O TRABALHO, O ÓCIO E A PREGUIÇA
Por Elmar Carvalho Em: 17/02/2014, às 15H49
ELMAR CARVALHO
Muitos consideram que os nossos índios eram preguiçosos. Entretanto, outros tantos (ou mais) entendem que não se tratava de indolência, mas que eles trabalhavam apenas o suficiente para a sua sobrevivência e da família, mesmo porque não tinham a preocupação de acumular riquezas em celeiros ou paióis. Jesus (Mateus, 6:19) nos advertiu para que não tenhamos apego aos bens materiais, ao dizer: “Não ajunteis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem tudo consomem, e onde os ladrões minam e roubam”.
Alguns defendem a tese de que a preguiça não deve ser confundida com o ócio. Enquanto a primeira seria a pura e total indolência, em que a pessoa se compraz em nada fazer, nem mesmo pensar ou ler, o segundo seria o estado de inércia ideal para alguém pensar, refletir, criar e elaborar uma obra de arte ou um trabalho intelectual. Através do ócio produtivo e criativo, o artista poderia conceber mentalmente uma pintura, uma estátua, um poema ou qualquer outro artefato artístico, que depois executaria no suporte adequado. Também alguma invenção e teoria poderiam ser concebidas através de um tempo destinado exclusivamente à reflexão.
Atualmente, a fábula da formiga e da cigarra teria sido modificada, de forma que a sua lição ou moral já não é a mesma. A formiga era apresentada como exemplo de dedicação ilimitada ao trabalho e de previdência, sempre com os celeiros refertos de alimentos, sem nunca passar fome, mesmo na época das intempéries. A cigarra, ao contrário, era vista como preguiçosa e imprevidente, precisando, para sobreviver, da misericórdia alheia, e portanto tinha a mácula de pedinte ou mendiga.
Na versão contemporânea da alegoria, entende-se que a cigarra não é e nem nunca foi indolente; que seu ofício ou profissão é cantar. Nasceu para ser cantora, sendo esta a sua vocação incontrastável. Conta-se que, por meio de sua arte e de seus shows, leva uma vida nababesca, não mais necessitando da caridade de ninguém, ao passo que a formiga leva uma vida de sacrifício, de muito trabalho e pouca recompensa.
Por falar em trabalho e indolência, contou-me um amigo que uma pessoa de sua amizade lhe expusera um fato acontecido com seu pai. Este, quando ainda jovem, foi trabalhar para uma proprietária rural, em serviço de farinhada. Seu trabalho consistia em “puxar” uma roda de um aviamento, que era o nome que se dava a uma casa de beneficiar mandioca, para a produção de farinha, puba, goma, beiju etc.
A roda que o pai do amigo de meu amigo deveria girar (ele de um lado e outro trabalhador no lado oposto), mediante uma manivela, era ligada por uma correia de couro ao “caititu”, que era o nome dado a um cilindro dentado, em que o tubérculo da mandioca era transformado numa pasta, que depois passaria por outros procedimentos até chegar ao produto final. Um trabalhador, geralmente uma mulher, encostava a mandioca nas serras metálicas do “caititu”, com muita atenção e perícia, pois poderia sofrer sério acidente e ficar sem parte dos dedos, caso se descuidasse ou exagerasse na força empregada.
Após o almoço, o trabalhador tentou tirar um cochilo, recostado a uma parede. Foi repreendido pela matrona rural, que advertiu não haver intervalo para descanso, e que ele deveria retornar imediatamente ao manejo da roda do aviamento. O homem resmungou algumas palavras ininteligíveis, mas que demonstravam o seu protesto e insatisfação. A proprietária da casa de farinhada não teve complacência, e o repreendeu com estes versos: “Se você não gosta de trabalhar, / trabalhe mais ainda; / trabalhe até ter, / e depois que tiver / trabalhe lá se quiser”.
Esse trabalhador incutiu na cabeça do filho, desde que ele ainda era bem novo, para que se esforçasse para obter o seu próprio imóvel, para não ter a vida sofrida, a vida severa severina que ele tivera. O rebento seguiu-lhe o conselho, e conseguiu adquirir a sua propriedade rural, para não ser vítima das agruras que seu genitor padecera.