Onde estão os neoliberais?
Por Cunha e Silva Filho Em: 12/10/2008, às 10H44
Ora, quem diria que o grande capital globalizado, volatilizado, virtualizado, agora está dando sinais apocalípticos, em vários países, de derretimento das geleiras do lucro inoperante causado pelos seus magos agentes da especulação do vil metal? Na iminência de repetir um estado de recessão profunda em escala internacional, similar à que ocorreu em 1929 conhecida como a Grande Depressão, com a debâcle da Bolsa de Nova York, no coração financeiro do planeta, está a pedir, com o pires nas mãos, sôfrego, cambaleante, envergonhado e empalidecido de tanto medo de ficar pobre, quebrado e alquebrado, a ajuda, a misericórdia, providencial dos Estados, do grande Leviatã, a começar do santuário profano da riqueza e do poder econômico-financeiro mundial, que é a Terra do Tio Sam, com a agravante de que paradoxal e ironicamente tem como epicentro e primeiras causas esse país, símbolo-mor do sistema capitalista, no qual o derretimento monetarista deu os primeiros vagidos de seus tentáculos ciclópicos alastrando-se, cancerosamente, pelo mundo afora.
E como fica a apregoada e super-incensada auto-regulamentação do livre mercado, apanágio norteador do desenvolvimento econômico e financeiro das nações poderosas? Não desejavam ou acalentavam há tanto tempo essa liberdade e autonomia do laissez-faire no que comcerne ao destino das nações? Não foi a crítica ao gigantismo estatal o prato cheio dos detratores do intervencionismo estatal que fez o mundo crer nas mil e uma noites das delícias de esbanjamento de riqueza que fez a festa dos milionários ou bilionários deste pobre planeta?
Como é que, agora, a economia-modelo do neoliberalismo se vai explicar aos seus adversários, ou seja, o estatismo paternalista, tão malsinado, tão vilipendiado pelos donos da verdade das forças do mercado e de sua proverbial febre da ganância?
Até aqui estou me restringindo apenas à incompetência do livre mercado. Nem quero me deter nos fundamentos morais, onde muita água suja pode vir à tona. Não quero falar do aspecto ético da questão envolvendo esse descalabro ou caos financeiro que mesmo especialistas estão nos fazendo acreditar que realmente está por acontecer caso medidas corretas não sejam aplicadas contra ele. Estou a crer que o melhor seria a aplicação de uma medida drástica contra o veneno da incompetência concedida ou provocada, mas com a visão da competência que deveria ser a exigência básica de quem lida com o dinheiro dos outros e até de uma sociedade ou nação. E aqui quero me referir diretamente à gastança do governo Bush com a guerra no Iraque e com todas a frentes de guerra de suposto combate ao terrorismo internacional e interno.
A crise financeira internacional tem suas raízes plantadas na chamada volatilidade em que se transformou o uso do dinheiro que foi desviado de sua finalidade básica: a promoção do bem-estar dos indivíduos, das sociedades e da própria humanidade.
A massa gigantesca de aplicações nacionais e transnacionais de investimentos é fator meramente de acumulação de rendas individuais ou de grupos econômicos cada vez mais realimentadores da riqueza de poucos em detrimento das populações menos favorecidas em qualquer parte do mundo, que ficaram sempre à margem dessas práticas de ganhos de natureza concentracinária de altíssimos lucros que se vão instalar nas mãos de minorias do high business, quer doméstico, quer transnacional, facilitado agora sobretudo com os progressos da tecnologia digital em dimensão planetária.
Pois foi justamente essa corrida pelo dinheiro fácil e imediato que provocou essa crise que está se agravando em toda a parte. É preciso entender que o desenvolvimento das riquezas econômicas dos países, sejam eles ricos, sejam emergentes, ou pobres, só poderá se concretizar com o trabalho produtivo no campo, na cidade, através da produção agrícola, industrial, tecnológica, eletrônica e de prestações de serviços, tudo isso, porém, planejado e realizado de molde a não comprometer o equilíbrio ecológico da Terra.
Não é com especulações de dinheiro proveniente de rendimentos de agiotagem ,conforme foi tão bem repudiada em recente artigo do jurista Dalmo Dalari no JB, que as economias dos países se desenvolvem e trazem bem-estar global.
Se especuladores ou investidores corruptos não se deram bem em suas tentativas de lucrarem a todo custo e sem responsabilidade, não cabe aos Estados socorrê-los..
Obviamente, é dever e obrigação dos governos mundiais de punir todos os responsáveis que levaram as sociedades dos diversos países até agora diretamente afetados a terem prejuízos para os quais não concorreram.
Há que divisar um caminho alternativo para o sistema financeiro mundial não chegar a essa situação de protofalência geral. A lição que o neoliberalismo nos deu até então não constitui nenhum exemplo recomendável como via segura da saúde financeira das nações. A meu ver, o papel dos Estados democráticos tem, a partir de agora, a obrigação de fiscalizar, com alta competência técnica e visão antecipadora, os possíveis riscos a que está sujeita a vida financeira de seus respectivos países. Isso não configura estatismo de vigilância, mas ação determinada a prevenir abusos do poder econômico.
O Estado deve ser, sim, um agente de combate contra a especulação pela especulação, i. e., deve se imiscuir sempre que as manipulações sejam favorecedoras de acumulação de lucros improdutivos, que só servem para o enriquecimento desordenado de minorias privilegiadas dentro e fora do Brasil.
Não é exeqüível, dentro de uma imensa complexidade de uma economia globalizada, deixar que a sociedade, o indivíduo fiquem à mercê da ganância e das jogadas e negociatas no universo das economias. Não podemos nos tornar reféns do banditismo financeiro da agiotagem (termo, aliás, empregado por Dalari) nacional e transnacional. Que cada um ganhe o seu dinheiro com o suor do seu rosto e que, no caso brasileiro, o governo deixe de praticar as maiores taxas de juros - o grande filé mignon de exploração e insaciável cobiça tanto da parte dos últimos governos brasileiros quanto da parte de especuladores estrangeiros que aqui aportam na desenfreada aventura do money rush conseguido graças ao fascínio exercido por aquelas altas taxas de juros em moeda forte.