O sequestro de Machado de Assis
Por Paulo Franchetti Em: 08/06/2020, às 19H35
Em 2006/2008 dediquei-me pela primeira vez, de modo sistemático e tão exaustivo quanto possível, a ler a fortuna crítica de Machado de Assis. O motivo era a preparação de um estudo sobre "Dom Casmurro", uma apresentação do romance na Coleção Clássicos Ateliê.
Logo na sequência, voltei a me dedicar ao autor e à sua leitura corrente – mais especificamente à interpretação de "Dom Casmurro" – num artigo de 2009, publicado na revista do IEA/USP, intitulado 'No banco dos réus'.
Passaram vários anos até que eu retornasse ao autor e ao assunto, o que fiz somente há dois ou três, para redigir o estudo de apresentação de "Esaú e Jacó", volume já no prelo pela mesma editora que publicou o "Dom Casmurro".
Nos três textos, apresento minha distância do que parece ser a leitura dominante da obra de Machado: aquela que Abel Barros Baptista – num livro tão notável quanto ignorado no Brasil – denominou “do pé-atrás”. Trata-se de um modo de aproximação e interpretação que me parece bastante problemático, porque redutor e, em certos momentos, francamente despropositado.
É certo que Baptista oferecera uma visão alternativa, que fugia tanto à alegorização desenfreada, quanto à postulação de que o correto entendimento da literatura de Machado – porque capaz de escapar à armadilha ideológica armada para o leitor, e de desvendá-la – só foi possível fazer-se no terceiro quartel do século XX, a partir da postulação de que aqui as ideias andavam fora de lugar.
Nos meus estudos, não propus uma visão alternativa. Pelo contrário: percorrendo a fortuna crítica e analisando a resposta desses críticos (e de outros) aos romances de que me ocupava, fiz um esforço de abrir a perspectiva, seja por meio da crítica ao que me parecia pouco produtivo ou redutor em cada uma delas, seja por meio de sugestões de outros caminhos de leitura. Um exercício, por assim, dizer, de afastar os antolhos, para que a obra pudesse vibrar mais livremente na mente do leitor, após este ter percorrido o grande leque de leituras anteriores e de questões possíveis. Afinal, esses estudos se dirigem a leitores jovens, são realmente textos de apresentação e estímulo à leitura.
A verdade é que, ou porque estivesse centrado na apresentação das obras, ou porque não achasse que valeria a pena o esforço de entrar num embate propriamente metodológico e teórico com a visão hegemônica, entre nós, da obra de Machado, não me dediquei a essa tarefa. Mas sempre lamentei que alguém não o tivesse feito, porque a inconsistência me parecia valer o esforço da crítica.
Mas eis que eu estava totalmente enganado. E confesso aqui a minha enorme falha: não dei pelo fato de que a crítica que eu julgava necessária já estava disponível desde 2010. Minha primeira reação foi de espanto: como pude não dar por isso? Alguém terá referido, não é possível que não! Eu é que devo ter me descuidado! Mas de fato, revendo minhas anotações, vejo que me passou mesmo. Se alguém referiu, eu não percebi ou não dei importância – o que me parece pouco provável, dado o título do texto.
O mais provável é que não tenha havido nenhuma referência capaz de me chamar a atenção. Mesmo os livros de Baptista, como disse, não costumam aparecer na bibliografia machadiana, embora todos tenham sido publicados no Brasil, pela Editora da Unicamp... Então não é impossível que esse outro texto também terminasse por não ser referido ou debatido.
E este é o sentido deste post: um serviço de utilidade pública. Não quero que outros se vejam na mesma situação que eu, isto é, na situação de publicar um longo trabalho sobre um autor, sem ter podido consultar uma referência de grande valor e interesse, publicada 8 anos antes!
Aqui vai, portanto, a referência. Quanto a mim, uma leitura decisiva:
Wolf, Eduardo. "O sequestro de Machado de Assis – 'Um mestre na periferia do capitalismo' vinte anos depois”. Revista "Dicta&Contradicta", número 6, pp. 118-133. São Paulo: Instituto de Formação e Educação, dezembro de 2010