O Brasil atual: do retorno da fome à fome poética
Por Cunha e Silva Filho Em: 15/11/2021, às 14H08
NOTA AO LEITOR:
Estimado leitor, apresento-lhe a seguir a tradução para o português que acabo de concluir. Antecipo-lhe, no entanto, que, na tradução, me alonguei mais um pouco e fiz modificações sintáticas com relação ao meu texto original nesta língua, a fim de aprimorar o texto em inglês, coisa que farei assim que puder.
O Brasil hoje: da volta da fome à fome poética
Cunha e Silva Filho
“Quem é pobre no Brasil não vale nada, não existe.”
(Palavras, citadas, não ipsis litteris, do personagem Cristian, gêmeo do rico Renato, da novela Um lugar ao sol)
INTRODUÇÃO.
A finalidade deste artigo é procurar mostrar, posto que numa exposição resumida, o quanto a realidade social pode se comparar à “realidade” imaginativa, vistas sob duas perspectivas: a primeira, como dados referenciais provocadores de indignação por parte da sociedade; a segunda, por produzir, na maioria das vezes, catarse, devido a sentimentos de indignação, desaprovação, ódio e insatisfação da maior parte da sociedade brasileira, sobretudo do seu atual governo federal.A fim de dar conta desta “realidade” imaginativa, me vali de um poema, precisamente, do poema “O bicho,”[1] de Manuel Bandeira. Mais adiante comentarei sobre este poema.
A PRIMEIRA PERSPECTIVA: A FOME COMO UM PROBLEMA BRASILEIRO CRÔNICO
Na verdade, sei quão difícil é abordar a questão da fome na atual administração do presidente Jair Messias Bolsonaro, uma pessoa cuja popularidade está muito baixa, segundo as mais recentes pesquisas de opinião feitas por instituições privadas que estimam os índices de desempenho de popularidade de candidatos decididos a concorrer a uma segundo mandato na presidência.
Por outro lado, estimaria antecipar que o leitor do poema acima-mencionado possa fruí-lo não não apenas como elaborada construção estética, mas também, e sobretudo, como um interpretação, em termos literários, em seus aspectos e complexidades sociais imbuídos de absurdidades e profundos contrastes e contradições i.e., assimetrias[2] na pirâmide social até hoje mantidos tão rígidos quanto um rocha pelos camadas mais elevadas da sociedade, segundo se pode ver na vertente econômica da elite no país, referidas como os “donos do poder” - uma expressão fundamentada numa bem conhecida obra Os donos do poder de Raimundo, um eminente sociólogo e historiador brasileiro [3]
A ausência de justiça social, nos primórdios da formação da sociedade brasileira, de geração a geração, se foi construindo pelo sistema do status quo da vida social controlado pela Coroa Portuguesa, e denominado. capitanias hereditárias. Uma realidade que, de algum modo, mutatis mutandi, ainda causa perplexidade ao povo. Esta realidade imutável durante anos ainda deixou visíveis vestígios na estrutura hierárquica política e social brasileira.
Com o passar do tempo, após as capitanias hereditárias a distância social entre dominadores e dominados pouco se alterou no país, mesmo com as sucessivas fases de mudanças respectivamente, de vice-reinado, sob a administração lusa deDom João VI e, mais tarde, de duas monarquias, a primeira com seus filho, Dom Pedro I, que proclamou a independência do Brasil e se tornou seu primeiro imperador, seguido, por sua vez, pelo seus filho, Pedro, nascido brasileiro, herdeiro do trono com o nome de Dom Pedro II.
Da mudança de uma Monarquia (1822-1889) a uma República (de 1889 até hoje), poder-se-ia observar que esta relevante circunstância história pouco alterou-se na vida social brasileira, exceção feita à abolição da escravatura (1888), ainda em vigor durante o governo de Dom Pedro II, i.e., a elite continua em formas diversas política e socialmente falando, ao passo que o povo comum continua com as bem conhecidas aflições e agruras.
Entretanto, as ideias de progresso e modernização no Brasil, grosso modo, datam de 1922 chegando até aos dias de hoje, tiveram como símbolo o Movimento Modernista - marco literário cultural chamado de “Semana da Arte Moderna,” ( que, por sua vez, coincidiu com a comemoração do Centenário do Aniversário da Independência do Brasil, cujo feriado nacional ocorre em 7 de Setembro), a qual se realizou no Teatro Municipal, em São Paulo, levada a cabo pelos defensores de novas formas de escrever literatura no país. Lamentavelmente, desejo acentuar, que, nas esferas econômica e sobretudo social, o país ainda exibe uma realidade social sombria.
Na realidade, esta espécie de status social de grupos privilegiados permaneceram questões não solucionadas, sempre prontas a levantarem contundentes e inflamados debates na sociedade brasileira como um todo.
Para começar, o país traz, agora novamente, o fantasma da pobreza em larga escala, principalmente causada pelo desemprego e pelas consequências da pandemia, infelizmente tratada erroneamente pelas autoridades federais e agravada pela desastrosa administração sob o comando do presidente da República de ocasião.
Praticando uma política econômica equivocada que permite uma espécie de laissez-faire, responsável pelo aumento dos preços bem como pela altíssimo custo de vida, sem mencionar o retorno dos problemas inflacionários na economia nacional, o governo federal, sob o comando do Sr. Paulo Guedes, nada fez para conter a escalada de preços no país. Ora, por impor, manu militari, uma política econômica, cujas consequências, fáceis de serem previstas, foram fome e outros males sociais, ou seja, mais violência, mais sem-tetos, mendicância e gente ao deus dará nas ruas das grandes cidades, tais como São Paulo, Rio de Janeiro e pelo país afora.
O governo federal pouco se lixou para deter o altíssimo custo de vida no Brasil. O Sr. Guedes não arredou pé de sua teimosia e de suas atitudes improvisadas, sobretudo no que concerne às práticas do recorrente aumento do petróleo importado pago em dólar, como se a moeda corrente brasileira tivesse o mesmo valor que o dólar americano. Pura insensatez e falta de sensibilidade destes dois Anticristos (esta definição de sua personalidade, agora me referindo especialmente ao Bolsonaro, não é minha, li-a num artigo em jornal de um escritor brasileiro). Decerto tanto o Sr Guedes quanto o presidente Bolsonaro deveriam ser responsabilizados por seus atos cruéis e injustos no que concerne ao tratamento da nossa moeda corrente no âmbito da economia.
Bolsonaro é um mandatário que governa contra as ciências, consoante aconteceu em retardar o combate à letal Covid-19. Logo no início de seu governo revelou-se incompetente para administrar o país com as suas carcomidas práticas conservadoras de uma política econômica equivocada e desastrosa e bem assim em outras formas de governança num país complexo quanto o Brasil, uma nação que, mais do que nunca, precisava de um homem qualificado e humano a fim de dar conta dos nossos mais prementes problemas, notadamente, da fome e da violência.
O presidente governa ao seu talante e de forma improvisada, quer dizer, é um político que não se pode qualificar de estadista. Muito ao contrário. Ele tem sido o pior exemplo de um Chefe de Estado. Sua maneira de governar o país se dirige a ricos ao invés de solucionar os problemas da pobreza no país. Todos esses traços de seu governo poder-se-iam definir como um governo desmancha-prazer, como um exemplo de um homem da extrema direita. Nem mais nem menos. No meu juízo, Bolsonaro é o pior governante que o Brasil já teve até hoje. À semelhança do seu amigo Donald Trump, seus dias já estão contados e seu final, politicamente falando, é triste : um auto-exílio e ostracismo.
Em outras palavras – nunca é demais enfatizar amiúde – o presidente Jair Bolsonaro foi um fracasso como governante e, em certa medida, concorreu para que a fome retornasse ao país, junto com os sem-teto, os desempregados, contabilizados em milhares de pessoas que já nem podem mais sobreviver.
No entanto, existe um paradoxo no que concerne à vida atual no Brasil – e esta particularidade a meu ver, deveria também ser reiterada: o alimento hoje, assim como o foi em passado não tão remoto, histórica e economicamente observado, encontra-se abundante nas prateleiras de nossos supermercados, repletos de uma variedade de itens à venda e ao mesmo tempo, essenciais e básicos,porém fora do alcance dos consumidores empobrecidos que mal podem comprar o mínimo para a sobrevivência. E o que é pior, a pobreza alcançou tanto a classe média baixa quanto ainda a classe média propriamente dita.
Obviamente apenas a classe média alta e os ricos não têm sido atingidos pela falta de dinheiro e poder de compra. Para resumir, poder-se-ia afirmar . para mais um vez frisar esse fato, que o mandato de Bolsonaro tem um propósito: o de governar especialmente para os segmentos sociais mais privilegiados, consoante se infere dos sucessivos maldades cometidas pelo super-ministro da economia brasileira, o Sr. Paulo Guedes, um economista neoliberal da extrema-direita que, no passado prestou serviços como economista durante a sanguinária ditadura militar de Pinochet, no Chile.
O que é pior a assinalar: mesmo o mínimo de produtos alimentares, melhor conhecidos como “cesta básica,” na maioria das vezes, não pode ser adquirido pelos pobres, segundo se vê nas reportagens de jornais assim como num conhecido programa de televisão chamado “Brasil Urgente,” exibido pela TV Bandeirante e dirigido pelo destemido e um tanto vociferante e popular apresentador Luis Datena, em São Paulo. Um programa de larga audiência, preferencialmente assistido por pessoas de classe média baixa e evitado, por preconceito, pela elite e pela alta classe média que o consideram imprensa marrom, sensacionalista, antigamente denominada de “imprensa amarela” ou “jornalismo amarelo,” tanto em jornais quanto, depois, na mídia televisiva em razão de tratarem sobretudo de toda sorte de criminalidade diariamente veiculada pelo apresentador.
Numa de suas recentes apresentações, Datena mostrou cenas terríveis e apavorantes de pessoas literalmente comendo restos de lixo apanhados em áreas ao ar livre ou em algumas ruas da cidade de São Paulo se tornaram corriqueiras. O que ainda é pior, pessoas disputando restos de comida com vira-latas mortos de fome, deste modo catando lixo competindo seres humanos famintos. “Isso é o absurdo dos absurdos.!”
Decerto, tais cenas podem ser vistas principalmente em alguns países subdesenvolvidos em algumas partes do mundo, como na África, na América Latina, América do Sul, no Caribe e até na América do Norte, i.e.,tanto em países emergentes, como o Brasil e em países desenvolvidos, nos quais a injustiça social ainda permanece resistente com se fora uma praga sem fim, devido a muitos motivos ( políticos, geopolíticos, guerras civis e países devastados por sistemas de governos ditatoriais, como no Afeganistão, Síria, Venezuela, Cuba etc. ).
Para só mencionar um exemplo, no nosso maltratado e devastado planeta, agora sofrendo de vários males ambientais, entre outros, o alto nível, só em dois ou três anos de desmatamento na Amazônia, um péssimo exemplo dado pelo atual governo brasileiro no tocante à Floresta Amazônica. E, no exterior, incluindo o Brasil, mudanças climáticas têm sido causadas por altas taxa de óxido de carbono (CO2) liberado pelas chaminés de fábricas, na maior parte, na China, Rússia, Índia, Estados Unidos, com resultados ameaçadores de aumento do efeito estufa que podem arruinar as condições de vida na Terra.
No caso de líderes mundiais atuais continuar permitindo a poluição do ar, da natureza, dos mares dos rios, dos lagos, das cidades etc., em razão de uma cobiça de um nível de crescimento consumista mundial sem precedentes, nosso planeta será inteiramente sacrificado e nada restará, nem ninguém haverá para contar a história.
Nosso planeta tem que reagir com urgência urgentíssima a fim de reduzir consideravelmente o efeito estufa em cada país, especialmente naqueles mencionados atrás.Vamos defender o que ainda nos resta intacto, infelizmente não muito.
Retomando o que já havia expendido sobre o assunto nuclear deste artigo – a fome -, diria para ser muito franco, que ela não pode ser absolutamente uma condição normal de vida, aceita como algo banal e natural. A pobreza neste país é um problema crônico jamais solucionado ou minimizado até hoje, durante, grosso modo, os últimos vinte anos, incluindo tanto o século passado quanto principalmente se tornando mais recrudescida no atual governo federal, o qual, desafortunadamente, a tem piorado, conforme já mostrei em linhas anteriores.[4]
Especialmente agora, a despeito da situação dos pobres e daqueles abaixo da linha de pobreza, combinada e agravada com a pandemia e outrosproblemas sociais cruciais (violência, galopante, educação, transporte,cultura, segurança, etc.) com todas as suas sequelas: desemprego, política econômica errônea e cruel), o Sr. Paulo Guedes, já citado, mostrou-se nocivo à vida social econômico-financeira brasileira, às condições prevalecentes desumanas desencadeadas pela pobreza. Por conseguinte, não posso ver, até agora, esperança alguma ou vislumbrar alguma perspectiva utópica de um vida melhor no país. Da mesma maneira, não posso prever senão um realidade triste e sombria para meu país, em quase todos os seus aspectos, ainda mesmo levando em conta a possibilidade a médio prazo, muito menos a curto prazo.
A SEGUNDA PERSPECTIVA : A FOME VISTA NO POEMA “O BICHO”.
Segundo já se mencionou no início deste artigo, escolhi o poema “O Bicho,” escrito por um dos mais notáveis poetas brasileiros, Manuel Bandeira, que foi igualmente ensaísta, cronista, historiador literário e um prolífico tradutor.
O poema em exame pertence a uma das obras poéticas de Bandeira, Belo Belo ().Foi o sétimo livro editado do poeta. Bandeira nasceu em Recife, estado de Pernambuco, em 1886 e faleceu em 1968, No Rio de Janeiro morou durante grande parte de sua vida.onde viveu por muito tempo.Iniciou sua produção poética como vate tradicional, publicando o livro As cinzas das horas (1917). Com este livro m juntamente com o seguinte, Carnaval (1919), não foi difícil antecipar que a poesia brasileira estava diante de um poeta de alta qualidade.
Bandeira, assim que o Movimento Modernista Brasileiro surgiu em 1922, a partir do famoso marco estético-literário denominado “Semana de Arte Moderna” que se realizou no Teatro Municipal em São Paulo, não tardou que ele aderisse aos escritores e artistas que compartilhavam as mesmas ideias acerca de novas formas de escrita literária tanto na prosa quanto nas poesia, assim como o fariam artistas em outras linguagens como a pintura, a música, a escultura, a dança etc., os quais co- participaram, em outras artes daquela Semana. Tal mudança no cenário da literatura e cultura modernas não se deu sem os protestos dos autores passadistas ainda praticando estilos literários canônicos cristalizados em formas de escrita como um Coelho Neto( 1864-1934), um entre tantos outros que resistiram às novas experiências literárias desapegadas de qualquer traço passadista.
Veja-se, abaixo, o poema “O Bicho”:
O Bicho
Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão.
Não era um gato,
O bicho, meu Deus, era um homem. (Rio, 25-2-1947)
Como se pode ver da leitura do poema aqui referido, seu sujeito lírico centraliza-se na abominável condição humana universalmente entendida. A dicção da poesia bandeiriana, segundo se percebe nitidamente, é direta, coloquial, humilde, [5] e possui um profundo tom de oralidade. Desta maneira, o poema é exemplo paradigmático de um brilhante poeta modernista, cuja inflexão foi, nesta particular brevíssimo poema, um protótipo de um dos piores males sociais crônicos da vida brasileira.
A riqueza de artifícios estratégicos habilmente utilizados pelo poeta a fim de alcançar o objetivo estético nas emoções e sentimentos do leitor seguramente apontam componentes subjacentes de natureza social nesta peça poética, cuja análise exigiria maior espaço e desenvoltura do tema, o que nãoé o caso aqui.
[1] BANDERIA, Manuel. Belo Belo.: Poeisa compeleta e prosa. Organizada pelo autorm Rio de Janeiro: Nova Aguilar S.A., 1986, p.283-284.
[2] [2] PORTELLA, Eduardo et alii. A modernidade. Revista Tempo Brasileiro, 89: 5/9; Rio de Janeiro, 1986.
__________. et alii . Premissas, promessas. Revista Tempo Brasileiro, 130/131: 5/10. Rio de Janeiro, 1992. Tempo Brasileiro, 1997.
__________. et. alii.Qual modernidade? Rio de Janeiro: Revista Tempo Brasileiro, 111: 109/112. Rio de Janeiro, 1992.
__________ et alii. Sentido(s) da modernidade. Revista Tempo Brasileiro, 76: 118/127. Rio de Janeiro, 1984.
[3] FAORO, Raimundo. Os donos do poder – formação do patrimônio polítoco brasilero. Porto Alegre: Editoa Globo, 1958.
[4] Para uma visão resumida dos mais candentes problemas do Brasil, tais como fome, desigualdade, desigualdade de rendam e violência, apenas para citar alguns, valeria a pema consultar seuinte o breve estudo: ROCHA, Jan. Brazil – a guide to the people, politics and culture. Para uma estudo profundo do Brasil, conqanto breve, , remeto o leitor livro: FAUSTO , Boris. A concise history of Brazil. Trnaslated by Arthur Brakel. Cambridge . [Há a versão original em português]
[5] Para um estudo notável da poesia de Manuel Bandeira, entre outros estudos de ensaístas e críticos proeminentes, mencionaria o seguinte livro: ARRIGUCCI JR, David. Humildade, paixão e morte: a poesia de Manuel Bandeira. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.