O AMANTE DAS AMAZONAS
Por Rogel Samuel Em: 11/08/2020, às 05H59
ERA no apogeu do preço da seringa, cotada a 655 libras a tonelada na Bolsa de Londres, cotação especulativa, que beneficiava o interesse das empresas inglesas no Oriente. Foi o último ano do império amazonense. Depois, o Teatro Amazonas cerrou suas portas, abrindo somente dois anos depois para Villa-Lobos dar um concerto de violoncelo, que foi no dia 12 de junho de 1912. Imediatamente à tragédia o jovem Bataillon chegou de Paris e recebeu Antônio Ferreira a bordo: ali mesmo vendia o Manixi, menos o Palácio, numa transação comercial nunca esclarecida. José foi para o Igarapé do Inferno sem pisar no solo de Manaus, como fazia sempre.
Era Zequinha um belo rapaz, selvagem, culto, delicado, forte, corpo apolíneo mas adamado, pele de bronze dourado, misterioso, os olhos amendoados muito negros. Os cabelos finos esvoaçavam. Para alguns, um semi-índio. Para outros, um esnobe parisiense que penetrava a floresta com Paxiúba e homens sempre em busca de aventuras, como quando excursionou nas montanhas do rio Pique Yaco, na caça dos Numas, sem encontrá-los. Era solteiro e não tinha mulher, exceto Maria Caxinauá. Paxiúba dormia a seus pés, como um cão. Maria lhe dava banho. Ele nasceu no meio do rio, em 1890, a bordo do Adamastor, nascimento anunciado pelos pajés como o de um deus que veio de uma estrela distante chamada Thar. Em 1854, o Visconde de Mauá bloqueava as nações estrangeiras de navegarem o Amazonas e resistiu até sua falência. O Santa Maria de la Mar Dulce cruzava com o Adamastor poucos meses depois de ter nascido José e para onde, a fim de salvá-lo da malária, que dizimava as crianças da região, foi ele trasladado e transbordado com sua mãe, seguindo para Inglaterra, e de lá para Estrasburgo, onde foi deixada a criança com o tio Levy, com quem morou os anos de sua infância, primeiro na Praça Kleber n0 9, depois em cima da Pharmacie du Dome, até que, em 1894, é trazido de volta ao Manixi, onde fica mais 3 anos até partir de vez, em 97, para Paris, onde morou no Boulevard Saint Germain, e de onde só retomou com 15 anos de idade, em 1905, pouco antes do ataque dos Numas, que foi em meados de novembro. Em 1906 foi de regresso para Paris, para os estudos.
A Caxinauá depois do morticínio escondeu-se e permaneceu algum tempo num capão de mato perto do Palácio sem ninguém. Pensasse morrer e não queria ser mais vista. Pierre tinha nas imediações cerca de 500 homens, caçadores, mateiros, caucheiros, balateiros, toqueiros, comboieiros, homens de campo, mariscadores, lavradores, empregados e aias. Ninguém. Ninguém a viu. Ser invisível quando quer fica mesmo invisível. Que somos alvos fáceis de suas cobras mandadas, de suas flechas, dardos e zarabatanas. A zarabatana solta um dardo muito pequeno e muito rápido, que não se vê no ar, e é muito preciso, mortal, envenenado por um tipo de curare feito do cipó uirari e dos venenos de cobras, moscas, aranhas e escorpiões misturados num tipo de ritual. Paralisa o sistema nervoso e mata por asfixia. Alguns índios usam cobras como armas. Certo Othoniel das Neves, do Juruá, famoso por suas crueldades e matanças, morreu picado pela cascavel encontrada debaixo do seu travesseiro. Pintados com ervas especiais, os índios enganam os melhores cães de caça. No morticínio Numa só se encontraram corpos carbonizados. Quase morta, Maria teve de ser levada às pressas para Manaus, com Frei Lothar e Zequinha juntos. Foi a pior guerra da região até hoje. Depois disso, Pierre Bataillon, que gostava das frases de espírito, e para levantar o moral da tropa, que começava a respeitar e a temer a força de resistência dos guerreiros Numas, apesar da incomparável diferença das armas que utilizavam, passou a chamar os índios de “novos ajuricabas”, referência ao herói dos Manaús que, em 1723, enfrentou e venceu os soldados da coroa portuguesa, sob o comando de Manuel Braga.