O avião do medo
Por Chagas Botelho Em: 22/05/2022, às 00H23
[Chagas Botelho]
Ontem, bem cedinho, um avião riscou o céu de Teresina. Não uma aeronave qualquer, e sim, uma que deixava rastros brancos formados pela condensação do vapor de água. O fenômeno é conhecido como “esteira de condensação”. A trilha esbranquiçada aparece quando o avião atinge uma altitude acima de 8.000 metros e com temperatura externa abaixo de 40 graus.
Passantes que iam e que vinham não repararam o “contrails”. Na pressa, é bem verdade que a maioria ignora os rumores aéreos. Já eu, não tirei os olhos da máquina chamativa. Muito atento, acompanhei suas turbinas desenhando uma fina e duradoura nuvem. Pensei na cena celestial o dia inteiro. O pensamento estancou nela porque me lembrei de um episódio transcorrido entre mim e o meu filho.
Guardei esse fato antigo para lhes contar agora. Meu filho era bem novinho. Devia ter uns seis ou sete anos. Engatinhava nos degraus das séries iniciais da escola. E de lá voltávamos de mãos dadas. Passávamos ali pela Rua Goiás, no mesmo perímetro do viaduto do bairro Ilhotas, onde os trens cargueiros costumam deslizar. O fim de tarde estava muito claro. O dia retardava o princípio de noite.
De repente, eis que surge no céu límpido, um avião igualzinho ao visto ontem. Com aquela marca de nuvem condensada e tudo. Voava sobre as nossas cabeças caminhantes, numa altura quase imperceptível. Apontei o objeto longínquo e diminuto para o meu menino. Ele viu algo do tamanho de uma mosca. Movia-se lento na imensidão azul. Curioso, me perguntou o que era aquilo que andava e fazia estradinha de fumaça branca e fixa.
Aí, resolvi pregar uma peça. Disse-lhe que eram alienígenas que estavam invadindo o planeta terra. Que sequestrariam todos os humanos. E que aquela fumaça branca não significava paz e nem alegria, mas, terror e tristeza. E por fim, que deveríamos correr para casa para nos proteger. Causei pânico na sua inocência. Assustado, o coitadinho apertou minha mão bem forte.
Descontrolado, começou a chorar. Afirmou que não queria viver no espaço. Nem morar com os ETS. Notei meu exagero. Parei e tentei lhe acalmar. Arrependido como um Judas, esclareci: “ei, ei campeão, é brincadeira”. Mas, não adiantou. Um riacho de lágrimas transbordava de seus olhinhos apavorados. Foi quando para nossa autodefesa, ele sugeriu: "Papai, vamos, vamos logo! Lá em casa os meus soldadinhos nos protegerão”.
Sua atitude me deixou assaz emocionado. Um nó do tamanho de uma laranja ficou retido na garganta. Ocorreu-me que dias antes, eu lhe comprava uma caixa de soldadinhos de plástico sintético. Um exército para lhe proteger de possíveis perigos. Então, abraçado ao meu garotinho e também com os olhos marejados, voltei a olhar para o alto. A tentativa era desfazer o mal entendido, a brincadeira de mau gosto, porém, quando me dei conta, o avião do medo já havia desaparecido.