Elmar Carvalho

Na qualidade de fiscal do estado, fui designado para realizar serviços de inspeção na cidade de Cruz das Almas. Nessa cidade reencontrei um colega do antigo científico, cursado em colégio da capital. Combinamos jantar num dos restaurantes da urbe. Na hora e no local combinados nos encontramos, eu e meu amigo José Fernandes. Ele se formara em medicina, e viera exercer sua profissão em sua terra natal. Depois de recordarmos os nossos tempos de estudante, ele me contou a história escabrosa que passo a narrar.
 
Na zona rural de Cruz das Almas, no povoado Almécegas, em meados da década de 1960, se fixara um rapaz de nome Domingos Araújo. Era ele um mascate, que perambulava pelos povoados e cidadezinhas da região, vendendo suas mercadorias. Era um tipo metido a simpático, um tanto falastrão, que despertava olhares de admiração das mocinhas casadoiras. Sem ser rico, levava uma vida folgada, sem passar privações. Segundo comentavam, já deflorara meia dúzia de jovens, em outras localidades, de modo que era visto com certa desconfiança pelos pais e irmãos das moças solteiras. Por alguma razão, talvez porque já estivesse enjoado de sua vida, com suas cargas e burros de um lado para outro, sem pouso certo, Domingos Araújo resolveu estabelecer comércio fixo em Almécegas. Trabalhador, simpático, com invejável tino comercial, prosperou, e logo seu comércio se tornou o maior do povoado.
 
Com certa frequência, fazia compra na mercearia de Domingos uma jovem de nome Alice. A moça pertencia a uma família de fazendeiros da região, que já dera ao estado muitos políticos, bacharéis e médicos. Seus irmãos eram um tanto enfatuados, com arroubos de pretensas nobrezas de avoengos. A moça foi advertida para evitar o forasteiro, como chamavam, com desdém, o ex-mascate. Passaram a exercer certa vigilância sobre a irmã, direta ou indiretamente, através de agregados de suas terras. O certo é que, para encurtar a história, começou a correr o boato de que a moça já não era mais virgem, que Domingos já lhe extirpara a virgindade. O pai de Alice e seus dois irmãos mais velhos a puseram sob confissão, inclusive com ameaça de ser levada para Cruz das Almas, a fim de ser examinada por médico amigo da família, para que se dirimissem as dúvidas sobre se ainda era virgem ou não. A moça não resistiu à coação psicológica, e acabou por confessar que fizera sexo com Domingos, mas que este lhe prometera casamento para breve. O coronel Liberato e os dois filhos, Severo e Nonato, acharam que o forasteiro fizera uma grande desfeita e desconsideração; que nem mesmo casando, eles desejavam que Alice tivesse alguma coisa com um desconhecido, do qual não se sabia ao certo de onde tinha vindo e qual a sua procedência familiar.
 
Não demorou muito, os dois irmãos de Alice, numa noite escura, abordaram Domingos em sua residência. Sob a ameaça de dois revólveres, o comerciante os acompanhou, montado em um cavalo que os irmãos haviam trazido, e seguiram para um lugar distante e ermo, nos confins da chapada. Dispenso-me do trabalho melindroso de descrever os urros de dor, as súplicas, as imprecações, os rictos faciais, os olhos esbugalhados de Domingos, que esperneou o quanto pôde, quanto suas pernas abertas foram amarradas a duas árvores, cujo objetivo já lhe tinha sido anunciado. Estendido no chão, seus braços foram atados a outra árvore. Uma navalha bem amolada e habilmente manejada o emasculou em corte preciso. Ficou sangrando, a gemer de dor, desvairado em autocomiseração e em ódio impotente. Mas teve sorte. Na manhã do dia seguinte foi encontrado por cinco caçadores, que improvisaram uma maca, e conseguiram, com a ajuda dos cavalos, levá-lo à cidade de Cruz das Almas. E o fato é que conseguiu escapar. A essa altura os dois irmãos já haviam fugido, e nunca mais voltaram à região, seja para escapar da Justiça, seja para escapar de vingança, uma vez que o ofendido não morrera.
 
Para surpresa de todos, Domingos nunca registrou a ocorrência na Delegacia de Polícia do município, e o fato foi devidamente abafado, já que a própria vítima não teve interesse em sua apuração. Terminou voltando para o povoado de Almécegas, onde se casou com Alice. Nunca se soube de nenhum pormenor de sua vida conjugal. O casal sempre se manteve em absoluta discrição, mesmo em conversa com os mais íntimos. Embora houvesse risos e zombarias à socapa, nunca ninguém ninguém teve a coragem de chamar o marido de castrado, nem de lhe perguntar algo sobre o assunto, que sempre se manteve como um tabu. Nem tampouco as amigas e parentas pediram que Alice lhes falasse de sua vida afetiva, nem de como tinha sido sua lua de mel.
 
Um pouco depois de meu amigo, o médico José Fernandes, haver encerrado a história, uma pessoa, aparentando ter 55 anos de idade, pediu para se sentar à nossa mesa, enquanto esperava a mulher. Era um tipo alto, levemente obeso. Parecia estar bem-humorado, e logo começou a contar suas aventuras amorosas sem nenhum pudor ou reserva. Disse nunca haver negado fogo. Falou que uma das mocinhas da cidade estava “pegando em seu pé”, e quase não lhe dava trégua, o que lhe deixava preocupado, pois temia sua mulher viesse a desconfiar de alguma coisa. Agora mesmo acabara de assumir compromisso com uma ninfeta, para se encontrarem amanhã. Gabou-se de nunca haver engolido viagra ou qualquer similar e de também nunca haver precisado de energético; que, aliás, energia ele ainda tinha de sobra. Nisso, uma bela mulher, de idade indefinida, assomou à porta, e olhou para a nossa direção com um olhar enigmático, em que não se notava nem tristeza nem alegria, mas apenas uma impassibilidade, talvez de defesa, provavelmente deliberada, e não natural. O fanfarrão foi ao seu encontro, após breve despedida.
 
O meu amigo, para minha surpresa, esclareceu: - “O cidadão que acabou de sair é o protagonista do fato que lhe narrei. Depois de alguns anos, veio morar na cidade. Fez uma viagem ao Rio de Janeiro, e de uns anos para cá tornou-se o maior fanfarrão de atletismo sexual que conheço. Suspeito que ele hoje tenha uma prótese, pois a sua fama de garanhão vem crescendo assustadoramente, e já desperta inveja nos homensinteiros. Estou até pensando em pedir para ele me contar o segredo de tamanha performance e envergadura sexual”.