dito de outra forma: é necessário que o africano reconheça a inferioridade dos seus
valores e do seu modo de vida para que a integração seja possível. Em contraponto a
uma representação plana e uniforme do negro, que marcou a época precedente, temos
agora uma demarcação entre bons e maus negros, sendo o homem branco e “civilizado”
que detém a autoridade legítima para controlar essa distinção.
Também o terceiro período, à semelhança dos anteriores, acompanha as
transformações históricas da relação de Portugal com o Império e nessa medida também
5
do discurso colonial. Trata-se de um período definido pelo fantasma da descolonização
e pela eclosão das guerras coloniais e que, em relação ao período anterior, impõe uma
mudança significativa. Trata-se da imposição de um critério nacionalista na percepção
do africano. Nesta fase, também o universo civilizado surge cindido entre “bons” e
“maus” brancos, pelo que o critério de pertença e integração já não decorre apenas da
renúncia ao universo “selvagem”, mas sim da participação do espírito de portugalidade8.
Os “maus” portugueses, aqueles que por ingenuidade ou filiação a interesses
estrangeiros, combatem ou contestam a nossa “vocação imperial”, podem surgir
associados aos “maus” africanos. Estes têm agora novos tópicos de expressão do seu
“selvagismo”, nomeadamente a participação nos movimentos “terroristas”9.
4.
Procurámos, até agora, expor as características da modelização do
africano negro durante o Estado Novo, chamando a atenção para dois aspectos que nos
parecem decisivos. Por um lado, a partir de um plano geral e difuso, procurámos vincar
a consistência e coerência de uma mensagem, que, apesar disso, tem diferentes lugares
de elaboração e visa destinatários e objectivos diferentes. Por outro lado, partindo de um
focus muito específico, como é o caso da BD, pudemos perceber um outro nível de
coerência na mensagem, exactamente o que decorre da articulação da representação do
negro com o sentido dominante do discurso político e ideológico.
Coloquemos agora de lado esta perspectiva diacrónica e a relevância
histórica do modelo, para nos centrarmos na realidade que nos é temporalmente mais
próxima. Procuraremos, em primeiro lugar, enquadrar algumas das questões que nos
parecem centrais, servindo-nos para tanto dos resultados de uma investigação sobre
estereótipos na sociedade portuguesa (Cabecinhas, 2002). No âmbito dessa
investigação, realizada entre estudantes portugueses e estudantes angolanos residentes
em Portugal10, foram efectuados um conjunto de estudos, entre nos quais se procurou
8 Alguns dos traços irredutíveis nas fases anteriores, como a língua, que era sempre uma espécie de
“africanês”, deixam de o ser nesta fase.
9 Por uma questão de economia de espaço, mas fundamentalmente porque não é este o argumento que
aqui queremos desenvolver, não ilustramos nenhuma destas etapas com gravuras. De qualquer forma,
quer a ilustração quer o desenvolvimento destas ideias pode ser encontrado em Cunha, 1994, 1995.
10 Deve salientar-se que nessa investigação se trabalhou com dois grupos nacionais, com o mesmo grau de
generalidade, para dessa forma se poder comparar o nível de homogeneidade das representações. A
escolha dos angolanos, por seu turno, ficou a dever-se ao facto deste grupo, apesar de ser o segundo maior
de origem africana em Portugal, ser um dos menos estudados.
6
analisar os estereótipos dos jovens estudantes sobre o seu próprio grupo (autoestereótipos)
e sobre o grupo dos outros (hetero-estereótipos).
Num primeiro estudo, os participantes, jovens angolanos e portugueses,
forneceram livremente os conteúdos descritivos de ambos os grupos. Com base nas
características mais mencionadas para descrever os dois grupos-alvo, foi elaborada uma
lista de traços que foi posteriormente apresentada aos participantes nos estudos
subsequentes. No segundo estudo, foi pedido aos participantes para classificarem, de
forma independente (recorrendo a duas escalas separadas), em que medida cada um dos
traços da referida lista era típico dos “angolanos” ou dos “portugueses”, e também para
avaliarem a valência de cada traço (positivo vs. negativo) tendo em conta a sua opinião
pessoal. No terceiro estudo, foi pedido aos participantes para classificarem, de forma
interdependente (recorrendo a uma só escala), em que medida cada um dos traços era
típico dos angolanos ou dos portugueses, e também para avaliarem a valência cada
traço (qualidade vs. defeito) tendo como referente o modelo de pessoa adulta na
sociedade portuguesa.
Numa época em que o racismo é claramente anti-normativo (e.g., Vala,
1999), esperava-se que os conteúdos associados a ambos os grupos fossem
predominantemente positivos. Assim, esperava-se que a diferenciação entre os grupos
se operasse sobretudo ao nível das dimensões subjacentes aos conteúdos dos
estereótipos e não ao nível da sua valência avaliativa. Por último, tendo em conta que
os grupos dominantes tendem a ser percebidos como mais heterogéneos do que os
grupos dominados (e.g., Cabecinhas & Amâncio, 1999; Lorenzi-Cioldi, 1988),
esperava-se verificar uma maior heterogeneidade na representação do grupo dos
“portugueses” do que na representação do grupo dos “angolanos”.
Os resultados destes três estudos demonstraram que a diferenciação entre
os grupos se estabelece estruturalmente pela assimetria simbólica. O grupo dos
“angolanos” foi descrito de forma mais homogénea do que o grupo dos “portugueses”,
tanto por participantes angolanos como portugueses, isto é, o estereótipo dos angolanos
é mais marcado e mais consensual do que o estereótipo dos portugueses.
Verificou-se igualmente uma assimetria ao nível das dimensões
subjacentes aos conteúdos associados a cada grupo-alvo. Aos “angolanos” foram
associados sobretudo conteúdos ligados à expressividade e ao exotismo (e.g., cheios de
ritmo, musicais, espontâneos, etc.), enquanto que aos “portugueses” foram
7
preferencialmente associados conteúdos ligados à instrumentalidade (e.g.,
trabalhadores, empreendedores, etc.). De um modo geral, o estereótipo dos angolanos
aproxima-se do modelo de pessoa “jovem” enquanto que o estereótipo dos portugueses
está mais próximo do modelo de pessoa “adulta”, isto é, uma pessoa autónoma e com
capacidade de realização e de decisão.
Assim, em consonância com as hipóteses formuladas, a diferenciação
entre os grupos não se operou ao nível da valência avaliativa dos conteúdos associados
a cada grupo, pois tanto angolanos como portugueses foram descritos com traços
positivos, mas sim ao nível das dimensões subjacentes a esses conteúdos. Isto é,
verificou-se uma transformação relativamente às representações que foram dominantes
durante o Estado Novo e das quais já falámos. Actualmente, os membros do grupo
dominante (portugueses) evitam caracterizar os membros do grupo dominado
(angolanos) com traços negativos, atribuindo-lhes mesmo, nalguns casos, traços mais
positivos que os atribuídos ao próprio grupo. Estamos, todavia, a um nível apenas
superficial: se a xenofobia dá lugar à xenofilia, isso não desmente uma evidência: as
dimensões mais valorizadas das sociedades ocidentais – autonomia, individualidade,
competência ou responsabilidade – continuam a ser negadas ao grupo dominado, que
surge marcado pela expressividade e exotismo, ou seja, por um conjunto de traços
juvenis.
Se fizermos um exercício de extrapolação, quer dizer, se aceitarmos
trabalhar com a hipótese de que estes dados, obtidos entre jovens estudantes, revelam
uma tendência social mais ampla, pode então dizer-se que o modelo dominante durante
o Estado Novo se alterou substancialmente, mas que essas alterações parecem ter uma
significativa implicação discursiva e mesmo conceptual, sem, todavia, elidir critérios de
demarcação. É como se existisse uma projecção de valores de fora para dentro, como se
um discurso politicamente correcto e valorizado simbolicamente, tivesse invadido este
campo de significações, produzindo, todavia, modificações mais superficiais que
profundas, mais cosméticas que estruturais. Como vimos, não se evoca mais a
inferioridade do negro, mas aponta-se aos angolanos uma “fraca instrumentalidade”, ou
seja, traços como a preguiça ou a ignorância perderam dimensão caricatural, mas
continuam presentes, agora legitimados tanto num posicionamento aparentemente
neutral, como numa vaga evocação de relativismo cultural, que rapidamente se percebe
que é apressada e retórica. Do mesmo modo, não se acredita mais na irredutibilidade do
selvagem aos benefícios da civilização, mas faz-se do exotismo – através da
8
valorização do ritmo, da música, mas também da superstição – a marca fundamental
atribuída ao outro, neste caso, aos angolanos.
5.
Reiterando o carácter exploratório que marca esta fase do nosso trabalho,
entramos finalmente no último aspecto a que queremos dar atenção e que, de resto, é
aquele que dá título a esta comunicação. A BD que tivemos oportunidade de analisar e
sobre a qual basearemos a nossa análise, foi publicada entre 1987 e 1993, não
pretendendo nós aqui dar conta senão de alguns títulos dispersos, todos eles produzidos
por autores com um percurso consolidado na BD portuguesa. Procurámos mais a
ilustração que a sistematicidade, sabendo que deixámos em aberto um vasto espaço de
análise, cuja consideração é fundamental para permitir conclusões mais sustentadas.
Apesar de assumidamente parcial, a nossa abordagem não partiu de nenhuma
intencionalidade analítica, antes decorreu da circunscrição do trabalho interpretativo a
uma dupla matriz narrativa e estilística, que, bem sabemos, não esgota o tema11.
Um primeiro bloco de textos analisados apela à evocação histórica, seja
através de uma narrativa assumidamente ficcionada, seja de um relato entendido como
fiel e objectivo, relativamente à verdade histórica. No primeiro caso temos os álbuns de
José Ruy12 da série Bomvento, nome de uma personagem cujas aventuras decorrem
durante o período dos Descobrimentos13. No segundo registo, o da ilustração factual,
trabalhámos a História de Portugal em Banda Desenhada (2003), obra de Carmo Reis
(argumentista) e José Garcês14, publicada inicialmente em álbuns separados e
posteriormente integrados num único volume. A depuração ficcional usada neste texto,
pareceu-nos o contraponto ideal das aventuras de Bomvento, já que ambos os trabalhos
têm a história como pano de fundo, mas optam por diferentes estratégias narrativas.
11 Apenas como exemplo de um modelo narrativo que nesta ocasião deixámos de fora, permitimo-nos
aludir à obra A História do Tesouro Perdido (Gonçalves & Silva, 1994), e a uma das suas personagens,
Eugénio. Para Rui Zink (1999: 250), com Eugénio temos, pela primeira vez na BD produzida entre nós,
um negro que não se limita a cumprir um papel arquetípico.
12 Nasceu na Amadora em 1930, tendo chegado à BD em 1944, na revista Papagaio. Foi talvez o autor
mais marcante da BD portuguesa na segunda metade do século XX (Cleto, s.d.: 2).
13 Enquadrado na ampla temática dos Descobrimentos, Porto Bomvento é dado por Zink (1999: 28) como
exemplo de uma personagem “ficcional realista”.
14 Nasceu em Lisboa em 1928, tendo iniciado a carreira de autor de BD em 1946 na revista O Mosquito
(Cleto, sd,: 4).
9
Em qualquer destes casos a comicidade é um traço claramente secundário
ou mesmo inexistente, assentando ambos os trabalhos numa evocação de bravura e de
coragem, entendidos como caracterizadores do nosso passado histórico. Procurámos por
isso um segundo registo, algo que nos desse conta de uma dimensão muito frequente na
BD, exactamente a procura deliberada da comicidade e da caricatura. Para tanto
trabalhámos alguns dos álbuns de Louro e Simões15 da série Jim del Mónaco16. Neste
caso não estamos perante a evocação da história portuguesa, nem sequer do contexto
colonial português, mas antes face à caricatura de um certo imaginário colonial e das
relações sociais e políticas a ele subjacentes.
O índice de presença de negros nas obras que trabalhámos não é
uniforme17. Eles são escassos no trabalho de Carmo Reis e José Garcês sobre a história
de Portugal, frequentes nos álbuns de José Ruy que evocam os Descobrimentos e são
presença constante nos álbuns da série Jim del Mónaco. Também o tratamento que lhes
é dispensado não é uniforme, sendo importante distinguir, neste ponto, o registo
assumidamente caricatural e aquele que se coloca no plano da objectividade histórica. À
partida, um pouco à semelhança do vimos no trabalho sobre estereótipos (Cabecinhas,
2002), também esperávamos encontrar sinais de uma modificação sensível
relativamente ao que fora observado na BD produzida durante o Estado Novo e cujas
características atrás traçámos. Vendo o fim do colonialismo à distância de três décadas,
olhando a dinâmica migratória do Portugal da viragem do século, esperávamos que as
regras de elaboração de discurso sobre o outro se tivessem modificado notoriamente.
É certo que se verifica a rejeição de uma postura claramente racista,
como a que encontrámos na primeira fase do Estado Novo, mas mesmo na BD que
parece procurar um registo objectivo, ou seja, aquela que convoca a história de Portugal,
pode constatar-se que uma imagem positiva do negro depende da proximidade e da
aceitação dos valores políticos e religiosos do grupo dominante. Veja-se, a título de
ilustração, as Figuras 1, 2 e 3, todas elas relacionadas com representações do poder.
15 Nasceram ambos em 1965, em Lisboa, tendo-se dedicado desde cedo e com sucesso imediato à BD.
Em 1984 Luís Louro ganhou o prémio “O Mosquito” para a revelação do ano e dois anos depois António
Simões ganha o mesmo prémio na categoria de argumentista (Cleto, s.d.: 14).
16 Esta obra parece parodiar referências clássicas da BD, como Jungle Jim, personagem criada por Alex
Raymond nos anos 30 (Zink, 1999: 116). A figura do criado negro, por seu turno, parece parodiar a de
Lothar, o criado de Mandrake, na obra de Lee Falk, também dos anos 30 (Zink, 1999: 250).
17 A propósito da personagem de Eugénio, a que já aludimos, Rui Zink (1999: 259) defende que “raras
vezes (…) aparecem negros na BD portuguesa”. A nosso ver, a questão não é tanto a da ausência, mas do
uso que se faz dessas personagens – fortemente estereotipadas, por exemplo nas revistas infantis
publicadas durante o Estado Novo, ou então sem espessura narrativa, nalguns casos como mera
decoração, como sucede em obras mais recentes.
10
Figura 1 Carmo Reis & José Garcês (2003: 94)
História de Portugal em Banda Desenhada, Edições Asa.
Figura 2 Carmo Reis & José Garcês (2003: 104)
História de Portugal em Banda Desenhada, Edições Asa.
11
Figura 3 José Ruy (1989: 11), Bomvento no Cabo da Boa
Esperança, Edições.
Sublinhemos, em primeiro lugar, a estética das duas primeiras, nas quais
parece reproduzir-se um modelo da realeza medieval europeia. Mais importante ainda,
parece-nos ser o modo como nelas se expressa um domínio simbólico incontestável. O
rei da Figura 1 é Prestes João, o rei cristão da Etiópia e que, por ser cristão, é mostrado
como nosso próximo. Na segunda gravura surge o rei do Congo, que não só reclama o
baptismo como pede que este se faça tornando-o João, isto é, um homónimo do rei
português. A Figura 3 representa o mesmo rei e não podemos deixar de chamar a
atenção para o facto da submissão dos portugueses, que nela se pode observar, se
distinguir claramente do completo despojamento dos nativos, o que de alguma forma
repõe a relação hierárquica, ameaçada simbolicamente pela submissão dos portugueses
ao rei africano. Para lá disso, se o pensamento de Bomvento é expressão de relativismo
cultural, não podemos esquecer o seu enquadramento: o reconhecimento da civilização
nativa faz-se no momento em que o rei reclama a participação do seu povo na fé cristã.
Vale a pena recordar, neste ponto, que na BD surgida após a Guerra, se
detecta uma alteração sensível no modo de representar o africano. A diferença radical,
característica da fase precedente, dá lugar, nessa altura, a um discurso de aproximação,
no qual o critério fundamental de assimilação e integração, mesmo que parcial, depende
da aceitação por parte do africano dos valores do grupo dominante e colonizador.
Apesar de terem passado cinco décadas, as ilustrações precedentes não estão muito
12
longe desta ideia, mas ela sai ainda mais reforçada pelo que podemos observar nas
Figuras 4 e 5.
Figura 4 José Ruy (1989: 14) Bomvento no Cabo da Boa Esperança, Edições Asa.
Figura 5 Carmo Reis & José Garcês (2003: 102) História de
Portugal em Banda Desenhada, Edições Asa.
13
Na primeira, vemos uma mulher africana que foi recolhida e “civilizada”
pelos portugueses, regressando depois ao lugar de origem, então já trajando à europeia e
convertida a uma nova fé, com a recomendação de que procurasse Prestes João e lhe
falasse das riquezas portuguesas e, em última instância, das virtudes da civilização que a
transformara. A Figura 5 ilustra uma conversão, sendo de notar, uma vez mais, a
adopção de um nome português, sendo bem clara a atitude de submissão e
despojamento dos convertidos, dessa forma se apagando qualquer perigo ou ameaça: os
negros, tantas vezes ameaçadores e selvagens, apresentam-se desarmados e numa
postura de humildade e acatamento.
Consideremos agora o modo como na BD analisada persistem
representações do africano fortemente estereotipadas. A superstição desempenhou,
durante o Estado Novo, um papel importante. Em muitos casos ela decorre da
incapacidade de perceber a natureza de uma forma racional e sustentada na ciência,
atributo que distingue o homem branco. O outro traço fortemente estereotipado a que
queremos aludir, não se observa, pela sua própria natureza, na BD publicada durante o
Estado Novo, mas é tema recorrente, por exemplo, nos escritos missionários estudados
por Paulo Valverde (1997). Trata-se da evocação de uma sexualidade desregrada e fora
de controlo, a que a BD que analisámos não escapa. De facto, as Figuras 6 e 7, ambas
provenientes dos álbuns Jim del Mónaco, mostram bem a persistência destes
estereótipos18, ainda que usados sob a forma de caricatura.
18 Também nos estudos sobre estereótipos se verificam referências a esta dimensão. Os jovens
portugueses, ao descrever os angolanos, referem frequentemente traços como “mulherengos”, “sensuais”
ou “amantes do prazer” (Cabecinhas, 2002).
14
Figura 6 Louro & Simões (1993: 40), Jim del Mónaco. Em
busca das minas de Salomão, Edições Asa.
Figura 7 Louro & Simões (1991: 10), Jim del Mónaco. A
criatura da Lagoa Negra, Edições Asa.
Na primeira ilustração, vemos as consequências de um eclipse solar,
fenómeno natural de que Jim e os companheiros se servem para se fazerem passar por
deuses, escapando dessa forma à prisão19. Vemos ainda uma figura recorrente na BD
19 Expediente que está longe de constituir uma novidade na BD. Para referirmos apenas um exemplo bem
conhecido, é dele que Tintim se serve para ser poupado pelos Incas em O Templo do Sol.
15
dos anos 30 e 40 mais antiga e que surge sempre fortemente estereotipada. Trata-se do
feiticeiro, quase sempre representado como cobarde, de maus instintos e exercendo uma
permanente resistência face à penetração da “civilização”. A Figura 7 recorre também
ao humor para aludir à sexualidade excessiva e desregrada: “há em África alguns povos
mais desenvolvidos que outros”, diz a rapariga, sendo que isso se reflecte no poste que,
em jeito de totem ou pelourinho, assinala o centro da aldeia, bem como na fisionomia
dos nativos, quer deles quer delas, neste caso por razões diferentes mas, bem pode
dizer-se, complementares.
Tão fortes e marcantes como a questão da sexualidade e da superstição,
são os hábitos alimentares dos negros, cuja estranheza se assinala e realça, avultando
entre eles o canibalismo. Neste caso concreto estamos perante algo que tanto é utilizado
dentro do registo mais histórico e supostamente objectivo, como no registo humorístico
e caricatural. No primeiro caso (Figura 8), temos a história de um naufrágio e da triste
sorte dos náufragos, que acabam sendo comidos como “se fossem vitelos ou tenros
leitões”. Quanto à dimensão mais caricatural (Figura 9), veja-se como Jim, numa das
suas aventuras, foi parar a uma aldeia de canibais gourmets, que distinguem e
seleccionam as peças gastronómicas, sendo as mais bem constituídas postas de fumeiro
e as menos prometedoras fatiadas e usadas em refeições rápidas, do tipo fast food.
Figura 8 José Ruy (1988: 44), Bomvento no Castelo da Mina, Edições Asa.
16
Figura 9 Louro & Simões (1991: 44), Jim del Mónaco, A criatura da Lagoa Negra, Edições Asa.
O último exemplo de BD a que aqui recorreremos, sintetiza algumas
ideias que nos parece importante relevar. O que nos é mostrado são dois espaços mas
também dois imaginários de referência, um deles o de Jim del Mónaco (Figura 10) e o
outro o do seu criado, Tião (Figura 11). A um primeiro olhar dir-se-ia que a
transformação do outro ocorreu aqui num duplo sentido, pois não só Tião se deixou
encantar por algumas das virtudes da civilização ocidental, como são, inequivocamente,
os posters das pin-ups, como o mesmo ocorreu com Jim, que se deixa embalar nos
encantos da África misteriosa. Facilmente se percebe, porém, que em ambos os casos
esta é uma assimilação de pacotilha. Jim retém de África apenas o exótico, aquilo que o
pode transportar à aventura, mas esta é uma dimensão que não nega nem se sobrepõe a
referências culturais que, de algum modo, domesticam e dominam o universo
“selvagem”. É esse o papel do avião no cimo da imagem, dos livros na estante e até do
globo terrestre.
17
Figura 10 Louro & Simões (1991: 37), Jim del Mónaco. A criatura da Lagoa
Negra, Edições Asa.
Quanto ao criado, Tião, devemos começar por fazer notar que ele
conserva o estatuto habitual do negro – a subalternidade. A sua integração é por isso
muito parcial e equívoca, remetendo, na verdade, para estereótipos bem conhecidos. É
parcial, pois parece centrar-se numa espécie de erotização das referências culturais
ocidentais – além dos posters, veja-se, no gavetão aberto, uma boneca insuflável e a
inscrição “I love Caldas”. Por outro lado é equívoca, já que o glamour das pin-ups
aparece confundido com a preguiça de Tião, ou seja, o exercício de sedução e a
contemplação ociosa tornam-se sobreponíveis, resultando daqui uma leitura enviesada
da matriz civilizacional, como se esta assentasse no direito a preguiça20. Note-se, por
outro lado, que Tião conserva alguns adereços que remetem para África, mas que estes
se apresentam domesticados, quase musealizados, como acontece com o escudo e a
lança colocados na parede. Chamamos ainda a atenção para o instrumento musical,
recordando o que disse atrás a propósito da musicalidade e do sentido de ritmo tão
fortemente apontado como típico dos angolanos e dos africanos em geral (Cabecinhas,
2002). Voltamos, finalmente, à questão da assimetria entre as duas personagens, para
20 A Figura 11 não suporta, por si só, esta interpretação da preguiça de Tião, mas as características
psicológicas da personagem, que ressaltam da leitura dos álbuns, reforçam este sentido.
18
dizer que ela não resulta apenas de um ser patrão e o outro criado, mas também da
postura - um sentado e o outro deitado, o que de novo nos lembra o anátema da preguiça
- e das escolhas literárias – uma séria e adulta, face a outra que, além de fútil e ligeira,
remete para essa sexualidade indómita a que nos referimos.
Figura 11 Louro & Simões (1991: 39), Jim del Mónaco. A criatura da Lagoa
Negra, Edições Asa.
6.
Do ponto de vista das mensagens implícitas e explícitas, a BD não
revelou uma modificação tão notória como à partida esperávamos encontrar. Do ponto
de vista do sentido, do lugar e do papel do outro, ela não é muito diferente de boa parte
da que foi publicada durante o Estado Novo. O que se modifica claramente é o contexto
em que ela circula. Deixando de lado, nesta ocasião, a consideração dos leitores
potenciais e reais destas obras21, preocupemo-nos com o enquadramento social num
sentido amplo. É que, ao contrário do que acontecia durante o Estado Novo, onde
21 Sabemos que há diferenças relevantes a este nível. A BD estudada no contexto do Estado Novo
destinava-se, de forma inequívoca, a um público infantil ou juvenil, enquanto que obras como Jim del
Mónaco parecem visar, prioritariamente, um público adulto. Por outro lado, também o suporte é diferente.
No primeiro caso, a BD surgia inserida em revistas juvenis; na BD contemporânea considerada, o suporte
privilegiado parece ser o álbum.
19
parecia verificar-se uma franca convergência entre o discurso dominante na sociedade e
a modelização do negro que a BD oferecia, o que agora parece existir é uma
divergência, pelo menos parcial, destes dois planos.
Podemos, neste ponto, estabelecer de novo um paralelismo com estudos
efectuados no âmbito da psicologia social, concretamente no que diz respeito às
medidas explícitas e implícitas do preconceito racial. De facto, diversos estudos têm
vindo a demonstrar que se expressa um maior nível de discriminação racial quando são
utilizadas medidas implícitas – por exemplo, as pessoas memorizam mais facilmente
informação personalizada sobre “brancos” do que sobre “negros” (Cabecinhas, 1994) –
do que perante medidas explícitas – por exemplo nas declarações verbais. Esta
divergência aponta claramente para a importância dos aspectos de natureza normativa
nas expressões de preconceito racial (e.g. Vala, 1999), o que significa que nos domínios
onde as normas anti-discriminatórias não estão tão salientes, seja possível encontrar
expressões que estão em dissonância com a referida norma.
Mesmo sabendo que não é possível avançar, neste fase, com conclusões
consistentes, parece ainda assim possível avançar com algumas hipóteses. Em primeiro
lugar a possibilidade da BD ser um território periférico no plano cultural e, por isso
mesmo, menos vigiado do ponto de vista da imposição de um discurso consensualizado.
Em segundo lugar, deve distinguir-se entre duas formas de legitimação das
representações que apresentámos. Por um lado, na BD de pendor mais humorístico, a
exploração das dimensões mais estereotipadas da representação do africano, como é o
caso da sexualidade ou do canibalismo, parece legitimar-se na própria assumpção
caricatural, ainda que, bem entendido, tal como acontece com as anedotas sobre
quaisquer minorias, não deixe, por isso, de se transmitir uma mensagem e um sentido.
Por outro lado, a história funciona, também, como critério de legitimação de um certo
modelo de representação. A “verdade histórica” avaliza, por exemplo, a representação
da conversão de chefes africanos, mas essa verdade é contada a partir de uma focagem
determinada e dessa forma ela não pode senão reproduzir a assimetria que sustentou
esse olhar.
20
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