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ELA - e eu me lembro como se fosse hoje - não gostava de pintar as unhas pela manhã. Preferia pintá-las à tarde, pois de manhã, apesar da legião de criadas, tinha sempre muito o que fazer naquela casa.

Entretanto a manicure veio cedo, que estava com a tarde toda tomada (afinal, não era seu dia). Sebastiana - Sabá Vintém, a manicure - era uma negra barbadiana conhecidíssima em Manaus, servia a todas as senhoras da sociedade com seus trabalhos impecáveis - pintava florezinhas nas unhas das senhoras, e coraçõezinhos nas moças. Sabá era mesmo poderosa, graças a suas relações. Sabia de todos os escândalos da cidade, da vida íntima de todas as famílias, e por isso Sabá Vintém era o porta-voz municipal: amantes, abortos, gravidezes ocultas - tinha a maneira especial para tudo descobrir pois discreta compunha fragmentos de conversas ouvidas em várias casas, pedaços que ela costurava e armava, como um policial atento. Por isso se tomava preciosa para as madames, que a custa de boas gorjetas faziam-na falar, passando-se por boba, fazendo-se confidente de todas, sem se indispor com nenhuma, a todas dando a entender que era a preferida, que só a ela confidenciava o que sabia.

- Pelo amor de Deus, Dona Diana, só falo porque é para a senhora ...

E assim Sabá não tinha hora de folga durante a semana. Envelheceu próspera. Almoçava e jantava na casa das madames, juntou dinheiro durante décadas.

SIM - ela não gostava de pintar as unhas pela manhã. D. Maria de Abreu e Souza, ainda jovem e bonita, conforme a conheci, bela, elegante, morava na Rua Barroso, numa casa cujos fundos davam para o Igarapé do Aterro. D. Maria ia, naquela tarde, a um aniversário, e mandara um moleque chamar a negra Sabá para corrigir o esmalte das unhas, e já marcara hora na Mezzodi, a cabeleireira da época.

Foi quando bateram à porta.

POR volta de 1930 a Amazônia estava mudada. A recessão era grande, mas em Rio Branco havia 250.000 cabeças de gado, entre balcedos de murerus, aguapés e canaranas, vicejando a riqueza entre alagados e mondongos.

Nenhuma criada estava próxima. Foi a própria D. Mariazinha de Abreu que, levantando-se solene da cadeira, foi atender a quem batia à sua porta.

- Bons dias, dona - disse-lhe aquele caboclo mal vestido, calças de brim, camisa de algodão cru de dura goma, chapéu de palha na cabeça e mala de madeira enrolada na mão. O homem tirara o chapéu para falar com ela.

- A senhora sabe onde mora o Seu Juca das Neves?

Quando D. Maria viu aquilo empertigou-se, mas fez-se muito cortês ao responder, pois era assim que tratava aos que lhe ficavam abaixo de sua condição social.

- Ao lado - disse, e retirou-se, vindo sentar-se diante da negra Sebastiana Vintém.

Era a senhora mais fina, mais elegante e mais bonita da época, sim, que é assim mesmo, conforme o digo, este Narrador.

E aquele homem era Ribamar (d’Aguirre) de Souza.

 

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