O corrupião esperto

Francisco Miguel de Moura

Falando a língua do povo e das crianças, taí um livrinho que vale ouro: “O corrupião esperto”, de Antônio Carlos Fernandes, Ed. Livro Ponto, São Paulo, 2006 – 2ª edição. O autor mora em São Luís – MA, onde leciona literatura brasileira. Aposentado, trabalhou no Banco do Brasil, no Piauí, onde ficou conhecido como “o poetinha”. Na verdade Antônio Carlos publicou um livro de poemas e foi editado numa antologia poética, em São Paulo. Além de poeta, na prosa, sua história infanto-juvenil vale por uma consagração. Porém o leitor quer saber mais. Então, vamos lá. É a história da rebelião de um corrupião líder, contada pela avó esperta do menino Vic, cujos principais personagens são o próprio Corrupião líder, o traidor Chico Preto e mais outros dentre a passarada da mata, nas batalhas pela abertura de todas as gaiolas. O líder ensina como fazer continuamente e em cada ocasião propícia para libertar os engaiolados, desafiando o Sr. Malvadino, dono das gaiolas e viveiros. A primeira vítima do Sr. Malvadino e D. Tolerância (na verdade, esta é mais uma vítima do seu marido) foi o Corrupião Esperto, que logo-logo conseguiu libertar-se, e depois astuciou a maneira de dar liberdade aos outros. E conseguiu. Vitória do bem contra o mal, da natureza contra o desrespeitador.

Penso que, se aquele Sr. Malvadino não fosse tão malvado, poderia ter ouvido melhor a passarada quando solta e com a vantagem de não ter que cuidar de nenhuma gaiola. Teria tempo para observar as belezas naturais. Numa época em que se propaga tanto a defesa do meio-ambiente, seu Malvadino era um devastador, desequilibrava a natureza com sua insaciável necessidade de prender passarinhos.

Mas voltemo-nos ao livro e à literatura precisamente. Ambos perdem terreno para a parafernália dos “games” e da internete com seus milhares de jogos e divertimentos, pra não falar na tevê, a constante e obsessiva diversão com filmes e programas de toda espécie, a maioria sem nenhum sentido elevado, educativo. Tudo isto em detrimento da imaginação criadora da criança, que outrora brincava de soltar papagaio (mas antes os fazia), de jogar bola na rua ou nos quintais, de caçar passarinhos pelo prazer de caçá-los, não simplesmente para pendê-los eternamente. Acreditamos que o autor se baseou em sua infância de tantas outras brincadeiras inventadas, mas, como é óbvio, premiou a de observar os passarinhos da mata e contrapô-los aos engaiolados. A verdade é que o livro recorda, diverte, educa – tão necessário e tão fora de teorias, apenas a prática da vida de criança. E os pássaros todos são crianças. Livro diferente dos didáticos onde a teoria impera. O Corrupião Esperto luta pela liberdade, “não pela libertinagem”, sem desistir, e ao mesmo tempo praticando generosidades como o perdão ao traidor Chico Preto, e ensinando aos bons e maus como recuperarem-se dos seus erros. O autor escreve em língua de gente grande, por isto é que pode e deve ser lido por crianças e pais, por alunos e professores. O estilo é simples, sem atavios, mas também sem rodeios, para descrever os pássaros, o ambiente, as ações e reações, a natureza – está, sim, com bastante poesia. Os valores que o Corrupião Esperto mostra e pelos quais luta são estes: A preservação da natureza, a liberdade, a generosidade e a persistência na luta pelas boas causas. O Corrupião é do jeito que os meninos (os pássaros) queriam: um líder, um pássaro adulto. O autor intuiu que, se há uma coisa que as criancinhas como Vic e Thiago não gostam é que lhes falem como a uma criança, imitando-os. Salvo a exceção das que são portadoras da síndrome de Perter-Pan.

Antônio Carlos Fernandes conseguiu aquilo que os mais experimentados não conseguem: reeditar livros. E ele, sem fazer barulho, de cá do interior, conseguiu a proeza. Tenho quase certeza que este seu trabalho ficará na literatura, entre os melhores do nosso tempo.
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*Francisco Miguel de Moura, escritor brasileiro, mora em Teresina, PI. Membro da APL, da ALERP, da UBE e sócio da IWA (International Writers and Artists Association – Estados Unidos)