Cunha e Silva Filho

 

                                  Na introdução à poesia de Luiz Filho de Oliveira, a princípio prometera, num só estudo, abordar as duas obras do poeta. No entanto, à medida em que ia desenvolvendo as ideias sobre o livro de estreia, BardoAmor, ia verificando que a análise estava crescendo além do objetivos previamente traçados. Por isso, me decidi a me ater neste trabalho somente ao primeiro livro. Vou reservar o segundo livro, Ondehumano ,para um outro ensaio que pretendo escrever posteriormente.
                                 Pela faixa etária, Luiz Filho se colocaria na geração de poetas do final dos anos oitenta aos inícios dos anos noventa. Quer dizer, geração de poetas bem atravessados pelos tempos da pós-modernidade, da experiência cibernética, de uma indústria cultural cada vez mais tentacular em razão dos avanços vertiginosos na área tecnológico-eletrônica, em tempo de economia globalizada, em tempo também de ameaça cíclica de instabilidade econômica e de hegemonia midiática, principalmente via Internet.
                               O poeta viveu também na carne, posto que, pela idade, ainda imatura para a compreensão de tantas mudanças estruturais e políticas no país, os últimos anos da ditadura militar, as primeiras manifestações da redemocratização política nacional, assim como testemunhou o período pós- Guerra-Fria, a Queda do Muro de Berlim, o esfacelamento do Comunismo russo, a Guerra do Golfo Pérsico, as ditaduras na América Latina, entre outros fatos e mudanças no país e no mundo.  É que 20 nas últimas  duas décadas do século 20 o poeta se situa como indivíduo e como jovem intelectual ansioso por expressar seu sentimento poético histórica  e culturalmente contextualizado. Sua poesia não pode fugir a esses condicionamentos de uma época.
                               BardoAmar, de resto, é livro premiado em 2000 num concurso realizado pela FUNDEC,  e se classificou em segundo lugar. Antes, fora selecionado num “Concurso de Poesia Antero de Quental,” no II Festival de Inverno de Educação de Itajubá, Minas Gerais. O concurso lhe valeu participação em antologia.
                               Um dos fascínios pelos quais o texto em poesia me seduz vem a ser a imensa possibilidade de releituras de um mesmo livro graças, é claro, ao poder de síntese inerente ao gênero. Daí ser a leitura poética para o critico uma atividade muito mais concentrada, mais visceral, a que vai corresponder um mergulho mais denso e totalizante do objeto poético. Na prosa, fica mais difícil essa prospecção vantajosa à hermenêutica. Por esse motivo, no trabalho de análise de um volume de poemas, devido em geral à exiguidade do número de páginas, o instrumental crítico torna-se muito mais fácil de operacionalizar, o que nada tem a ver com as dificuldades intrínsecas também à prosa. 
                             Não seria gratuito ou ingênuo afirmar-se ao jovem escritor de hoje, seja na prosa, seja na poesia, que o esforço despendido na composição de uma obra literária demanda muito maior suor intelectual do que no passado, aqui entendido como um vasto e variado período abrangendo, com se sabe, vários séculos de tradição literária e especialmente quando se leva em conta as vanguardas europeias que reconfiguraram drasticamente os estilos literários a elas anteriores.
                            Em outras palavras, o poeta, o ficcionista, o teatrólogo de hoje, quer desejem ou não, não podem evadir-se da contingência de ser uma simples partícula dessa considerável cadeia de estilos e linguagens literárias inserida, formando o circuito da tradição ou cânone, e, ademais, agravada por vezes pela ideia da chamada “angústia da influência” formulada por Harold Bloom, que não deixa de ser uma espécie de “pedra no meio do caminho” de novos autores na seara da poesia.
Desta forma, Luiz Filho, por seu turno, não pode assim ser uma exceção a essa conjuntura da história da literatura universal.
                          No movimento paradigmático das letras brasileiras, indissociável daquele circuito de tradição ocidental e divisor das águas dentre o conservadorismo e a ruptura convocada pelos defensores do Modernismo de 1922 com a sua histórica e exaustivamente citada e pesquisada Semana de Arte Moderna de 22 no Teatro Municipal de São Paulo, o passado foi, na primeira fase do movimento, vigorosamente rechaçado e a literatura brasileira genuína(?) passaria a ter seu marco zero a partir daquele ano-símbolo.
                         Contudo, a história literária do país sofreu, em linhas gerais, a partir de 1945, principalmente na poesia, uma forma de retrocesso em relação aos princípios fundamentais da nova estética impiedosamente transgressora que caracterizou os primeiros anos dos modernistas históricos, tendo à frente um Mário de Andrade, um Oswald de Andrade, entre outros.

                        Já na segunda fase do Modernismo, na década de 30 do século passado, a virulência iconoclasta arrefeceu e aparou os seus iniciais ímpetos corrosivos face ao passado e iniciou uma nova postura estético-temática, procurando um equilíbrio onde nem se voltaria mais às fontes parnasianas anacrônicas nem tampouco se permaneceria irredutível nos limites estreitos dos experimentalismos e pirotecnias inócuas. Procurou-se, antes, uma via ou vias renovadoras que exprimissem literariamente um Brasil sintonizado com a sua cultura, suas tradições, com a sua língua e com os seus modos de tentar aproximar o mais possível do povo a realidade da nação, com seus problemas peculiares, muitas dificuldades e incertezas políticas e econômicas num país que, para dar um só exemplo significativo, viveria os embates da Revolução de 30 liderada por Getúlio Vargas e, na mesma década, sofreria um retrocesso político com o Estado Novo sob novamente a tutela de Vargas com todas as sequelas de males inerentes a uma Estado ditatorial e, contraditoriamente, de conquistas no plano social, sobretudo na área dos direitos dos trabalhadores.

                          Por outro lado, a questão da inserção do povo na ficção e nos principais gêneros literários brasileiros precisa de ser um tanto relativizada, visto que os movimentos literários têm caráter hierarquizante e mesmo elitista quando os entendemos como mudanças estéticas de cima para baixo , ou seja, de   uma  elite intelectual para a qual o povo pode ser matéria de temas e de linguagens mas delas não coparticipam do tripé autor+obra+ leitor, este último sendo quase sempre sujeito passivo ou externo pelas próprias condições de penúria cultural e escolaridade que o impossibilita à fruição dos bens culturais das elites  intelectuais. Esse é o grande dilema entre a vida intelectual e o povo, o homem comum, o operário.
                         Os escritores que, em 1945, não se afinaram com algumas conquistas estéticas de 22 e de 30, procuraram, ainda que de forma não uniforme nos seus preceitos estéticos, reagir contra as formas variadas tomadas pelo Modernismo e suas diferentes manifestações estéticas inovadoras, numa atitude estetica  que os levavam a uma espécie e de Neoparnasianismo, ressuscitando o uso do soneto, da métrica, da rima e das imagens plásticas, corpóreas, concretas e objetivas no que concerne aos temas e a uma linguagem refinada, aristocratizante. Entretanto, cumpre ressaltar que as “geração de 45” não desejou, entre os inúmeros adeptos de sua estética, uma mera cópia do velho Parnasianismo. Nem tampouco isso seria possível em termos absolutos, pois a poesia brasileira, após o vendaval modernista, jamais seria a mesma e é nesse ponto que surge um poeta que, embora se inclua na “geração de 45”, logo seguiu um caminho independente. Falo de João Cabral de Melo Neto cuja práxis poética não confirmou a tendência geral daquela geração, preferindo, consoante pondera bem Sílvio Castro( in: História da literatura brasileira, volume 3, Lisboa, Publicações Alfa, p. 256, 1999) deixar sua poesia permear-se de algumas influências da geração poética de 30, muito fértil também na ficção,  sobretudo com o surgmento dos romances nordestinos de 30.

                       Sendo assim, Cabral pagou tributo à poesia de Carlos Drummond de Andrade pela vertente social, de Augusto Frederico Schmidt no que concerne a uma “aparente falta de informalidade compositiva” (CASTRO, Silva, op. cit., ibidem) e ainda até de Murilo Mendes quanto ao aproveitamento da informalidade compositiva dos poemas imagísticos”, não sem antes serem por João Cabral “criticados e negados”(idem, ibidem). Quer dizer, João Cabral, tanto quanto outros poetas da “geração de 45”, após negarem conquistas expressivas do Modernismo de 22, não deixam, entretanto, de reaproveitarem “dialeticamente” valores que provêm desse mesmo marco histórico decisivo aos futuros avanços estético-formais da poesia brasileira. (continua)