O MÉDICO E POETA LUIZ AYRTON
Por Elmar Carvalho Em: 29/07/2014, às 17H08
ELMAR CARVALHO
Após receber o resultado dos exames que fizera, minha mulher foi consultar-se com o mastologista Luiz Ayrton dos Santos Junior. Felizmente tratava-se de um rebate falso, e nada havia de grave com a sua saúde. Quando retornou, trazia-me o livro de poema “objetopresença”, gentilmente autografado pelo seu autor, ninguém menos que o doutor Luiz Ayrton.
Conheço-o há mais de duas décadas, e com ele entretive algumas rápidas conversas, nas vezes em que acompanhei Fátima a seu consultório. Na dedicatória, feita em mui legível letra, e não em “letra de médico”, o poeta afirma ter “certeza que uma ponte poética nos liga”. Efetivamente somos ligados por essa ponte, que espero seja estaiada e bela, claro que não pela minha, mas pela sua e pela poesia dos vates que admiramos.
Da década de 80 para cá, conquistou cargos e encargos importantes. Tornou-se professor da UESPI e da UFPI. Fez mestrado em Medicina e doutorado em Cirurgia. Foi um dos instituidores da Fundação Maria Carvalho, da qual é presidente de honra. Essa entidade desenvolve notável trabalho filantrópico na luta contra o câncer de mama. Presidiu a Academia Piauiense de Medicina (2008-2010). Pertence a várias outras entidades culturais. Pesquisador, defende acirradamente a memória de Mandu Ladino, tendo promovido vários eventos sobre essa importante figura histórica.
Nas conversas das primeiras vezes em que nos conhecemos, fiquei sabendo que ele era parente de um amigo meu, o parnaibano Jorge Carvalho. Este é um poeta muito criativo, inventivo mesmo, e comprometido visceralmente com a modernidade, tanto no aspecto visual como no jogo lúdico da sonoridade das palavras. Era colaborador e incentivador do jornal alternativo Inovação, de que eu fazia parte, de modo que travei amizade com ele a partir do final dos anos 70. Eu e o poeta Alcenor Candeira Filho temos insistido para que ele publique seus versos em livro, e não apenas em periódicos, como tem feito (raramente) até agora.
O Jorge era muito voltado para a vanguarda literária, sobretudo a poética, e por ter cursado Direito em Recife pôde ter acesso aos jornais e tablóides que divulgavam esse tipo de poesia. Também possuía um vasto acervo de livros de poetas modernistas e pós-modernos. Quando vinha passar suas férias ou folgas em Parnaíba, dava-me alguns desses periódicos e emprestou-me alguns dos livros de versos, que raramente podíamos adquirir na época, a não ser, com dificuldade, através do serviço de reembolso postal dos Correios.
O nosso bravo Luiz Ayrton, assim como o seu parente Jorge Carvalho, também é um poeta ligado à vanguarda. Contudo, cioso da qualidade de seus textos, não teve pressa em publicá-los, e os manteve guardados por muito tempo em esconsa gaveta. Tive acesso a alguns poucos poemas de sua autoria, e logo lhes pude admirar a qualidade. Ao contrário de vários literatos prolíficos e afoitos, que publicam aos borbotões, apenas recentemente enfeixou os seus versos em livro individual.
São poemas contidos, que fogem a derramamentos líricos e emocionais. Conquanto alguns sejam discursivos, entretanto se afastam da oratória e das frases bombásticas e de efeito. São poemas sintéticos, de sintaxe reduzida, quase sincopada, em que são usadas apenas palavras essenciais, que mais sugerem do que dizem expressamente, podendo suscitar mais de uma interpretação, conforme a experiência e a criatividade do leitor.
Artista atualizado, sempre em busca de novas formas de expressão poética, faz as suas intertextualizações, de maneira adequada, sem excessos, de tal sorte que jamais se lhe possa censurar falta de criatividade de seu próprio engenho e arte ou mero desejo de exibir erudição. Alguns poemas são dotados de muita plasticidade, quase como se fossem objetodesenho ou objetopintura, para intertextualizar com o título de seu livro, de onde se conclui que ele soube absorver as mais caras lições do concretismo e dos poemas visuais da contemporaneidade.
Posso afirmar que “objetopresença” é verdadeiramente um objeto de arte, pelo esmero de sua vistosa capa, pelo seu belo projeto gráfico, concebido pela Avant Garde Comunicação, Edição & Produção, sob a coordenação da poeta Marleide Lins de Albuquerque, tudo arrematado e alinhavado pelas belas ilustrações de Antônio Amaral, um de nossos maiores artistas plásticos.
Como se tudo isso não fosse o bastante, a revisão feita por Teide Soares Leal Melo Lima me pareceu impecável. Assim, posso dizer que se trata de um ótimo produto embutido em bela embalagem.