O mundo dos vampiros de silício
Por Miguel Carqueija Em: 09/04/2012, às 09H01
(Miguel Carqueija)
Uma das recorrências da Ficção Científica é especular sobre como serão os alienígenas.
Nota: em 20 de setembro de 2010 esta coluna publicou meu conto “Mundo vampírico”. Agora o amigo Ronald Rahal, escritor de FC e autor de “Regresso à máquina do tempo”, “VINCI” e outras obras publicadas pela agbook.com.br, refundiu a história nesta nova versão; trabalhamos algumas semanas para fechar este novo texto, baseado no primeiro.
O MUNDO DOS VAMPIROS DE SILÍCIO
Miguel Carqueija/Ronald Rahal
I
Quando o fenômeno nos atingiu estávamos voando em direção da Terra, para pousarmos na grande pista de Cabo Cañaveral. Já tínhamos feito aquela viagem uma dezena de vezes. Bastante curta, para os padrões atuais. Apenas alguns milhares de quilômetros, da estação espacial até nosso planeta. Ou em sentido inverso, quando transportávamos equipamento e víveres até ela. Daquela vez não seria diferente e ninguém entendeu muito bem o que aconteceu, quando o fenômeno nos pegou sem aviso algum nos jogando para um local distante 1500 anos-luz da Terra, um lugar onde nenhum homem havia estado até então. O que nos atingiu, acima do Triângulo das Bermudas, talvez nos desse alguma celebridade, já que com toda certeza, seríamos mais uma das famosas desaparições que tinham ocorrido naquele local. Estávamos agora, por conta própria e pela primeira vez a humanidade, ou melhor, doze dos seus representantes, poderiam finalmente resolver esse mistério que até o século XXIII, continuava insolúvel.
Nossas medições indicavam que havíamos emergido do hiperespaço no lado oposto à nebulosa Cabeça de Cavalo e tínhamos diante de nós uma configuração celeste desconhecida, em grande parte não mapeada e fora do alcance de observadores do Sistema Solar, justamente por ficarmos atrás da poeira e gazes que a compunha, obstruindo grande parte do espectro eletromagnético. A humanidade ainda não possuía equipamento de comunicação que pudesse vencer tamanhas distâncias e a impossibilidade de qualquer socorro, era angustiante.
O local onde a nossa nave se encontrava pousada, já que simplesmente, havíamos nos materializado, sem singrarmos o espaço, era certamente um planeta, que pela gravidade, deveria possuir uma massa um pouco menor que a da Terra. A estrela não era uma anã amarela como o nosso Sol, mas uma pequena anã vermelha. E do ponto onde estávamos, seus fracos raios banhavam a paisagem num crepúsculo avermelhado. Não havia oxigênio e o planeta parecia ser totalmente desértico. Nenhum traço de água. Apenas rochas e mais rochas que nos envolviam por todos os lados e se perdiam de vista.
Após o impacto da brusca passagem, nos refizemos e pretendíamos explorar a superfície, para descobrirmos que forças nos tinham trazido até aquele lugar.
— Nós teremos de sair mesmo? — disse Allyson, remexendo inutilmente em mapas celestes.
— O que vamos procurar lá fora? Aonde? — a face escura de Gilda demonstrava perplexidade.
— Quando se está em perigo, num ponto desconhecido do espaço, a melhor chance de sobreviver é descobrir o que os arredores nos oferecem. Se nos permitirá prolongar a estadia e alguma possibilidade de retorno. – retorquiu Allyson.
— Já tenho o perfil dos arredores, e os sensores não acusam nenhuma forma de vida complexa. Não há oxigênio e menos ainda, água. A superfície pelo menos é sólida e lá poderemos fazer uma avaliação externa do casco da nave e algum reparo, se for necessário — completou Gilda.
— E os habitantes? — perguntei eu.
— Não há habitantes, Hélio. Pelo menos não foi possível detectá-los – continuou Gilda, com o rosto pregado nas leituras da tela. — Logo, não há civilização por lá. Talvez microorganismos extremófilos... Ah, sim! A densidade é perto de um, o que vem a ser uma extraordinária coincidência.
— Um mundo terrestre e bem seco — disse Arlene.
— É isso aí. – ironizou com certo desânimo, a voz de Gilda.
Allyson estava otimista com as nossas possibilidades. Quanto a mim, achava mais seguro ou confortador pousar num mundo com melhores condições. Mas era melhor do que ficar à deriva no espaço com um sério defeito nos motores. Acompanhava, portanto, sem grandes dúvidas, o otimismo dele. Mas fui dar uma olhada na tela panorâmica, observar o planeta que era o objeto de nossa atenção. Sentei-me, e liguei os sensores óticos externos para observar aquele mundo.
Curiosamente, qualquer coisa como um calafrio passou pela minha espinha. Perdido no horizonte, eu tive a impressão de ver alguma coisa familiar. Parecia o contorno de alguns navios ou de aviões, mas estavam longe demais para se ter certeza. Mas poderiam ser isso mesmo, àquela distância da Terra, ou meus sentidos enganavam-me? Por sorte, a nave que nos abrigava era como nosso planeta, que nos permitira sobreviver à viagem pelo hiperespaço. Mas a grande pergunta era: por que isso acontecera? O que ligava o nosso belo mundo, cheio de vida, àquela paisagem alienígena, que mais lembrava a cena de um filme de terror? Havia algo de imponderável que não parecia normal naquele planeta. Talvez as sombras. Um excesso de sombras derramando-se pelas planícies secas, em ângulos bruscos; um excesso de despenhadeiros; de rochas que se estendiam da nave até as elevações íngremes no horizonte, verticais, como se cortadas à faca, e nenhum sinal evidente de atividade vulcânica. E um céu rubro, sem nuvens.
Não que isso me preocupasse. O nosso transmutador elemental poderia dar um jeito para obter água, se tal se fizesse necessário. Mas aquele planeta sombrio e árido não me tranquilizou. Visto mais demoradamente, com detida análise dos detalhes, parecia eriçado de presas pontiagudas, ameaçadoras. Que curiosamente pareciam rodear a nave. Talvez fosse mera coincidência. Em seu silêncio cósmico, sem vento e outros fenômenos dinâmicos perceptíveis, aquelas rochas próximas pareciam estar à espreita, à espera de alguém, com más intenções. Eu nunca vira um mundo com aquela aparência, mas os meus companheiros não demonstravam preocupação. Eu poderia estar com o sistema nervoso abalado, fato comum em astronautas. Desliguei a tela e fui descansar.
Quando acordei, a equipe tinha comprovado que a atmosfera não era mesmo respirável. Isto seria um milagre em tais circunstâncias. A análise não estava totalmente pronta, mas Cobain adiantou-me que a proporção de nitrogênio era mínima e de oxigênio, rara. Ventos eram quase nulos, fraquíssimos, o que indicava que o planeta devia ter uma rotação bastante lenta. Talvez um dia de vários meses.
Havíamos já pousado numa planície de aspecto lunar. Allyson encarregou nossos computadores de proceder a mais completa devassa do sombrio planeta, preparando assim uma expedição extra-nave. Eu me sentia mais inquieto que o normal, já presa de uma inexplicável angústia que me esforçava por mascarar. Afinal, o que estava havendo comigo? Caminhei até o refeitório para distrair meu espírito com um lanche sem fome que o justificasse. Era uma forma de relaxar.
II
Allyson gostava de sair à frente. Mandou, porém, um dos robôs, o E-943 (“Tango”) descer primeiro como medida de segurança. De início só sairíamos eu e ela, com nossos trajes de proteção, no que seria equivalente a uma tardinha na velha Terra. Mas tal comparação era mais uma licença poética. Aquele crepúsculo avermelhado lembrava mais uma paisagem infernal, do que nosso lindo pôr-do-sol. Mas não poderia ser diferente. Eu provinha de um planeta diferente, e se houvesse alguma forma de vida ali, com certeza estranharia o céu da Terra também.
Era uma pena, que não houvesse geólogos a bordo, porque as rochas próximas formavam uma série de arcos e de figuras bizarras, cuja origem era difícil de explicar. Erosão eólica, ou pluvial, não seriam as causas. Talvez vulcânica do passado, já que não havia nenhuma no presente.
Por sorte E-943 ia à frente e após cem metros ele se chocou com alguma coisa invisível e retrocedeu imediatamente. Parecia algum tipo de campo de força. Ele começou a rodeá-lo e em dez minutos fez todo o perímetro. Seja lá o que fosse, cercava toda a nave. Estávamos presos dentro de uma caixa de energia. Seria aquilo natural ou artificial? Como um planeta sem vida poderia envolver nossa nave, num campo de força? Ou o planeta nos reservava ainda muitas surpresas? Fenômenos totalmente desconhecidos?
Apesar de não poder ultrapassá-lo, podia ver à minha frente, um panorama desolado e desesperante, rochas, rochas e mais rochas, um deserto gelado, estilhaçado. Quilômetros adiante, paredes verticais pontiagudas. Pelo rádio, Allyson e eu avisamos a tripulação da extensão do campo, o que deixou todo mundo atônito. Poderia albergar qualquer navio ou avião de grande porte. Inclusive a nossa nave. Senti-me como um rato, preso numa gigantesca ratoeira. E talvez fosse isso mesmo. O planeta, por alguma razão, nos aprisionara. Senti calafrios apesar de estar no interior de nossas roupas espaciais, modelo Ajax, modernas e confortáveis, cheias de recursos.
Rodeamos a nave várias vezes para ver se havia alguma brecha, mas em vão. No caminho, o robozinho com sua esteira passou por cima de alguma coisa, que deveria estar enterrada há muito tempo naquele chão alienígena. Aproximei-me e, com as luvas, cavei ao redor do objeto. Ele saiu com facilidade daquela areia esbranquiçada e não acreditei no que vi. Era um pequeno colar, com um pingente em forma de coração. Por causa das luvas, tive certa dificuldade em abri-lo, mas ali estava a prova de que realmente não éramos os primeiros a chegar àquele mundo. Era a foto de um casal, muita antiga. Pelas roupas deveria ser do longínquo século XX ou XIX, não dava para precisar com certeza. Então aquela impressão que tivera de ver bem ao longe as silhuetas de navios e aviões estava correta. Não havia mais dúvidas de que ali era o lugar para onde tinham vindo parar todos aqueles navios, aviões desaparecidos com seus tripulantes e passageiros, no que ficara conhecido como o Triângulo das Bermudas. Mas o quê acontecera com todas aquelas pessoas? Sem oxigênio, teriam morrido asfixiadas. Mas por que não havia vestígios de seus corpos? E dos navios e dos aviões? Para onde tinham ido? Caminhamos bem devagar por aquele solo sem maior dificuldade, enquanto o robozinho ia colhendo dados espectrográficos, mineralógicos, de todo o perímetro e vez ou outra, um objeto terrestre.
— Que você acha, Hélio? Um mundo bem rebarbativo, não é? Será que teremos mais sorte do que os outros que vieram parar aqui?
— Allyson... Eu ainda não estou certo, mas se aqui houver vida eu lhe pago um sorvete.
— Tão pouco assim? É o que vale haver vida aqui?
— É que eu em geral só pago sorvetes para garotas... Portanto é uma concessão e tanto.
— Ele riu e olhou para cima, fitando, ao que me pareceu, alguns picos mais altos, que se destacavam como dentes caninos das outras elevações do panorama, uma espécie de anfiteatro.
— Concluiu a sondagem, E-943? — perguntei.
Ele se virou para mim e respondeu na sua voz sintética.
— Sim, tripulante Hélio. O campo se inicia nestes pilares rochosos que nos envolvem. — Aquilo era uma coisa estranha de se ouvir.
— E-943. O campo é de origem natural?
— Improvável. Não há referências sobre a origem natural de tal campo.
— Então é artificial? – perguntei, assombrado.
— Chance de 98,9 % de certeza.
Eu e ele nos olhamos e reportamos para o comandante a descoberta. Então estávamos presos num campo artificial. O que indicava talvez um meio para se obter um propósito. Mas qual seria ele e quem seria o responsável pela sua construção, já que não havia vida no planeta?
— E-943, faça uma varredura nesses pilares rochosos próximos. Verifique se a corrente flui por eles ou se são a origem dela.
Apesar de não poder ultrapassar o campo, ele fez o possível para burlar aquela barreira, conseguindo ler alguma coisa.
— Então? – perguntei eu, ansioso.
— Os pilares, possuem uma consistência impar de cristais, o que supõe recomposição inteligente. Eles são a origem do campo.
— O quê? Então não são simples rochas?
— Exato. Assemelham-se a mecanismos sofisticados.
Olhei para aquele horizonte, cheio daquelas rochas sinistras, imaginando que tipo de criatura teria construído aquilo que nos rodeava se habitava para além daquela parede de energia, por quê não aparecia, enquanto captava alguns comentários dos colegas?
— É tão feio esse mundo... Parece saído daqueles velhos filmes de horror (Jackson).
— Nunca vi montes tão pontiagudos... (Arlene).
— É de fato muito sinistro (Gilda).
O comandante, diante daquelas descobertas, alertou a todos para que ficassem preparados, já que o que estava lá fora parecia ser hostil. Eu concordava com os pensamentos de meus colegas e achava tudo isso também, mas parecia-me banal expressar em palavras.
Caminhamos em silêncio durante alguns minutos ao redor da nave e aquela atmosfera opressiva nos tirara a vontade de falar. Por fim, respondíamos às informações do robô ou aos nossos colegas, mas não falávamos espontaneamente. Havia alguma coisa esquisita cavucando no meu subconsciente, algo que o meu consciente não podia ou não queria identificar de pronto. Aquele mundo me parecia horroroso, mas o simples aspecto orográfico não deveria me impressionar tanto.
— Não acha que chega por enquanto? — falei a certa altura, dirigindo minha lanterna do traje para os saibros do caminho.
— Hélio... Nota alguma coisa diferente?
— Diferente? Onde?
— Essas rochas que nos rodeiam. Alguma coisa...
Olhei sem compreender onde Allyson queria chegar. Fitei por um momento as pilastras e outras formações próximas e nada vi além do que já tinha observado. Allyson parara, como que hipnotizado, só que eu não podia ver senão vagamente a sua fisionomia, através do visor do capacete. Subitamente, porém, percebi alguma coisa na paisagem. Parecia ter-se alterado o ângulo das rochas do anfiteatro, sobretudo os picos semelhantes a dentes. Era como se estivessem mais próximos uns dos outros, coisa obviamente absurda.
Um grito agudo explodiu em nossos ouvidos:
— Que horror! Que horror! Vejam essa foto, vejam!
Pudemos escutar as vozes espantadas de Cobain e dos outros, admirados com o pânico de Arlene; e em seguida a explicação que ela deu:
— Não estão vendo? Não percebem? É uma das fotos tiradas faz menos de dez minutos! Vejam... Vejam o que isso parece!
— Incrível! — era Cobain, homem de poucos espantos.
— Que está acontecendo afinal? — Allyson quase berrou. — O que é que há na foto?
Foi Jackson quem informou:
— Allyson, essas pilastras e rochedos vistos de cima parecem... parecem... ter-se movido! Vou tirar mais uma foto e pedir ao processador central, que compare as três, para ver se há alguma diferença.
— Rochas se mexendo? — agora era eu, indignado com aquela história. — Ora bolas, vocês estão bem grandinhos para terem medo de assombrações...
— Allyson, porém, segurou-me o braço e sussurrou-me:
— É isso mesmo, Hélio. Essas rochas parecem ameaçadoras. É como se estivessem se fechando sobre nós.
De repente, E-943 disparou seu alerta:
— Campo enfraquecendo e desaparecendo. À minha contagem, deixará de existir. Dez... nove...
Assim que o fiel robozinho terminou a contagem, o campo deixou de funcionar. O que ocorreria agora?
— E-943. Vá até o limite do que era o campo e tente ultrapassar. Qualquer novidade retorne imediatamente.
A máquina obedeceu e ultrapassou a linha imaginária que o delimitava e seguiu em frente passando pelas primeiras pilastras. Mas não foi muito longe. Antes mesmo que pudesse fazer alguma coisa, a rocha, ou que parecia ser uma rocha, emitiu uma fluorescência que envolveu a estrutura da fiel máquina. E-943 simplesmente foi sugado por ela. A coisa toda durou poucos segundos. Apenas alguns componentes de seu corpo caíram no solo. Isso explicava como todos aqueles objetos terrestres tinham vindo parar no chão.
A cena nos revoltou tanto, que eu e Allyson sacamos de nossas armas de lasers e disparamos por quase um minuto sobre aquela pilastra. Ela incandesceu e se rompeu na base, caindo para trás. Por segundos, imaginei ter ouvido um grunhido.
— Voltem imediatamente para a nave! — berrou o comandante. – Aí não é seguro!
Olhei de novo para cima. Dessa vez não haveria racionalização que pudesse negar a evidência. As pilastras — ou o que quer que fosse aquilo — estavam mais próximos uns dos outros, e já começavam a encobrir o céu.
— Voltem! Voltem depressa!
Várias vezes nos chamaram denotando uma pressa angustiada e louca. O movimento das rochas parecia, a pouco e pouco, se acelerar, tornando-se mais perceptível aos sentidos.
— O solo está tremendo! Voltem depressa! — gritou Arlene, completamente excitada.
Allyson e eu corremos, corremos de um jeito que eu nunca esperaria poder dentro de uma roupa espacial. Reentramos na astronave, sem olharmos para trás.
Por sorte, nossa nave possuía um sistema de disparos de lasers, para destruir eventuais lixos espaciais ou pequenos asteróides, e começou a disparar contra os rochedos e pilastras mais próximas. Foi um pandemônio total. Dezenas daqueles rochedos foram pulverizados e enormes pilastras desabaram. Depois de alguns minutos, sobreveio o silêncio. E o campo foi novamente ligado.
III
Ficamos horas sem entender qual era o significado de tudo aquilo. Quer dizer, em parte. Consultamos os bancos de dados da nave e pelo menos descobrimos algumas coisas interessantes.
Aquelas rochas lá fora, só poderiam ser formas de vida, baseadas não no carbono, como nós, mas no silício. O que explicava sua lentidão, já que o metabolismo destes seres era mais lento.
Talvez carentes de recursos, tinham se tornando predadores. E inteligentes, a ponto de construírem um buraco-de-minhoca e trazer para o seu planeta os nutrientes necessários à sua subsistência. Isto explicaria a falta total de esqueletos e a remoção dos aviões e navios e os restos de algumas ligas que não podiam consumir. Como essas estruturas não lhes interessavam haviam confundido E-943, como um ser orgânico. Apesar do sacrifício do bravo robô, isto nos salvara a vida. Talvez, como especulou o comandante, todos os humanos raptados antes, tivessem morrido quase imediatamente, pelas condições adversas da atmosfera, sem oferecer qualquer resistência e era a primeira vez, que se deparavam com uma. E que experimentaram a morte causada por suas presas. Por isso tinham reerguido o campo de energia. Para se protegerem de nós.
Por fim, tomaram uma decisão, que nos salvou a vida, e permitiu que voltássemos à Terra. Resolveram nos expulsar e o mesmo buraco-de-minhoca, que havia nos tragado, nos trouxe de volta à mesma atmosfera da qual nos tinham raptado. Com exceção da defasagem de tempo, provocado por esses atalhos espaciais, na Terra o nosso desaparecimento ficou sem explicação por quinze anos. Mas nosso retorno, depois desse hiato, teve suas compensações.
Toda a área foi isolada para que ninguém mais desaparecesse no Triângulo das Bermudas e o seu mistério, solucionado de uma vez por todas.
Restavam, é claro, os mistérios daquele planeta, cuja localização sequer conhecíamos. Entre as muitas discussões acadêmicas que se travaram, não faltaram teorias da conspiração: uma delas duvidava que entes de silício e aparentemente sem civilização tecnológica (afirmação apressada, pois nosso grupo não tivera chance de verdadeira investigação da raça local) não poderiam construir e manipular um buraco de verme, logo haveria outros seres, quiçá humanos alienígenas perversos, que os manipulavam com propósitos sombrios e desconhecidos. Também houve quem propusesse uma expedição punitiva, que exterminasse aqueles “alienígenas hostis” numa verdadeira operação de guerra; felizmente o Conselho das Nações não levou em consideração tal proposta, não só por não dispormos ainda de meios para singrar o espaço até além da Nebulosa Cabeça de Cavalo, sendo muito arriscado utilizar o buraco de minhoca, mas também pelo simples bom senso, que aconselhava deixar aquelas criaturas em paz, pois um dia, em distante futuro, poderíamos dar um jeito de conviver pacificamente com elas. E teríamos coisas a aprender.
É claro que isto se mesclou com outra discussão acadêmica, e esta bem óbvia diante dos acontecimentos: a reformulação do conceito de vida. O que era ela afinal? O que havia naquele mundo era, de fato, desconcertante para os nossos conhecimentos, uma amostra de quantas surpresas o Cosmos poderia nos reservar. Infelizmente, as muitas vidas humanas ceifadas insuflaram, em alguns, um ódio que superava o interesse científico. Mas, aquelas coisas estariam sendo precipitadamente julgadas? Não fazíamos o mesmo em nosso mundo? Nós nos alimentávamos de outras formas de vida, indefesas; talvez as criaturas de silício nem tivessem meios de saber que éramos criaturas racionais. E, ao longo da nossa conturbada História, povos exterminaram e escravizaram outros povos — não somente negros e índios oprimidos pelos europeus, mas muitos outros casos ao longo de todos os séculos. Em suma, o respeito pela vida — entre nós mesmos e em relação a outras raças — era algo que valia a pena defender. Era mais importante estudar aquela forma de vida — quando tal fosse possível — que combate-la ou extermina-la.
Também se sugeriu — e esta sugestão foi aprovada — pesquisar um meio de fechar o portal dos extraterrestres, para não ter de manter o isolamento da área pelos séculos futuros. Crê-se que aves, peixes e cetáceos podem ainda estar sendo levados para lá, torcemos porém para que os seres de silício resolvam direcionar seu “worm hole” para algum outro mundo que, de qualquer modo, se for o caso, estará em outra direção e muito distante da Terra.
O que sobrou de bom nessas discussões, onde os políticos também participaram, foi a criação do Projeto V.I.N.C.I. (Verber Interactive for Navigation Cosmonautic Individual) idealizado pelo industrial e Dr. Samuel Verber: unidades de inteligência artificial autônomas que substituiriam os humanos em missões perigosas e de exploração quando se fizesse necessário. E também do projeto seguinte, em parte financiado pela NASA, Força Aérea Americana e as Indústrias Verber, pela qual a Humanidade ousaria desenvolver sua própria técnica de geração artificial de buracos de verme, abrindo um novo e palpitante capitulo para a expansão espacial da nossa raça.