(Miguel Carqueija)

OS LIMITES EXTREMOS DA AMIZADE



Kagura Tsuchimiya vai às últimas conseqüências para salvar sua irmã de criação, numa sucessão de dramáticas reviravoltas da série “Ga-Rei”.

“A humanidade criou este mundo arrogante e hostil fazendo distinção a tudo que é diferente, e usando como instrumento a difamação e a perseguição.”
(Tochigami)
 “Por dentro, a Kagura sempre se culpou pela morte da Yomi.”
(Iwahata)
“No instante em que ela resolve agir a sério... a Kagura não é uma simples colegial.”
(Kenzuke Nimura)
“Ela continua amando você como uma irmã de verdade, Tsuchimiya.”
(Isoyama Izumi)
“Mesmo que tenha que ser inimiga do mundo inteiro, eu tomei uma decisão. Desta vez eu vou proteger você, Yomi.”
(Tsuchimiya Kagura)
“Como você cresceu... Kagura.”
(Isayama Yomi)


    O mangá de Hajime Segawa, que já gerou um seriado de tv, é um brilhante exemplo de universo ficcional de fantasia, comparável, por sua grandiosidade e conteúdo, a criações tão extraordinárias como “Harry Potter”, de J.K. Rowling, “O Senhor dos Anéis”, de J.R.R. Tolkien, e “Crônicas da Guerra de Lodoss”, de Ryo Mizuno. “Ga-Rei” (Besta Espiritual) é uma história movimentada e terrificante, recheada de elementos do Xintoísmo e do folclore japonês, e nela pontifica a figura ímpar e exemplar de Tsuchimiya Kagura, a adolescente que herdou o poder ancestral de sua família, o poder de controlar o ga-rei Byakuei, o “devorador de almas”.
    No décimo volume da saga (Editora JBC; edição original japonesa de Kadokawa Shoten) os acontecimentos se precipitam e se tornam ainda mais apoteóticos. O “Naraku” ou aglomerado de almas penadas que se formou no centro de Tóquio provoca a incorporação da alma atormentada de Yomi no corpo da garota Izumi Isoyama, de origem desconhecida e encontrada na zona fantasma. Quando Kagura reconhece Yomi, cuja personalidade agora reveza com Izumi no mesmo corpo, o Escritório de Defesa contra Acidentes Sobrenaturais toma atitudes drásticas. Yomi/Izumi é confinada cruelmente e se estuda um meio de eliminar Yomi. Revoltada, Kagura assalta a prisão, neutralizando seus companheiros, inclusive nocauteando Kenzuke com um chute nos testículos (mas pedindo desculpas; afinal ela tem amor por ele), liberta Yomi e foge com ela, praticamente rompendo com o Escritório. Kagura já perdoou Yomi, pois sabe que os crimes passados desta foram praticados sob influência da “pedra da morte” (sesshôseki).        
    Uma das cenas mais tocantes — e, de fato, os melhores momentos de “Ga-Rei” não são os de combate, de aparições de seres monstruosos, mas aqueles que envolvem os sentimentos — é quando, caminhando as duas fugitivas, Kagura, indo um pouco atrás, pergunta quem está, realmente, naquele momento, se Izumi ou Yomi. A outra olha ligeiramente para trás e diz: “Quem você acha que eu sou?” E voltando-se, toca gentilmente o cabelo de Tsuchimiya e comenta: “Como você cresceu... Kagura.” E fica claro que se trata de Yomi.
    Mas parece que no mundo já não existe espaço para as duas meninas que apenas desejam ser irmãs. O Escritório as persegue pensando em matá-las, e somente os fiéis Kenzuke e Tsuina seguem a sua pista com intenções conciliadoras. Afinal, Kenzuke ama sinceramente Kagura.
     Entretanto, as entidades cósmicas que manipulam os acontecimentos interferem com a fuga de Yomi e Kagura. Pois, agora se configura o julgamento do mundo: e a destruição ou preservação deste planeta passam a depender da decisão ou da escolha das duas sacerdotisas: a “sacerdotisa negra” (Isayama Yomi) e a “sacerdotisa branca” (Tsuchimiya Kagura).
    Colocadas em campos opostos por uma fatalidade, mas irmãs de criação e grandes amigas — o que farão Kagura e Yomi?
    Hajime Segawa vem conseguindo construir uma epopéia cada vez mais complexa, apoteótica, densa e imprevisível.