POR QUE HÁ TANTOS ADEUSES? (6)                                  

 

Cunha e Silva Filho    

 

                Não gosto das  despedidas, conquanto sejam necessárias.  É de cortar corações aquela cena de adeuses que, em qualquer parte do mundo e mesmo em fusos horários diversos, prenuncia  a partida de familiares, amigos ou ainda de companheiros de alegrias ou infortúnios da vida.   Os adeuses parecem querer afirmar que os que partem não o deviam  fazer. A ideia é a de que temos que partir, ao mesmo tempo em que uma força avassaladora  contrária parece querer nos barrar, imobilizar-nos, prendendo-nos pela alma e principalmente pelos corpos.

              Oh, quem disse que os corpos não têm importância?      Adeuses são sinais mais do que a expressão da linguagem articulada. São os sinais do silêncio, que falam muito mais que a linguagem e sua forma de expressão. Os adeuses, como os momentos belos e de êxtases da  vida, são breves, e é na sua brevidade que   se mostram profundos e desvelam toda a sua humanidade, todo o seu sentido de união dos seres, de cumplicidade amorosa, de vontade de permanência e eternidade.    

              Nos adeuses há espaço, ainda que temporalmente reduzido, para  o perdão, a misericórdia e o chamado amor ao próximo. Os adeuses são a comunhão da humanidade traduzida  na despedida, na partida, no ir para, no chegar a. Por isso, tem tanto peso a despedida, porque nela  investimos todo o nosso amor, todo o nosso afeto,  toda a nossa carga de emoção. A significação do prazer é plenamente sentida quando, numa troca de telefonemas entre seres queridos que  partiram  para outros lugares, ficamos sabendo que  estão em paz, livres dos perigos. Entretanto, há em mim  sempre um certo embaraço, uma certa timidez, um certo modo gauche de me despedir, sobretudo se está em jogo gente que tanto amo.      

             Estas reflexões  me vêm à tona sempre que, fazendo ocasionais viagens à bela cidade de Curitiba para visitar um filho e minhas netas , sou obrigado, pela inexorabilidade dos deveres da vida, a me   separar temporariamente deles. Minhas despedidas, diante do meio de transporte que for,  são sempre um tanto  rápidas, rápidas até demais, já que, se ali demorasse um pouco mais,  minha vontade talvez fosse não viajar, e sim gritar pros entes queridos: “Não quero voltar, vou ficar com vocês pra sempre!”    

             De dentro do ônibus, e aqui me refiro à minha mais recente visita a Curitiba, sento-me na poltrona. Dali  procuro avistar os entes queridos, ali juntinhos, lá fora,  unidos, em pé, na plataforma de embarque, formando um conjunto de seres grandiosos e amados, em sintonia comigo, sabe-se lá, com tantas lágrimas reprimidas ou mal se derramando pela face abaixo.    O veículo dá os primeiros movimentos de partida. Lá fora, os acenos, os adeuses, os olhos possivelmente marejados de lágrimas, os acenos, as mãos  se movimentando em adeuses, mãos adultas, jovens; mãos pequeninas, inocentes.

             A emoção dos dois lados atinge um clímax. O  ônibus dá uma volta e sai do perímetro da visão das duas perspectivas. Pé na  estrada!     Eu, no meu monólogo interior, da janela do veículo, afundado em saudades, me ponho a questionar: Por que há tantos adeuses? Por que não estamos sempre juntos e pra sempre? Quem inventou o adeus? Como conciliar a separação? Será que a vida humana foi arquitetada para que fôssemos sempre vítimas das indesejáveis  cenas dos adeuses? Por que  nunca estamos sempre juntos?      

             Me lembro de que meu pai costumava dizer que, se fosse por ele, todos os seus filhos morariam no mesmo lugar, de preferência pertinho dele, sem exceção. De tantos adeuses que vamos  acumulando pela vida afora, ao final de nossa  aventura pelo planeta Terra, já estaremos emocionalmente exauridos pelos sentimentos de  tristeza provocada por tantos adeuses, adeuses de diferentes matizes, de diversos graus  e latitudes, de infinitos sentidos e rumos.    

              Todos os adeuses são perdas, desgastes da  emoção. Todos eles embaraçam as nossas fibras físicas, morais, espirituais, intelectuais, artísticas.      Há, no entanto, na língua inglesa,  uma significação bastante  positiva para os adeuses, que é dada pela palavra good-bye, a qual  equivale à expressão God be with you (Deus esteja convosco). Portanto, toda vez que dizemos “adeus” a alguém,  estamos desejando o melhor  para esse alguém. Aliás, em português, a palavra “adeus”, formada  da preposição “a”+ “Deus”, tem sentido equivalente, correspondendo a “Deus o acompanhe.” Volto, porém, à indagação inicial e transcendente:  Por que há tantos adeuses?