foto: acervo do autor
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— Ô, compadre, vai ter festa aí na praça de novo?

— Parece que vai.

— Virou moda isso agora, né.

— Povo quis assim, quando elegeu esse prefeitinho cheirador de pó.

— Eta, compadre.

— Digo porque sei. Cheirador de pó igual aquele governador, o Adécio do Pó, lembra dele?

— Alembro, não.

— O povo esquece das coisas rápido. Então também não pode chiar.

— É, pode não. Inda bem que nós num vota nele, né, compadre?

— Você, não sei. Mas eu não voto em ninguém faz tempo. Não sou obrigado.

— Uai, como assim não é obrigado?

— Já te expliquei uma vez: a obrigação da gente é comparecer à urna. Votar são outros quinhentos.

— É, tô alembrado, falou mesmo. Mas num acho certo isso de anular o voto. Eu votei no outro candidato, o tal engenheiro.

— Farinha do mesmo saco.

— Pelo menos num ia fazer festa na praça todo fim de semana...

— Não sei. O povo é chegado em um circo. 

— E a festa dessa vez é pra quê, compadre? Por acaso é comício?

— Comício nada. Aqui no centro os comícios serão às vésperas da eleição.

— Então vão festejar o quê?

— Dessa vez é o carnaval de Jesus.

— Que diabo é isso, compadre?

— Vai me dizer que não sabe mesmo o que é?

— Eu não. Nem nunca ouvi falar...

— É aquela festa dos crentes. Todo ano essa gente se junta aí e sai marchando e gritando ‘aleluia, aleluia’ rua afora. Depois volta à praça e desembesta a dançar e cantar a xaropada da música deles, o tal de gospel.

— Ah, tá. É a Marcha pra Jesus. Bem que ouvi minha faxineira comentando que ia ter por esses dias.

— Marcha, circo, carnaval é tudo a mesma baboseira, a mesma alienação.

— Carnaval de Jesus, só você mesmo, compadre.

— E vai me dizer que não é um carnaval? Aliás, pior que essa arruaça dos crentes, só aquele circo que as bichas fazem de vez em quando aí na praça.

— Eta, num tem mesmo jeito com você...

— Quem não tem jeito é esse povo, que vive querendo impor a vontade e o gosto deles. Gente alienada. E hipócrita pra burro. Eu não suporto quando um desses crentes vem tentar me convencer que o deus deles é o melhor, que a igreja deles é a que salva o mundo...

— Melhor deixar eles pra lá, compadre.

— E eu não deixo? Tanto deixo que, antes do primeiro pastor trepar nesse palco aí e começar a ladainha dele, pico a mula. Pego a mulher, os meninos e o cachorro, me mando pro sítio. Só saí agora pra comprar estes pacotes de carvão. Eu vou queimar uma carninha pra gente.  

— Sabe, compadre, a festa deles num me incomoda, não.

— Ah, então você tá surdo. A zueira que essa gente faz é medonha, chega a tremer as janelas lá de casa.

— Num reparei isso lá em casa, não.

— Então troca os óculos, compadre.