Novo livro de Fernando Molica
Novo livro de Fernando Molica

Passeando pelas pequenas histórias cotidianas

 

Décio Torres Cruz*

 

É sempre uma alegria ler um livro bem escrito e que nos proporciona prazer e momentos de reflexão durante sua leitura. O livro Náufragos (Malê, 2023), de Fernando Molica, é um desses livros. A bela capa, de Dandarra Santana, chama logo a nossa atenção, convidando-nos à leitura imediata. A antologia é composta de 19 contos de variados temas retirados de cenas do cotidiano e da história de nosso país.

O conto “Vizinho” abre a coletânea. Nele, o autor se utiliza de sua sensibilidade e experiência jornalística para levar o leitor, através de seu personagem, a enfrentar seus medos durante uma visita a uma sala de caixas eletrônicos. O narrador nos mostra como preconceitos disseminados pelas redes e veículos de comunicação são internalizados e arraigados por nosso sistema de autopreservação ao acelerar mecanismos de defesa, às vezes desnecessários.

A partir daí, somos conduzidos numa viagem inusitada de táxi cujo motorista se torna o narrador de mais uma história de amor mal resolvida, histórias banais que compõem o universo das pessoas comuns e se mesclam a tantas outras cantadas em músicas similares que tocam no rádio do carro.

Assim, com a maestria do autor, o narrador vai tecendo uma sequência de histórias de nossa vida cotidiana que nos surpreendem a cada virada de página: a fuga de um bandido que, enquanto foge da polícia, fica lembrando da casa da avó em sua infância; falcatruas financeiras por causa de quase homônimos; conversas com pessoas que compartilham assentos e histórias pessoais no transporte público; as implicações de diferenças etárias nas relações sexuais entre uma garota de 23 anos e um homem casado e com filhos; as surpresas de um diálogo inusitado entre um condutor evangélico e uma passageira filha de santo numa corrida de Uber; o grito de desabafo sobre as distâncias construídas entre seres que um dia se amaram ou assim acharam; as histórias contadas por fluidos corporais e resíduos que se acumulam e se juntam na barra de apoio de um ônibus; a descoberta da violência implícita em algumas palavras proibidas em conversas familiares e a busca da concretização do significante em significado palpável; a tragédia provocada por disputas poéticas numa roda de samba; a junção e separação de corpos e almas no movimento de anéis de um chaveiro.

Tudo se torna um roteiro para um conto neste livro de Molica, que, de forma poética e com pitadas de humor, descreve tanto os devaneios e pensamentos de um náufrago quanto a viagem interior de uma moça sob o efeito de drogas. Como afirma Flávio Izhaki na orelha do livro: “As personagens desse grande naufrágio estão quase sempre acompanhadas e em movimento, mas estão sós, inexoravelmente sós. Como, no fundo, estamos todos nós.”

E desse modo, com suas histórias, o autor nos convida a contemplar e compreender a vida desses seres humanos que naufragam em sua solidão diária, buscando uma tábua de salvação que as conduza a um porto seguro no qual encontrem algum significado para sua existência.

Náufragos pode ser encomendado diretamente do site da Editora Malê.

 

 

Fernando Molica

 

Sobre o autor

 

Nascido no Rio de Janeiro, Fernando Molica é jornalista e autor de seis romances. Trabalhou nas sucursais cariocas dos jornais O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, O Dia e O Globo. Trabalhou, ainda na Rede Globo, na Rádio CBN, e na CNN Brasil.

Além de Náufragos, escreveu: Elefantes sob o céu de Piedade (Patuá, 2021); Uma selfie com Lênin (Record, 2016); O inventário de Julio Reis  (Record; 2012); O misterioso craque da Vila Belmira (Rocco; 2010); O ponto da partida (Record; 2008), romance; 50 anos de crimes (Record, 2007); Bandeira Negra, Amor (Objetiva, 2005), romance, finalista do prêmio Jabuti de; 10 Reportagens que Abalaram a Ditadura (Record, 2005); O homem que morreu três vezes (Record, 2003), livro-reportagem finalista do prêmio Jabuti de 2004; Notícias do Mirandão (Record, 2002). Organizou as coletâneas de reportagens: 11 gols de placa (Record, 2010). Seu penúltimo romance Elefantes sob o céu de Piedade foi finalista do Prêmio Oceanos de 2022 e foi duas vezes finalista do Prêmio Jabuti (em 2003 e 2006). Possui dois romances publicados no exterior: Notícias do Mirandão  foi publicado na Alemanha e Bandeira negra, amor na França. Possui, ainda, publicações em diversas antologias.

 


* Escritor e professor, membro da Academia de Letras da Bahia, da Academia Contemporânea de São Paulo e da Caspal. Autor de A poesia da matemática (Caravana, 2024), Histórias roubadas (Penalux, 2022), Paisagens interiores (Patuá, 2021), dentre outros.