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Não, a pior tragédia não é a que tomba inesperada, rápida, definitiva e única como um raio e que até pode ser atribuída a castigo divino... Mas a que se arrasta quotidianamente, surdamente, monótona como chuva miudinha.
Mario Quintana
O fim do mundo não aconteceu. O asteroide DA14 não colidiu com a Terra. E nesse momento quase consigo ouvir o longo suspiro de alívio que as mentes mais sensíveis deixaram escapar. “Ufa! Escapamos dessa!”, foi o que todos pensaram. Será?
O ano de 2012, desde o primeiro segundo, esteve marcado por todo o tipo de presságios. Eles foram discutidos e analisados à exaustão em programas de TV, jornais, revistas, rodas de bar e, é claro, nos bate-papos das redes sociais. Todos estavam ansiosos em descobrir se as previsões do calendário maia tinham algum fundamento, ou seja, se no final de 2012 o nosso mundo deixaria de existir. Para alcançar esse objetivo, além de ressuscitar Nostradamus e as suas famosas profecias, pessoas imbuídas (acredito eu) dos melhores propósitos tentaram dar uma conotação mais espiritual para o que o calendário não dizia. Assim, a internet, as caixas de entrada de emails e as páginas do Facebook estiveram repletas de anexos e links contendo informações – algumas, inclusive, atribuídas a NASA – sobre o que os maias, muito provavelmente, nunca tiveram a intenção de dizer.
Enfim, 2012 foi um ano tenso. E conforme a fatídica data de 21 de dezembro se aproximava, maior era a tensão. Sei de pessoas que um dia antes “do fim” chegaram a se despedir de familiares e amigos. No entanto, o dia chegou e passou e nada aconteceu. “Ufa! Escapamos dessa!”. Alívio geral.
No entanto, quando a população do planeta começava a relaxar, fazendo planos para 2013, outra “bomba” caiu: um asteroide, de aproximadamente 130.000 toneladas iria passar, no dia 15 de fevereiro, muito perto da Terra.
Novo susto. Novas pessoas com crises de ansiedade. Novos presságios. E de novo Nostradamus.
Não adiantou a NASA (a verdadeira) assegurar que não existia chance do asteroide colidir com a Terra. Dessa vez, muitos (provavelmente os mesmos de antes) estavam certos de que o fim estava próximo. Contudo, o dia 15 chegou e passou e o asteroide seguiu o seu caminho, exatamente como os cientistas tinham previsto. “Ufa! Escapamos dessa!”. Nova onda de alivio[1].
E a chuva de meteoros na Rússia? Com certeza, outra potencial catástrofe, com uma diferença: não houve nenhum aviso prévio. Sobre ela parece que os maias e Nostradamus nada sabiam.
Resultado dessa “peraltice celestial”? Aproximadamente mil pessoas feridas. Relação com o asteroide? Para os cientistas que trabalham nas agências espaciais, nenhuma. Aliás, segundo os russos, não foi uma chuva, mas um único meteoro que se movimentava a uma velocidade de 30 km/s em uma trajetória baixa.
De qualquer maneira, essas três ocorrências deixam em evidência as nossas fragilidades – física e emocional – frente a situações sobre as quais não temos nenhum tipo de controle. Também fica claro o quanto esse pequeno planeta, ao qual chamamos Terra, está exposto a “acidentes” que podem torná-lo, em questão de minutos, completamente inabitável. Os mais impressionáveis, por exemplo, ficariam aterrorizados se descobrissem que estamos sendo bombardeados por meteoritos praticamente o tempo todo. Se ainda estamos vivos é por que a sorte está do nosso lado. Traduzindo: esses meteoritos ou são muito pequenos ou caem em regiões desabitadas. Pura sorte é o que nos separa de um final cataclísmico!
A essa altura você deve estar pensando: “Agora, depois que tudo passou, falar é fácil”. Concordo. No entanto, do alto desse meu pseudoconforto tenho suficiente clareza para reconhecer que não estou imune a essas angústias e ansiedades. O planeta pode não ter se transformado em poeira estelar, mas ao longo de 2012 reconheço que muitos “pequenos mundos” se perderam, afetando as vidas de todos os que estavam ligados a eles. Do mesmo modo, não fui atingida por nenhum meteorito perdido, mas sei que muitas “pedras” ainda podem cair sobre a minha cabeça e o meu único desejo é ser capaz de sobreviver a elas.
Portanto, é impossível garantir que mais adiante não estejamos novamente mergulhados em novos e nefastos presságios. Pode ser que precisemos trazer Nostradamus à luz muitas outras vezes. Tudo é possível. Contudo, transformar essas preocupações “cósmicas” em uma obsessão não vai resolver nenhum dos nossos problemas. Ao contrário. Tragédias sempre vão existir, pequenas ou grandes, não importa. Elas fazem parte daquilo que chamamos vida e apesar (ou por causa) delas, seguir em frente é uma obrigação. Afinal, como escreveu Saramago, a maior tragédia é não saber o que fazer com a vida.


[1] Porém, para os que querem preparar planos de emergência para o futuro, informo que esse asteroide deve retornar dia 16 de fevereiro de 2046.