O palácio de Salomão
Em: 08/12/2009, às 07H19
O palácio de Salomão
Rogel Samuel
- A palavra branda aplaca o furor, a palavra dura excita a cólera, dizem os Provérbios 15,1, cita o taxista.
- Veja só, diz o taxista, sorrindo.
Era um homem gordo e se dizia evangélico. Continuou falando. Verifico que ele era culto e sábio. Falamos sobre a Bíblia, sobre David e Salomão. A conversa girava em torno dos fatos históricos. Eu me esquecia do engarrafamento, do calor (o táxi estava refrigerado), da minha tendência à preocupação demasiada.
- Salomão tinha 200 esposas, disse-lhe eu.
- Sim, respondeu ele, e era muito rico. Ninguém foi tão rico quando ele.
Lembrei-me do texto de Pessoa, que diz:
“Não chóro por nada que a vida traga ou leve. Há porém paginas de prosa me teem feito chorar. Lembro-me, como do que estou vendo, da noute em que, ainda creança, li pela primeira vez numa selecta, o passo celebre de Vieira sobre o Rei Salomão, "Fabricou Salomão um palacio..." E fui lendo, até ao fim, tremulo, confuso; depois rompi em lagrimas felizes, como nenhuma felicidade real me fará chorar, como nenhuma tristeza da vida me fará imitar. Aquelle movimento hieratico da nossa clara lingua majestosa, aquelle exprimir das idéas nas palavras inevitaveis, correr de agua porque ha declive, aquelle assombro vocalico em que os sons são cores ideaes — tudo isso me toldou de instincto como uma grande emoção politica. E, disse, chorei; hoje, relembrando, ainda chóro. Não é — não — a saudade da infancia, de que não tenho saudades: é a saudade da emoção d´aquelle momento, a magua de não poder já ler pela primeira vez aquella grande certeza symphonica”.